A propósito ainda do protesto de Nuno Pacheco contra um artigo sobre o AO, de Henrique
Monteiro, saído no Expresso de 17/5, e
que incluí no nº 4 de “OS
FILHOS DOS VENTOS CÁLIDOS” de Salles
da Fonseca, do texto precedente deste Blog, encontro, na Ípsilon do Público de 24/5/19, em “Livro
de recitações”, de
António Guerreiro, a transcrição de uma deprimente frase do mesmo Henrique Monteiro, a respeito
da radicalização do tal AO, por cá, seguida
do comentário indignado do mesmo António
Guerreiro (em destaque à sua Crónica “Zona
de Catástrofe” (“Acção
Paralela”) de que não pude deixar de transcrever também um excerto, mais alguns
comentários brilhantes, dada a pertinência do tema, no enquadramento – pela negativa
– no tema da liberdade consciente, que SF atribui à educação segundo os parâmetros de um liceu
francês que a sua família prezou, mas que não foi só apanágio desse, porque
muitos outros portugueses se revelaram e revelam seres saudavelmente críticos e
responsáveis, apesar de tudo, embora sem resultados práticos, neste “País a arder”. Mas, de facto, estes que
fizeram o AO, não se
enquadram no grupo dos que Salles da Fonseca descreve como respeitando valores,
porque educados dentro de princípios éticos…
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 31.05.19
Axioma – afirmação que, por evidente, não carece de demonstração.
* * *
“Todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência,
devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
Artº 1º da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, ONU, Dezembro de 1948 * * *
Eis
o que para nós, os filhos dos ventos cálidos, é um axioma mas que só foi
aprovado já eu tinha 3 anos de idade.
E
tanta tropelia sofreu a Humanidade às mãos dos algozes para, afinal, chegar a
algo tão evidente que até Portugal, tão conservador, o ratificou ab initio. Sem dúvida, os meus pais estavam no caminho da História da
Humanidade e o Governo Português, convicto ou para agradar ao mundo, concordou.
Estou
convencido de que os meus colegas de liceu se enquadravam em parâmetros iguais
ou, pelo menos, muito semelhantes aos meus. Mas, assim como na minha família
nos pautávamos por uma clara moderação, outros haveria que “navegavam” por
águas mais agitadas.
Território
francês, o “Charles Lepierre” era refúgio para quem se sentia incomodado pela
figura tutelar do Regime, para quem se situava no fio da navalha da vigilância
política, para os professores que não tinham jurado fidelidade a Salazar. Cenário
certamente diferente dos que vigorariam no “St. Julian’s”, o colégio inglês em
Carcavelos ou na “Deutsche Schule” na Rua do Passadiço.
Todos
estrangeirados? Uns sim, outros seriam apenas refugiados em terra própria,
outros ainda só eram ricos cujos pais achavam chique ter os filhos a estudar no
estrangeiro cá dentro. Mas ricos, menos ricos ou
apenas remediados, nós criámos um ambiente de pluralidade, de claro
cosmopolitismo, algo inédito até então. O contrário do monolitismo do figurino
oficial do ensino do Estado Novo destinado a formar cidadãos mansos, o que nós
não fomos e ainda hoje não somos.
(continua)
Maio de 2019 Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Adriano Lima 31.05.2019: Tem
razão, Dr. Salles. Não somos "cidadãos mansos", daquela mansidão que
o Estado Novo quis impor. Mas acho que ainda subsiste alguma dessa mansidão,
feita de pacatez e resignação, em alguns sectores do nosso povo. O progresso
social só se consegue com uma atitude crítica e participativa, e num estado de
direito democrático isso é exigível.
Henrique Salles da Fonseca, 31.05.2019:
Eu estudei (?) um ano em Santo Tirso e
tão ajuizado era que não me quiseram lá no ano seguinte. De resto, sempre em
escolas oficiais. E não fiquei um « cara manso » !
Ainda hoje, como sabe, não sou ! Um abração Francisco Gomes de Amorim
Ainda hoje, como sabe, não sou ! Um abração Francisco Gomes de Amorim
Henrique
Salles da Fonseca 31.05.2019: Mihi dicendi modum. Grande
abraço, Henrique
II - De Ipsilon, (PÚBLICO), 24 de Maio 2019
ANTÓNIO GUERREIRO
2º: LIVRO DE RECITAÇÕES:
«Penso que, a bem do país e da
Índia, o Parlamento manterá o essencial do ACORDO, para desespero dos versados
em dizer mal de algo que não passa de uma representação da língua”,
Henrique Monteiro in Expresso, 17/5/2019
Os defensores do novo Acordo Ortográfico desataram há
algum tempo a queixar-se de que lhes estão a maltratar, a difamar e a roubar o
seu brinquedo, que lhes foi dado sob a exclusiva protecção de um poder político
dado a brincadeiras pouco inocentes para crianças e adultos. Mas, perante a
engenhoca que está a ruir por todos os lados e se revelou um
desastre político-ortográfico, qualquer dia estes heróis da resistência
passam à clandestinidade, declaram-se uma vanguarda minoritária e vêm dizer que
a luta deles é por uma causa mais elevada porque “a ortografia não
passa de uma representação da língua”. A ortografia como “representação da
língua”? Estes combatentes revolucionários têm mesmo umas ideias estapafúrdias
sobre o que é a ortografia e a língua. Será por isso que os resultados da
engenhoca AO90 são tão belos de se ver? (António Guerreiro)
1º - ZONA DE
CATÁSTROFE
Se
olharmos para as cidades turísticas (como são hoje Lisboa e o Porto) no seu
devir extremo, levando às últimas consequências a lógica que as anima, elas
tendem para a transformação integral do centro em “zona”. De tal modo que alguns lugares que ainda há pouco
eram uma periferia suburbana começam hoje a ser o centro e a ter uma vida
urbana que desapareceu completamente do antigo centro. Entre a cidade onde
se assiste à catástrofe e o campo que não tem nada de idílico, estende-se a
“zona” em estado de emergência.
Na
semana passada, soube através de uma reportagem neste jornal (em boa verdade,
já sabia antes porque também frequento esta “zona” e tenho interesses privados
nela) que as populações de Cuba, Vidigueira, Beja, Serpa e Mértola,
submetidas ao ambiente poluído pelos lagares de azeite industriais instalados
em Alvito e Ferreira do Alentejo (que fazem parte da cadeia poluente e
ecologicamente criminosa que começa nos olivais intensivos plantados na
planície), receberam esta resposta do vice-presidente da Direcção
Regional da Agricultura e Pescas do Alentejo, José Velez: “O
desenvolvimento tem os seus custos e as suas facturas”, uma vez que “o
ambiente é fundamental, mas o desenvolvimento é crucial”.
Também aqui, no campo, se deu uma
inversão cada vez mais notória: enquanto antes tínhamos a ideia de que a
devastação, o desequilíbrio e as ameaças de carácter ecológico tinham o seu
posto de observação privilegiado nas grandes cidades e ir para o campo era uma
fuga a tudo isso, hoje o campo é onde mais estamos expostos aos males da
civilização, encarnados humanamente por estes presidentes e directores do
“desenvolvimento" que cobram custos e facturas pelo bem que exercem a
uma população ingrata (e ignara, acham eles). O único campo habitável, hoje, é
aquele que é construído como um lugar de privilégio e de luxo, erguido como uma
fortaleza. Fora
dele, só há vida em extinção, tudo está a ser perdido, a ruína e o deserto
crescem, num clima que é uma variante do western americano. É como se a lógica a que foi submetido o
centro das cidades tivesse sido transferida para o campo. A “zona” está por
todo o lado. Como no filme de Tarkovsky , não se consegue perceber os
seus confins.
COMENTÁRIOS
Carlos Félix, Oeiras / Beja 24.05.2019: “A “zona” está por todo o lado. Como no filme de
Tarkovsky , não se consegue perceber os seus confins.”. A vida não é um eterno
jogo de estratégia e em beco-sem-saída terá de se recuar sem glória e nem com a
melhor convicção, a existir, apoiada por inúmeros convivas e loas mediáticas se
resgatará o carisma dos melhores dias. A “zona” não seria assim exclusiva do
território rugoso, tão-só projecção da nossa progressiva incompletude.
José Manuel Martins, évora 24.05.2019:
por (mais) uma vez (a segunda),
absolutamente de acordo com tudo.
viana, Porto 24.05.2019: Excelente.
Certeiro como (quase) sempre. Portugal está entre os países com maior fracção da
sua área territorial sujeita à lógica extractivista. Onde o objectivo é o
lucro, quanto maior e mais imediato melhor, cego às condições ambientais
geradas pela actividade, no presente e no futuro. Foi assim quando se
disponibilizou todo o território para a plantação desenfreada de eucaliptos, com
as consequências conhecidas, quando se semeou o território de pedreiras a céu
aberto, agora minas de lítio, e quando se permite e incentiva a agro-pecuária
super-intensiva. O resultado já está à vista, e pior ficará: fogos, seca
(também pelo desaparecimento de lençóis freáticos), perda de biodiversidade,
poluição de solos, aquática e do ar, problemas de saúde, degradação acelerada
dos solos.
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