terça-feira, 4 de junho de 2019

Bom português



“A sério” e não à séria”, como por cá se ouve e escreve a cada passo. Ao menos servisse o artigo de António Barreto, uma vez mais, de modelo de escrita, e pensamento claro, depurado nas leituras caracteriológicas clássicas, formadoras, na sua crítica sagaz aos costumes, segundo ideais de ética civilizacional. Mas, tendo em conta o riso descontraído da sociedade folclórica de hoje, contra as formalidades convencionais desses comportamentos retrógados de “punhos de renda”, ao menos que se lhe saboreasse a arte da escrita, na sua correcção linguística, de elegância discursiva. O resto… “é silêncio”, que também hoje, como outrora, a “mudança” “não se muda já como soía”, urgente e autónoma, e mais do que nunca, indiferente a preconceitos - conquanto ainda mais exigente, rebuscada e preconceituosa do que a das épocas passadas, pois igualmente rígida nos seus próprios conceitos libertários, de individualismo feroz, e pura alienação fechada nos “guetos” da sua nova moral.
Não, não vou defender os conceitos políticos de António Barreto, que, nos comentadores de esquerda encontrou suficientes doestos de habitual grosseria, (mau grado as liberdades de pensamento que as democracias preconizam), comentários que, naturalmente, ignorei. Faço apenas sentir, repito, que a locução “a sério “ é mesmo a verdadeira, e não o “à séria” da nossa presunção de indiferença à correcção linguística.
OPINIÃO: Agora é a sério
A unidade da direita pode salvar-nos da extrema-direita, enquanto a unidade das esquerdas pode transformar-nos em reféns da extrema-esquerda.
ANTÓNIO BARRETO   PÚBLICO, 2 de Junho de 2019
Quem disser que as eleições anteriores foram a feijões não anda longe da verdade. Com as próximas, todavia, estaremos a falar de coisas sérias. Por mais que os candidatos queiram fazer demagogia, como fizeram magistralmente durante a campanha europeia, não vai ser possível evitar os grandes temas e as escolhas difíceis.
Todas as eleições legislativas são decisivas. As próximas não escapam ao lugar-comum. Mas têm qualquer coisa mais. As esquerdas, que há quatro anos escaparam às questões de doutrina, têm agora de escolher e tomar decisões prévias sobre o que é importante. Na verdade, a solução de Governo encontrada há quatro anos foi um acaso proporcionado pelos resultados e inventado numa noite de insónia, graças à ousadia oportunista do PCP, à disponibilidade sonsa do BE e à ambição escorregadia do PS. Como é sabido, nenhum partido teve de anunciar ao que vinha.
Agora, é diferente. O eleitorado não aceita que os partidos se escondam novamente e espera saber quem faz coligação e quem está disponível para entrar no Governo. Nestas eleições, as esquerdas vão ter de dizer o que querem da futura União Europeia, da NATO e das Forças Armadas. Estão obrigadas a esclarecer o que preparam para o Serviço Nacional de Saúde, para a ADSE e para a acumulação de funções públicas e privadas por parte dos médicos. Têm de se exprimir sobre as parcerias público-privadas, as passadas e as futuras. São obrigadas a desvendar as suas políticas relativas ao investimento privado nacional e estrangeiro.
O que precede é a substância. Mas há mais do que isso: o compromisso e a política de alianças estão a partir de agora no centro das realidades. Está a chegar a altura de sabermos se as extremas-esquerdas, o PCP e o Bloco, estão ou não em vias de se render à democracia e de renunciar aos seus valores tradicionais de combate à iniciativa privada e à liberdade individual, de ditadura da classe trabalhadora e de estratégia de luta de classe contra classe.
Chega também o momento de o PS, se for honesto, revelar se está disposto a mudar a sua política tradicional, a de uma esquerda democrática central e de equilíbrio, substituindo-a por uma estratégia de união ou unidade das esquerdas e de convergência com os comunistas e os bloquistas. O que não será novo. Em França, nos anos 1930, a Frente Popular deu o exemplo. Mais tarde, Mitterrand fez algo de parecido nos anos 80, com o que liquefez a extrema-esquerda. Em Portugal, Jorge Sampaio e o chamado “grupo do ex-secretariado” tentaram, em seu tempo, a frente comum e a aliança de esquerda. Mário Soares que, toda a sua vida, se distinguiu pela vontade obsessiva de se manter sozinho, sem os comunistas, soçobrou nos últimos anos da sua vida e, por causa da maioria de direita e da austeridade da troika, também defendia a frente unida. Estará o PS disponível para abandonar o seu papel de principal charneira da política e da sociedade? Ou está mais interessado em enfileirar-se nas hostes da guerra das classes?
Nas direitas, os dilemas também abundam. Com mais experiência de alianças, não seria difícil ao PSD e ao CDS definir um caminho. Além disso, na inexistência de uma extrema-direita com peso no Parlamento ou nas ruas, também não seria difícil definir uma estratégia com sentido e futuro. O problema é que as direitas estão derretidas. A desorientação estratégica é enorme. Os problemas pessoais abundam. As relações entre os dois partidos estão no seu ponto mais baixo. Ora, seria realmente importante definir programas e reorientar a estratégia. O que é, finalmente, a direita portuguesa? Ou, antes, as direitas portuguesas? Na ausência de líder incontestado, as questões doutrinárias e estratégicas ganham evidente importância. As direitas são liberais? Neoliberais? Ultraliberais? Mais democratas-cristãs ou cristãs sociais? Preferem a Europa, o cosmopolitismo, o Atlântico ou o nacionalismo?
Pode pensar-se que se trata de divagações ideológicas ou de problemas teóricos, tudo inutilidades quando o que está em causa são políticas práticas. Pois que assim seja, mas a verdade é que o futuro das direitas em Portugal depende destas definições e das respectivas escolhas. E se as direitas não souberem começar a resolver a sua vida doutrinária, podem ter a certeza de que a fragmentação espera por elas e de que todas as pulsões ditas populistas e nacionalistas esperam por essa oportunidade.
De qualquer maneira, é muito interessante ver os destinos cruzados. Enquanto na esquerda se vai decidir se a extrema-esquerda (existente) é ou não integrada no sistema, na direita vai-se ver se a extrema-direita (inexistente) tem ou não uma oportunidade. Na esquerda vai-se ver se a extrema-esquerda vence a democracia ou é por ela derrotada, na direita vai-se ver se a extrema-direita tem uma oportunidade para crescer e se desenvolver. É quase um paradoxo: a unidade da direita pode salvar-nos da extrema-direita, enquanto a unidade das esquerdas pode transformar-nos em reféns da extrema-esquerda.
Estamos a entrar num ciclo perigoso da nossa vida colectiva. Depois de mais de 30 anos sem bipolarização entre a esquerda e a direita, aproximamo-nos do dia em que o dilema alternativo e o confronto radical entre esquerdas e direitas, entre público e privado, entre capital e trabalho e entre autoridade e liberdade, constituirão o eixo principal da política. Se assim for, ficaremos a perder seguramente.
Enquanto quase toda a gente, na Europa e alhures, tenta fazer aproximações e fugir das polarizações, em Portugal, mais do que nunca desde há 40 anos, está a tentar dividir-se o país em esquerda e direita! É mau caminho! É perigoso! Há umas semanas, quando vimos os deputados de esquerda, em roda, a cantarolar a Grândola no hemiciclo parlamentar, foi dado um sinal. Parece uma anedota, parece risível, mas não é!
Se com esta divisão e este confronto, a extrema-esquerda se rendesse à democracia ou desaparecesse eleitoralmente, estaríamos diante de uma obra-prima política. Se, em vez disso, a esquerda democrática se deixa encantar pelas novas versões da política do confronto, da luta das classes sem tréguas, de absorção pelo Estado de toda a iniciativa social, económica e cultural, então estaremos diante de um novo e monumental desastre da política portuguesa.      Sociólogo
COMENTÁRIOS:
António Costa, 03.06.2019 : Oh António Barreto!!! Agora é tão a sério como das outras vezes!! O povo já chegou à conclusão que é indiferente votar na direita ou na esquerda. Temos a extrema esquerda no poder, mas a austeridade mantém-se. Votar para quê?? Enquanto houver economia que sustente o estado, fica descansado que não vai haver extrema direita. As políticas em Portugal são decididas na Europa, e os eleitores ficaram agora a saber isso, quando temos toda a esquerda no poder, e limitaram-se a repor alguns cortes do tempo do Passos Coelho.
JLR, Ílhavo 02.06.2019: Gosto mais de ouvir António Barreto do que de lê-lo. O seu discurso, quando é entrevistado ou participa em debates é, na minha opinião, mais espontâneo e moderado. Já os seus artigos por vezes são desconcertantes. Como perguntava o comentador José Baltazar, do Montijo, às 13:20, este artigo parece antigo, de uma época que não tem a ver com a realidade de hoje.
francisco tavares, 02.06.2019: "Se a esquerda democrática se deixa encantar pela absorção pelo Estado de toda iniciativa social, económica e cultural então estamos diante de um monumental desastre", diz AB. É evidente que AB exagera e põe a questão em termos radicais e excessivos. Faz sentido estarem na posse do Estado as entidades que prestam serviços básicos às populações como correios, transportes públicos, energia, água, educação, segurança social e habitação social. E talvez o crédito. Os contribuintes foram, ultimamente, obrigados a pagar os desmandos da actividade privada nos bancos. Já vai em 23 mil milhões. É necessário prevenir que tal não volte a acontecer. Como? Nacionalizando o crédito? Fora isto, há um sem número de áreas económicas que a iniciativa privada pode explorar.
JORGE COSTA, Terras do Norte... 02.06.2019: Parabéns pelo lúcido artigo!!

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