sexta-feira, 7 de junho de 2019

Viagens



A primeira, tema que tem a ver com turismo e boas maneiras, é um texto ao modo simples e descontraído de Miguel Esteves Cardoso, de observação de comportamentos, neste caso de famílias alemãs, com pruridos linguísticos um tanto xenófobos, que MEC condena. Mas o segundo texto maravilhou-me, como uma história de encantar real, só possível nestes nossos tempos arrebatadoramente tecnológicos, que permitem viajar não nas asas de um ganso, mas em aviões low cost, e assim pisar todos os países do mundo, mesmo que o low cost não pareça ter acesso a todos eles. Mas os descritivos e as fotografias vão pontuando os ensinamentos da jovem americana Lexie, que oferece conceitos valorativos do universo humano que não pensáramos pôr em causa, como esse “Há realmente muita bondade em todos os lugares”, verdadeiro mas superficial, e todavia que nos encanta pelo comprovativo in loco. Só desejamos a Lexie a continuação de boas viagens que ela planeia com as cautelas e as informações necessárias, e sem ficar pesada à família, esperta e trabalhadora que é, nos seus truques para angariar fundos de sobrevivência. É bem corajosa, de facto, heroína das novas eras a que estes tempos mediáticos dão relevo universal. Quão longe estamos dos coleccionadores de velharias, objectos, selos, moedas, livros, manias, futilidades! Ou quadros dos amantes de pinturas, coisas obsoletas, que só dão nas vistas, sobretudo quando descambam em negócios sujos. Coleccionar viagens é, realmente, maravilhoso e aberto ao esplendor da vida. E tudo graças ao low cost e, inicialmente, à família, dona de agência de viagens encaminhadora, e aos media também. Marco Polo também viajou, pela Ásia só, e fez um livro, nós também tivemos uma Peregrinação que pareceu irreal, de tal modo contou estranhas proezas perigosas. Camões contou viagens alheias, tudo isso por mar, e às vezes por terra, e ele próprio deixou a sua vida “pelo mundo em pedaços repartida”. Lexie terá pano para mangas para nos contar das suas. Mas o que conta agora é o cômputo de 196 países, que são todos os países do mundo que ela colecciona na sua memória. Talvez daí resulte também um livro de viagens e de afectos. Para já, temos o encantador relato de Luís Octávio Costa.



I – OPINIÃO: Nem um obrigado
Esta quarta-feira duas famílias chegaram e foram-se embora sem dizer uma única palavra em português. Nem um “olá” ou um “obrigado”. Dir-se-ia que até no avião para Lisboa dá para aprender estas duas palavras importantes.
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
PÚBLICO, 6 de Junho de 2019
Estou há três horas numa esplanada em Sintra onde os outros clientes são todos estrangeiros. Quando me queixo de turistas tenho sempre o cuidado de não mencionar a nacionalidade, para não fazer generalizações escusadas.
Esta quarta-feira duas famílias chegaram e foram-se embora sem dizer uma única palavra em português. Nem um “olá” ou um “obrigado”. Dir-se-ia que até no avião para Lisboa dá para aprender estas duas palavras importantes.
Reconheço que “se faz favor” é difícil. Não estou a pedir muito. Mas talvez se pudesse fazer o esforço tremendo de aprender a dizer “por favor” para se poder ser minimamente bem educado em toda a Península Ibérica e em toda a América do Sul.
Acontece que os pouquíssimos estrangeiros dos quais me queixo são sempre alemães. Pronto, está dito. Nunca são de outra nacionalidade.
Falam um inglês horrível e relutante, pior do que o inglês dos empregados. Parece um episódio particularmente violento da série “Vamos assassinar a língua de Shakespeare”.
Não aprender a dizer “olá”, “obrigado/obrigada” e “por favor” é um acto de arrogância. Ninguém pede que se aprenda um bocadinho de português para poder conversar com os indígenas. Mas sente-se que são os alemães que se dão ao luxo de ficarem zangados por não poderem falar alemão em Portugal e que ficam mais zangados ainda por terem de falar em inglês, of all languages.
Seria pedir muito que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ao examinar o passaporte de quem nos visita, verificasse se o turista é capaz de pronunciar estas simples palavras portuguesas?

II - Ela tem 21 anos e já visitou todos os países
Mora em casa dos pais, não tem empréstimos e diz não gastar o dinheiro em bens materiais desnecessários. Viaja low cost, trabalha pelo caminho e cria conteúdos em troca de estadia. Pisou recentemente a Coreia do Norte, o último país da sua lista.
PÚBLICO, 6 de Junho de 2019
Lexie Alford, norte-americana de 21 anos, tornou-se a 31 de Maio de 2019 — dia em que pisou o território da Coreia do Norte —, a pessoa mais jovem da história a ter visitado todos os países, batendo James Asquith, o anterior recordista do Guinness World Record, que tinha alcançado o feito com 24 anos.
Escreve assim na sua mais recente publicação no Instagram: “Quando comecei a viajar, nunca imaginei que tantas pessoas maravilhosas aparecessem na minha jornada. Agora parece que todos vocês estão aqui comigo. Estou muito grata por isso. Há tantas partes do mundo que estão completamente fora do radar para a maioria dos turistas. Por causa da imprensa, as pessoas acham que lugares como estes são perigosos devido a conflitos e por razões de segurança. Espero que, ao partilhar as minhas experiências, possa encorajar as pessoas a pensar duas vezes sobre os países incompreendidos. Há realmente muita bondade em todos os lugares!” Faz acompanhar a mensagem de fotos e vídeos de Madagáscar, Turquemenistão, Arábia Saudita, Guiné, Paquistão, Jordânia, Uganda, Etiópia, Curdistão iraquiano e Uzbequistão.
As viagens fazem parte da sua vida desde sempre. A sua família tem uma agência de viagens na Califórnia e isso fez com que coleccionasse países desde muito nova. “Os meus pais sempre tentaram expor-me a todos os modos de vida em todo o mundo. E isso teve um impacto muito profundo sobre a pessoa que sou hoje”, diz Lexie, que se auto-intitula @lexielimitless no Instagram, onde partilha as suas viagens desde 2015 (Japão), procurando responder a todos os comentários dos seus quase cem mil seguidores. “Sempre tive muita curiosidade sobre o modo de vida das outras pessoas e como eles encontram a felicidade.”
Lexie percebeu que já tinha visitado 72 países no dia em que completou 18 anos de idade (em 2016). Foi então que passou de viajante intrépida a coleccionadora dos 196 pontos no mapa. Começou então a sua missão. “A primeira vez que pensei em bater o recorde foi em Outubro de 2016 em minha casa, na Califórnia”, diz Alford, que tinha terminado os estudos e entrado num ano sabático que se foi prolongando no tempo.
As suas viagens, garante, são auto-sustentáveis. Faz alguns acordos com marcas ao longo do caminho. Nunca aceitou um patrocínio oficial. “Tenho trabalhado em todos os empregos que consegui encontrar e vou economizando desde os meus 12 anos”, responde nas redes sociais Lexie, hoje consultora de viagens para a empresa da sua família.
Truques?Faço muita pesquisa com antecedência para encontrar as melhores ofertas nos voos, utilizo pontos e milhas, fico em acomodações baratas como albergues e crio conteúdos para hotéis em troca de estadia.Mais: mora em casa dos pais, não tem empréstimo com carro ou estudos e garante não gastar o dinheiro em bens materiais desnecessários.
Na sua conta de Instagram são comuns os conselhos a viajantes ou novos aspirantes. O mote passa muitas vezes por “reconectar, desligando”. “As pessoas acham estranho, mas eu nunca usei um cartão SIM estrangeiro”, diz. “Se precisar de algo, converso com as pessoas ao meu redor. Tento estar o mais presente possível enquanto exploro os lugares, porque é um privilégio ter a oportunidade de o fazer. Não quero perder um segundo.”
O “mais gratificante” do projecto, garante, foi descobrir “países inesperados”, muitos deles com uma reputação que repele os turistas. O maior desafio, para além dos países em que sentiu o peso de ser uma mulher viajante, foi a Coreia do Norte, o último país da sua lista. De acordo com as directrizes do Guinness World Record, basta pisar o lado norte-coreano da Área de Segurança Conjunta, mas até esse passo foi complicado para uma cidadã norte-americana. Uma brecha permitiu-lhe picar o ponto. Mas Lexie pretende voltar assim que a proibição for suspensa.

Nenhum comentário: