A primeira, tema que tem a ver com
turismo e boas maneiras, é um texto ao modo simples e descontraído de Miguel Esteves Cardoso, de observação de comportamentos, neste caso de
famílias alemãs, com pruridos linguísticos um tanto xenófobos, que MEC condena.
Mas o segundo texto maravilhou-me, como uma história de encantar real, só
possível nestes nossos tempos arrebatadoramente tecnológicos, que permitem
viajar não nas asas de um ganso, mas em aviões low cost, e assim pisar todos os
países do mundo, mesmo que o low cost não pareça ter acesso a todos eles. Mas
os descritivos e as fotografias vão pontuando os ensinamentos da jovem
americana Lexie, que oferece
conceitos valorativos do universo humano que não pensáramos pôr em causa, como
esse “Há realmente muita bondade em
todos os lugares”, verdadeiro mas superficial, e todavia que nos
encanta pelo comprovativo in loco. Só
desejamos a Lexie a continuação de boas viagens que ela planeia com as cautelas
e as informações necessárias, e sem ficar pesada à família, esperta e
trabalhadora que é, nos seus truques para angariar fundos de sobrevivência. É
bem corajosa, de facto, heroína das novas eras a que estes tempos mediáticos dão
relevo universal. Quão longe estamos dos coleccionadores de velharias, objectos,
selos, moedas, livros, manias, futilidades! Ou quadros dos amantes de pinturas,
coisas obsoletas, que só dão nas vistas, sobretudo quando descambam em negócios
sujos. Coleccionar viagens é, realmente, maravilhoso e aberto ao esplendor da
vida. E tudo graças ao low cost e, inicialmente, à família, dona de agência de
viagens encaminhadora, e aos media também. Marco Polo também viajou, pela Ásia só, e fez um livro, nós
também tivemos uma Peregrinação que pareceu irreal,
de tal modo contou estranhas proezas perigosas. Camões contou viagens
alheias, tudo isso por mar, e às vezes por terra, e ele próprio deixou a sua
vida “pelo mundo em pedaços repartida”.
Lexie terá pano para mangas para nos contar das suas. Mas o que conta agora é o
cômputo de 196 países, que são todos os países do mundo que ela colecciona na
sua memória. Talvez daí resulte também um livro de viagens e de afectos. Para já, temos o encantador relato de Luís Octávio Costa.
I – OPINIÃO: Nem um obrigado
Esta quarta-feira duas famílias chegaram
e foram-se embora sem dizer uma única palavra em português. Nem um “olá” ou um
“obrigado”. Dir-se-ia que até no avião para Lisboa dá para aprender estas duas
palavras importantes.
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
PÚBLICO, 6 de Junho de 2019
Estou
há três horas numa esplanada em Sintra onde os outros clientes são todos
estrangeiros. Quando me queixo de turistas tenho sempre o cuidado de não
mencionar a nacionalidade, para não fazer generalizações escusadas.
Esta
quarta-feira duas famílias chegaram e foram-se embora sem dizer uma única
palavra em português. Nem um “olá” ou um “obrigado”. Dir-se-ia que até no avião
para Lisboa dá para aprender estas duas palavras importantes.
Reconheço
que “se faz favor” é difícil. Não estou a pedir muito. Mas talvez se pudesse
fazer o esforço tremendo de aprender a dizer “por favor” para se poder ser
minimamente bem educado em toda a Península Ibérica e em toda a América do Sul.
Acontece
que os pouquíssimos estrangeiros dos quais me queixo são sempre alemães.
Pronto, está dito. Nunca são de outra nacionalidade.
Falam
um inglês horrível e relutante, pior do que o inglês dos empregados. Parece um
episódio particularmente violento da série “Vamos assassinar a língua de
Shakespeare”.
Não
aprender a dizer “olá”, “obrigado/obrigada” e “por favor” é um acto de
arrogância. Ninguém pede que se aprenda um bocadinho de português para poder
conversar com os indígenas. Mas sente-se que são os alemães que se dão ao luxo
de ficarem zangados por não poderem falar alemão em Portugal e que ficam mais
zangados ainda por terem de falar em inglês, of all languages.
Seria
pedir muito que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ao examinar o
passaporte de quem nos visita, verificasse se o turista é capaz de pronunciar
estas simples palavras portuguesas?
II - Ela
tem 21 anos e já visitou todos os países
Mora em casa dos pais, não tem
empréstimos e diz não gastar o dinheiro em bens materiais desnecessários.
Viaja low cost, trabalha pelo caminho e cria conteúdos em troca de
estadia. Pisou recentemente a Coreia do Norte, o último país da sua lista.
PÚBLICO, 6 de Junho de 2019
Lexie Alford, norte-americana de 21 anos, tornou-se a 31 de Maio de
2019 — dia em que pisou o território da Coreia do Norte —, a
pessoa mais jovem da história a ter visitado todos os países, batendo James Asquith, o anterior recordista do
Guinness World Record, que tinha alcançado o feito com 24 anos.
Escreve
assim na sua mais recente publicação no Instagram: “Quando comecei a viajar,
nunca imaginei que tantas pessoas maravilhosas aparecessem na minha jornada.
Agora parece que todos vocês estão aqui comigo. Estou muito grata por isso. Há
tantas partes do mundo que estão completamente fora do radar para a maioria dos
turistas. Por causa da imprensa, as pessoas acham que lugares como estes são
perigosos devido a conflitos e por razões de segurança. Espero que, ao
partilhar as minhas experiências, possa encorajar as pessoas a pensar duas
vezes sobre os países incompreendidos. Há realmente muita bondade em todos
os lugares!” Faz acompanhar a mensagem de
fotos e vídeos de Madagáscar, Turquemenistão, Arábia Saudita, Guiné,
Paquistão, Jordânia, Uganda, Etiópia, Curdistão iraquiano e Uzbequistão.
As
viagens fazem parte da sua vida desde sempre. A sua família tem uma agência
de viagens na Califórnia e isso fez com que coleccionasse países desde muito
nova. “Os meus pais sempre tentaram expor-me a todos os modos de vida em
todo o mundo. E isso teve um impacto muito profundo sobre a pessoa que sou
hoje”, diz Lexie, que se auto-intitula @lexielimitless no
Instagram, onde partilha as suas viagens desde 2015 (Japão), procurando
responder a todos os comentários dos seus quase cem mil seguidores. “Sempre
tive muita curiosidade sobre o modo de vida das outras pessoas e como eles
encontram a felicidade.”
Lexie
percebeu que já tinha visitado 72 países no dia em que completou 18 anos
de idade (em 2016). Foi então que passou de viajante intrépida a coleccionadora
dos 196 pontos no mapa. Começou então a sua missão. “A primeira vez que
pensei em bater o recorde foi em Outubro de 2016 em minha casa, na Califórnia”,
diz Alford, que tinha terminado os estudos e entrado num ano sabático que se
foi prolongando no tempo.
As
suas viagens, garante, são auto-sustentáveis. Faz alguns acordos com marcas ao
longo do caminho. Nunca aceitou um patrocínio oficial. “Tenho trabalhado em
todos os empregos que consegui encontrar e vou economizando desde os meus 12
anos”, responde nas redes sociais Lexie, hoje consultora de viagens para a
empresa da sua família.
Truques? “Faço muita pesquisa com antecedência para
encontrar as melhores ofertas nos voos, utilizo pontos e milhas, fico em
acomodações baratas como albergues e crio conteúdos para hotéis em troca de
estadia.” Mais: mora em casa dos pais, não tem empréstimo com carro ou
estudos e garante não gastar o dinheiro em bens materiais desnecessários.
Na
sua conta de Instagram são comuns os conselhos a viajantes ou novos
aspirantes. O mote passa muitas vezes por “reconectar, desligando”.
“As pessoas acham estranho, mas eu nunca usei um cartão SIM estrangeiro”, diz. “Se
precisar de algo, converso com as pessoas ao meu redor. Tento estar o mais
presente possível enquanto exploro os lugares, porque é um privilégio ter a
oportunidade de o fazer. Não quero perder um segundo.”
O
“mais gratificante” do projecto, garante, foi descobrir “países inesperados”,
muitos deles com uma reputação que repele os turistas. O maior desafio, para
além dos países em que sentiu o peso de ser uma mulher viajante, foi a Coreia
do Norte, o último país da sua lista. De acordo com as directrizes do Guinness
World Record, basta pisar o lado norte-coreano da Área de Segurança Conjunta,
mas até esse passo foi complicado para uma cidadã norte-americana. Uma brecha
permitiu-lhe picar o ponto. Mas Lexie pretende voltar assim que a proibição for
suspensa.
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