“A
sério” e não “à séria”, como por cá
se ouve e escreve a cada passo. Ao menos servisse o artigo de António Barreto, uma vez mais, de modelo de escrita, e pensamento
claro, depurado nas leituras caracteriológicas clássicas, formadoras, na sua crítica
sagaz aos costumes, segundo ideais de ética civilizacional. Mas, tendo em conta
o riso descontraído da sociedade folclórica de hoje, contra as formalidades
convencionais desses comportamentos retrógados de “punhos de renda”, ao menos que
se lhe saboreasse a arte da escrita, na sua correcção linguística, de elegância
discursiva. O resto… “é silêncio”,
que também hoje, como outrora, a “mudança” “não
se muda já como soía”, urgente e autónoma, e mais do que nunca, indiferente
a preconceitos - conquanto ainda mais exigente, rebuscada e preconceituosa do
que a das épocas passadas, pois igualmente rígida nos seus próprios conceitos
libertários, de individualismo feroz, e pura alienação fechada nos “guetos” da
sua nova moral.
Não, não vou defender os conceitos políticos
de António Barreto, que, nos
comentadores de esquerda encontrou suficientes doestos de habitual grosseria, (mau
grado as liberdades de pensamento que as democracias preconizam), comentários
que, naturalmente, ignorei. Faço apenas sentir, repito, que a locução “a sério “
é mesmo a verdadeira, e não o “à séria” da nossa presunção de indiferença à
correcção linguística.
OPINIÃO: Agora é a sério
A unidade da direita pode salvar-nos da extrema-direita, enquanto a
unidade das esquerdas pode transformar-nos em reféns da extrema-esquerda.
ANTÓNIO BARRETO PÚBLICO, 2 de
Junho de 2019
Quem
disser que as eleições
anteriores foram a feijões não anda longe da verdade. Com as
próximas, todavia, estaremos a falar de coisas sérias. Por mais que os
candidatos queiram fazer demagogia, como fizeram magistralmente durante a
campanha europeia, não vai ser possível evitar os grandes temas e as escolhas
difíceis.
Todas
as eleições legislativas são decisivas. As
próximas não escapam ao lugar-comum. Mas têm qualquer coisa mais. As esquerdas,
que há quatro anos escaparam às questões de doutrina, têm agora de escolher e
tomar decisões prévias sobre o que é importante. Na verdade, a solução de
Governo encontrada há quatro anos foi um acaso proporcionado pelos resultados e
inventado numa noite de insónia, graças à ousadia oportunista do PCP, à
disponibilidade sonsa do BE e à ambição escorregadia do PS. Como é sabido,
nenhum partido teve de anunciar ao que vinha.
Agora, é diferente. O eleitorado não aceita que os partidos se
escondam novamente e espera saber quem faz coligação e quem está disponível
para entrar no Governo. Nestas eleições, as esquerdas vão ter de dizer o que
querem da futura União Europeia, da NATO e das Forças Armadas. Estão obrigadas
a esclarecer o que preparam para o Serviço Nacional de Saúde, para a ADSE e
para a acumulação de funções públicas e privadas por parte dos médicos. Têm de
se exprimir sobre as parcerias público-privadas, as passadas e as futuras. São
obrigadas a desvendar as suas políticas relativas ao investimento privado
nacional e estrangeiro.
O que precede é a substância. Mas há
mais do que isso: o compromisso e a política de alianças estão a partir de
agora no centro das realidades. Está
a chegar a altura de sabermos se as extremas-esquerdas, o PCP e o Bloco, estão
ou não em vias de se render à democracia e de renunciar aos seus valores
tradicionais de combate à iniciativa privada e à liberdade individual, de
ditadura da classe trabalhadora e de estratégia de luta de classe contra
classe.
Chega
também o momento de o PS, se for honesto, revelar se está disposto a mudar a
sua política tradicional, a de uma esquerda democrática central e de
equilíbrio, substituindo-a por uma estratégia de união ou unidade das esquerdas
e de convergência com os comunistas e os bloquistas. O que não será novo. Em França, nos anos 1930, a Frente Popular deu o
exemplo. Mais tarde, Mitterrand fez algo
de parecido nos anos 80, com o que liquefez a extrema-esquerda. Em Portugal,
Jorge Sampaio e o chamado “grupo do ex-secretariado” tentaram, em seu tempo, a
frente comum e a aliança de esquerda. Mário Soares que, toda a sua vida, se distinguiu pela vontade
obsessiva de se manter sozinho, sem os comunistas, soçobrou nos últimos anos da
sua vida e, por causa da maioria de direita e da austeridade da troika,
também defendia a frente unida. Estará o PS disponível para abandonar o seu
papel de principal charneira da política e da sociedade? Ou está mais
interessado em enfileirar-se nas hostes da guerra das classes?
Nas direitas, os dilemas
também abundam. Com mais experiência de alianças, não seria difícil ao PSD e ao
CDS definir um caminho. Além disso, na inexistência de uma extrema-direita com
peso no Parlamento ou nas ruas, também não seria difícil definir uma estratégia
com sentido e futuro. O problema é que as direitas estão
derretidas. A desorientação estratégica é
enorme. Os problemas pessoais abundam. As relações entre os dois partidos estão
no seu ponto mais baixo. Ora, seria realmente importante definir programas e
reorientar a estratégia. O que é, finalmente, a direita portuguesa? Ou, antes,
as direitas portuguesas? Na ausência de líder incontestado, as questões
doutrinárias e estratégicas ganham evidente importância. As direitas são
liberais? Neoliberais? Ultraliberais? Mais democratas-cristãs ou cristãs
sociais? Preferem a Europa, o cosmopolitismo, o Atlântico ou o nacionalismo?
Pode
pensar-se que se trata de divagações ideológicas ou de problemas teóricos, tudo
inutilidades quando o que está em causa são políticas práticas. Pois que assim
seja, mas a verdade é que o futuro das direitas em Portugal depende destas
definições e das respectivas escolhas. E se as direitas não souberem começar a
resolver a sua vida doutrinária, podem ter a certeza de que a fragmentação
espera por elas e de que todas as pulsões ditas populistas e nacionalistas
esperam por essa oportunidade.
De
qualquer maneira, é muito interessante ver os destinos cruzados. Enquanto na
esquerda se vai decidir se a extrema-esquerda (existente) é ou não integrada no
sistema, na direita vai-se ver se a extrema-direita (inexistente) tem ou não
uma oportunidade. Na esquerda vai-se ver se a extrema-esquerda vence a
democracia ou é por ela derrotada, na direita vai-se ver se a extrema-direita
tem uma oportunidade para crescer e se desenvolver. É quase
um paradoxo: a unidade da direita pode salvar-nos da extrema-direita, enquanto
a unidade das esquerdas pode transformar-nos em reféns da
extrema-esquerda.
Estamos a entrar num ciclo perigoso
da nossa vida colectiva. Depois de mais de 30 anos sem bipolarização entre a
esquerda e a direita, aproximamo-nos do dia em que o dilema alternativo e o
confronto radical entre esquerdas e direitas, entre público e privado, entre
capital e trabalho e entre autoridade e liberdade, constituirão o eixo
principal da política. Se assim for, ficaremos a perder seguramente.
Enquanto
quase toda a gente, na Europa e alhures, tenta fazer aproximações e fugir das
polarizações, em Portugal, mais do que nunca desde há 40 anos, está
a tentar dividir-se o país em esquerda e direita! É mau caminho! É perigoso! Há
umas semanas, quando vimos os deputados de esquerda, em roda, a cantarolar
a Grândola no hemiciclo parlamentar, foi dado um sinal. Parece uma
anedota, parece risível, mas não é!
Se
com esta divisão e este confronto, a extrema-esquerda se rendesse à democracia
ou desaparecesse eleitoralmente, estaríamos diante de uma obra-prima política.
Se, em vez disso, a esquerda democrática se deixa encantar pelas novas versões
da política do confronto, da luta das classes sem tréguas, de absorção pelo
Estado de toda a iniciativa social, económica e cultural, então estaremos
diante de um novo e monumental desastre da política portuguesa. Sociólogo
COMENTÁRIOS:
António
Costa, 03.06.2019 : Oh António
Barreto!!! Agora é tão a sério como das outras vezes!! O povo já chegou à
conclusão que é indiferente votar na direita ou na esquerda. Temos a extrema
esquerda no poder, mas a austeridade mantém-se. Votar para quê?? Enquanto
houver economia que sustente o estado, fica descansado que não vai haver
extrema direita. As políticas em Portugal são decididas na Europa, e os
eleitores ficaram agora a saber isso, quando temos toda a esquerda no poder, e
limitaram-se a repor alguns cortes do tempo do Passos Coelho.
JLR, Ílhavo 02.06.2019: Gosto mais de ouvir António Barreto do que de lê-lo. O
seu discurso, quando é entrevistado ou participa em debates é, na minha
opinião, mais espontâneo e moderado. Já os seus artigos por vezes são
desconcertantes. Como perguntava o comentador José Baltazar, do Montijo, às
13:20, este artigo parece antigo, de uma época que não tem a ver com a
realidade de hoje.
francisco tavares, 02.06.2019: "Se a esquerda democrática se deixa encantar pela
absorção pelo Estado de toda iniciativa social, económica e cultural então
estamos diante de um monumental desastre", diz AB. É evidente que AB
exagera e põe a questão em termos radicais e excessivos. Faz sentido estarem na
posse do Estado as entidades que prestam serviços básicos às populações como
correios, transportes públicos, energia, água, educação, segurança social e
habitação social. E talvez o crédito. Os contribuintes foram, ultimamente,
obrigados a pagar os desmandos da actividade privada nos bancos. Já vai em 23
mil milhões. É necessário prevenir que tal não volte a acontecer. Como?
Nacionalizando o crédito? Fora isto, há um sem número de áreas económicas que a
iniciativa privada pode explorar.
JORGE COSTA, Terras do Norte... 02.06.2019:
Parabéns pelo lúcido artigo!!
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