Dois textos de Salles da Fonseca, que, supostamente
informativos, são contudo, como sempre, de extremo interesse, na sua erudição chã
e directa que, contudo, contém sempre uns laivos de picardia, na constatação, -
caso do 1º texto, de localização de corridas de cavalos em Lisboa e
relacionação com a música de Vianna
da Motta – da nossa ineficácia em requinte imitativo do estrangeiro (o chic do pretensioso
Dâmaso Salcede, para que sempre
tendemos, ao querermos emparelhar, como ele queria, com as corridas inglesas,
situação já realisticamente (e impagavelmente) descrita no capítulo de viragem
na intriga amorosa de “Os Maias” (Cap- X) – nesse caso de corridas em
Pedrouços. Um prazer a associação de música e corridas de cavalos na definição de
Salles da Fonseca para a arte
de Vianna da Motta. O mesmo se
dirá de Manuel Teixeira Gomes, com as considerações
finais que SF humoristicamente
tece sobre o homem que “a levou bem
levada” e cujos livros são mal conhecidos, mas que se fica com desejo de
conhecer.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A
BEM DA NAÇÃO, 24.06.19
José Vianna da Motta - São Tomé, 22 de Abril de 1868 — Lisboa, 1 De Junho de 1948 (80 anos)
* * *
Dizem-me
que apareceram há pouco dois manuscritos de Vianna da Motta – partituras, claro – relativas a peças para piano com a
informação de que são inspiradas nas corridas de cavalos a que o compositor
terá assistido em 1880 em Portugal. Quem está a estudar as ditas peças estranhou – e por isso me
contactou – que elas tenham uma tonalidade e outras características que as
associam à música espanhola e mesmo ao folclore cigano. Aproveitava o meu
interlocutor para perguntar se as ditas corridas teriam sido realizadas no
actual hipódromo do Campo Grande, em Lisboa.
Eis a resposta que dei ao
interessado artista:
Exmo. Senhor: É com todo o gosto que,
melómano e cavaleiro, passo a responder às suas questões, em especial ao que Mestre Vianna da Motta possa ter visto.
Assim, começo por dizer que em Portugal
nunca houve verdadeiras corridas de cavalos. O que sempre houve (e continua
a haver) eram (e são) correrias com pilecas nacionais (não vocacionados para
a modalidade) e cavalos estrangeiros de refugo. Nada do profissionalismo inglês
nem sequer francês. Nada me espanta, pois, a inspiração espanhola nem sequer a
cigana. Mais: as correrias começaram pelos inícios
do séc. XIX em Évora, daí passaram para a Granja de Sintra, daí para Belém e já
no reinado de D. Manuel II, para o nosso Long Champ a que chamamos Campo Grande. Sim, no actual jardim, não propriamente no actual hipódromo que
era então campo aberto rodeado de azinhagas. Foi com a urbanização do actual Jardim do Campo Grande que os terrenos seus anexos passaram a ser usados equestremente
pelo Jockey Club que iniciou obras de
arranjo, nomeadamente pistas de corrida e bancadas (ainda existentes). Realizou
uma única jornada de corridas no dia 27
de Junho de 1915 e apresentou-se ä falência. O local
ficou então na posse efectiva do seu proprietário, o Estado Português, até que
em 1930 nos foi entregue, à Sociedade Hípica Portuguesa, por arrendamento. Até hoje. Portanto, em 1880, Mestre Vianna da Motta terá visto umas
correrias de muito provável inspiração espanhola e talvez mesmo cigana apesar
do afluxo da melhor sociedade de então que de corridas verdadeira NADA saberia.
Onde foi que isso aconteceu? Ou na Granja de Sintra ou em Belém. Duvido
seriamente de que no Campo Grande. Tenho para mim que o tom das
peças tem tudo a ver com o que o Compositor possa ter visto.
Atenciosamente, Henrique Salles da Fonseca, 25.06.19
4 comentários
Adriano Lima 24.06.2019: Eis um esclarecimento cabal sobre um assunto que
desconheço de todo. Fica-se com o proveito de um conhecimento que muito poucos
detêm.
Henrique Salles da Fonseca, 24.06.2019:
Prezado Dr. Salles da Fonseca, Votos de
boa disposição. Apreciei verdadeiramente a página histórica sobre as corridas
em Portugal. Com referência ao seu último artigo na Equitação é um facto que o
mais simples, nós o tornamos tão difícil e rebuscado com grandes discursos
académicos. Efectivamente a equitação é muito simples e nós a complicamos. È só
deixar fluir.... Com um abraço de agradecimento e admiração, Manuel
Henriques
Anónimo, 24.06.2019: Artigo muito interessante, muitos parabéns
FOTO: José
Vianna da Motta- São Tomé, 22 de Abril de 1868 — Lisboa, 1 De Junho de
1948 (80 anos)
II - Manuel Teixeira Gomes
(Portimão, 1862 – Argel, 1941) (7ª Presidente da República –
6/10/1923 – 11/12/1925)
Principais obras literárias (in Wikipédia): Cartas sem Moral Nenhuma (1904); Agosto Azul (1904); Sabina
Freire (1905); Desenhos e Anedotas de João de Deus (1907); Gente Singular (1909); Cartas a Columbano (1932); Novelas Eróticas (1935); Regressos (1935); Miscelânea (1937); Maria Adelaide (1938); Carnaval Literário (1938)* *
Membro
de família abastada, Manuel Teixeira Gomes nasceu em Portimão no ano de 1862 e pelos 10 anos
ingressou no seminário de Coimbra até que passou para a Universidade a fim de
cursar medicina. Mas a boémia foi mais forte do que o rigor científico e
assim foi que o jovem se passou a dedicar mais às artes, ou seja, à estroina. O abastado pai convenceu-se então de que mais
valia continuar a dar-lhe a mesada e deixá-lo viver a sua vida de rapaz, já
então com mesclas de literatura, pintura e escultura. Mudando-se para
Lisboa, optou pela literatura e passou a colaborar em revistas e jornais… até
que o pai o conseguiu atrair para os negócios da família (frutos secos,
nomeadamente algarvios) e o fez viajar pelo Mediterrâneo e Europa firmando
contratos um pouco por toda a parte. O próprio escreveu na sua
“Miscelânea”: «Fiz-me
negociante, ganhei bastante dinheiro e durante quase vinte anos viajei,
passando em Portugal poucos meses.»
Foi
neste período que ganhou mais mundo do que aquele que já de cá levava, passou
por experiências que lhe proporcionaram grandes recordações e nos facultaram a
nós, seus leitores, páginas admiráveis. Senhor de vasta cultura, pôs no
papel episódios rocambolescos e de muito outras ordens, por exemplo, aqueles
que nos deixou intitulados “Duas novelas eróticas”. Quem diria…
Republicano,
a sua vida política ao serviço do novo regime começou logo em 1911 e
prolongou-se até 1918 no espinhoso cargo de Embaixador em Londres. Levar a
Velha Albion a reconhecer a jovem e ainda pouco estável República Portuguesa
não era tarefa fácil uma vez que os monarcas britânicos tinham laços familiares
com os depostos monarcas portugueses que viviam exilados em Inglaterra. Mas conseguiu insinuar-se de tal modo que ao fim de alguns
anos a família real o passou a convidar para o palácio com toda a naturalidade.
Sabe-se, por exemplo, que a rainha Alexandra lhe pediu para lhe decorar o
gabinete oriental no Palácio de Buckingham.
Normalizadas
as relações diplomáticas entre Portugal e a Grã-Bretanha, foi a vez de em 1918
Sidónio Pais subir ao Poder demitindo o Embaixador em Londres que regressou ao
Algarve para gerir directamente as suas propriedades. Contudo, o fim do consulado sidonista fez com
que logo em 1919 Teixeira Gomes fosse novamente chamado à diplomacia,
desta feita em Madrid e em Londres.
Como
Presidente da República, ocupou o cargo entre 5 de Outubro de 1923 e 11 de
Dezembro de 1925 mas demitiu-se antes do fim do mandato deixando-nos com o seu
conhecido desabafo: A política, longe de me oferecer encantos ou compensações,
converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício
inglório. Dia-a-dia, vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as
minhas ilusões políticas; sinto uma necessidade, porventura
fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus
livros. Com o advento do Estado Novo em 1926, auto-exilou-se em
Argel onde retomou a escrita dos seus livros até que morreu em 1941. O seu
corpo foi trasladado para Portugal em 1950 mas os seus escritos já cá estavam.
Por exemplo, esses contos eróticos. É de nos perguntarmos sobre o
que será mais estranho: se um escritor do erotismo chegar a Presidente da
República; se um Presidente da República divagar pelo erotismo.
Ainda
estou na minha: quem diria…
Claramente, uma personalidade sobre que
falamos de menos e que lemos de menos. Pela minha parte, sinto que devia lê-lo
mais se houvesse onde encontrar os seus livros. Na falta de novas edições,
penso nele de cada vez que sobrevoo Argel e faço o gesto simbólico de o
cumprimentar levando a mão esquerda ao chapéu (que não uso nos aviões)
libertando a direita para um aperto de mão a «quem a levou bem levada» e
deixou uma ou duas filhas pela calada das noites algarvias… Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
Manuel
Teixeira Gomes, DUAS NOVELAS ERÓTICAS – Contexto Editora – Lisboa, 1995
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca, 25.06.2019 Gostei muito de saber. Aprendo sempre muito contigo. Bjs, Isabel
O'Sullivan
Henrique Salles da Fonseca, 25.06.2019
Muito bom. Eu tenho a obra quase toda
dele de que li uma maioria.
Jorge Gaspar de Barros
Jorge Gaspar de Barros
Henrique Salles da
Fonseca 25.06.2019: Muito
bom. Vou procurar alguma coisa dele. Se encontrar informo. Francisco Gomes de
Amorim
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