sábado, 1 de junho de 2019

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A propósito ainda do protesto de Nuno Pacheco contra um artigo sobre o AO, de Henrique Monteiro, saído no Expresso de 17/5, e que incluí no nº 4 de “OS FILHOS DOS VENTOS CÁLIDOS” de Salles da Fonseca, do texto precedente deste Blog, encontro, na Ípsilon do Público de 24/5/19, em “Livro de recitações”, de António Guerreiro, a transcrição de uma deprimente frase do mesmo Henrique Monteiro, a respeito da radicalização do tal AO, por cá, seguida do comentário indignado do mesmo António Guerreiro (em destaque à sua Crónica “Zona de Catástrofe” (“Acção Paralela”) de que não pude deixar de transcrever também um excerto, mais alguns comentários brilhantes, dada a pertinência do tema, no enquadramento – pela negativa – no tema da liberdade consciente, que SF atribui à educação segundo os parâmetros de um liceu francês que a sua família prezou, mas que não foi só apanágio desse, porque muitos outros portugueses se revelaram e revelam seres saudavelmente críticos e responsáveis, apesar de tudo, embora sem resultados práticos, neste “País a arder”. Mas, de facto, estes que fizeram o AO, não se enquadram no grupo dos que Salles da Fonseca descreve como respeitando valores, porque educados dentro de princípios éticos…
HENRIQUE SALLES DA FONSECA            A BEM DA NAÇÃO, 31.05.19
Axioma – afirmação que, por evidente, não carece de demonstração. * * *
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
Artº 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU, Dezembro de 1948  * * *
Eis o que para nós, os filhos dos ventos cálidos, é um axioma mas que só foi aprovado já eu tinha 3 anos de idade.
E tanta tropelia sofreu a Humanidade às mãos dos algozes para, afinal, chegar a algo tão evidente que até Portugal, tão conservador, o ratificou ab initio. Sem dúvida, os meus pais estavam no caminho da História da Humanidade e o Governo Português, convicto ou para agradar ao mundo, concordou.
Estou convencido de que os meus colegas de liceu se enquadravam em parâmetros iguais ou, pelo menos, muito semelhantes aos meus. Mas, assim como na minha família nos pautávamos por uma clara moderação, outros haveria que “navegavam” por águas mais agitadas.
Território francês, o “Charles Lepierre” era refúgio para quem se sentia incomodado pela figura tutelar do Regime, para quem se situava no fio da navalha da vigilância política, para os professores que não tinham jurado fidelidade a Salazar. Cenário certamente diferente dos que vigorariam no “St. Julian’s”, o colégio inglês em Carcavelos ou na “Deutsche Schule” na Rua do Passadiço.
Todos estrangeirados? Uns sim, outros seriam apenas refugiados em terra própria, outros ainda só eram ricos cujos pais achavam chique ter os filhos a estudar no estrangeiro cá dentro. Mas ricos, menos ricos ou apenas remediados, nós criámos um ambiente de pluralidade, de claro cosmopolitismo, algo inédito até então. O contrário do monolitismo do figurino oficial do ensino do Estado Novo destinado a formar cidadãos mansos, o que nós não fomos e ainda hoje não somos.
(continua)
 Maio de 2019     Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Adriano Lima 31.05.2019: Tem razão, Dr. Salles. Não somos "cidadãos mansos", daquela mansidão que o Estado Novo quis impor. Mas acho que ainda subsiste alguma dessa mansidão, feita de pacatez e resignação, em alguns sectores do nosso povo. O progresso social só se consegue com uma atitude crítica e participativa, e num estado de direito democrático isso é exigível.
Henrique Salles da Fonseca, 31.05.2019: Eu estudei (?) um ano em Santo Tirso e tão ajuizado era que não me quiseram lá no ano seguinte. De resto, sempre em escolas oficiais. E não fiquei um « cara manso » !
Ainda hoje, como sabe, não sou ! Um abração
Francisco Gomes de Amorim
Henrique Salles da Fonseca 31.05.2019: Mihi dicendi modum. Grande abraço, Henrique

II - De Ipsilon, (PÚBLICO), 24 de Maio 2019
ANTÓNIO GUERREIRO
2º: LIVRO DE RECITAÇÕES:
«Penso que, a bem do país e da Índia, o Parlamento manterá o essencial do ACORDO, para desespero dos versados em dizer mal de algo que não passa de uma representação da língua”, Henrique Monteiro in Expresso, 17/5/2019
Os defensores do novo Acordo Ortográfico desataram há algum tempo a queixar-se de que lhes estão a maltratar, a difamar e a roubar o seu brinquedo, que lhes foi dado sob a exclusiva protecção de um poder político dado a brincadeiras pouco inocentes para crianças e adultos. Mas, perante a engenhoca que está a ruir por todos os lados e se revelou um desastre político-ortográfico, qualquer dia estes heróis da resistência passam à clandestinidade, declaram-se uma vanguarda minoritária e vêm dizer que a luta deles é por uma causa mais elevada porque “a ortografia não passa de uma representação da língua”. A ortografia como “representação da língua”? Estes combatentes revolucionários têm mesmo umas ideias estapafúrdias sobre o que é a ortografia e a língua. Será por isso que os resultados da engenhoca AO90 são tão belos de se ver? (António Guerreiro)

1º - ZONA DE CATÁSTROFE
Se olharmos para as cidades turísticas (como são hoje Lisboa e o Porto) no seu devir extremo, levando às últimas consequências a lógica que as anima, elas tendem para a transformação integral do centro em “zona”. De tal modo que alguns lugares que ainda há pouco eram uma periferia suburbana começam hoje a ser o centro e a ter uma vida urbana que desapareceu completamente do antigo centro. Entre a cidade onde se assiste à catástrofe e o campo que não tem nada de idílico, estende-se a “zona” em estado de emergência. 
Na semana passada, soube através de uma reportagem neste jornal (em boa verdade, já sabia antes porque também frequento esta “zona” e tenho interesses privados nela) que as populações de Cuba, Vidigueira, Beja, Serpa e Mértola, submetidas ao ambiente poluído pelos lagares de azeite industriais instalados em Alvito e Ferreira do Alentejo (que fazem parte da cadeia poluente e ecologicamente criminosa que começa nos olivais intensivos plantados na planície), receberam esta  resposta do vice-presidente da Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Alentejo, José Velez: O desenvolvimento tem os seus custos e as suas facturas”, uma vez que “o ambiente é fundamental, mas o desenvolvimento é crucial”.
Também aqui, no campo, se deu uma inversão cada vez mais notória: enquanto antes tínhamos a ideia de que a devastação, o desequilíbrio e as ameaças de carácter ecológico tinham o seu posto de observação privilegiado nas grandes cidades e ir para o campo era uma fuga a tudo isso, hoje o campo é onde mais estamos expostos aos males da civilização, encarnados humanamente por estes presidentes e directores do “desenvolvimento" que cobram custos e facturas pelo bem que exercem a uma população ingrata (e ignara, acham eles). O único campo habitável, hoje, é aquele que é construído como um lugar de privilégio e de luxo, erguido como uma fortaleza. Fora dele, só há vida em extinção, tudo está a ser perdido, a ruína e o deserto crescem, num clima que é uma variante do western americano. É como se a lógica a que foi submetido o centro das cidades tivesse sido transferida para o campo. A “zona” está por todo o lado. Como no filme de Tarkovsky , não se consegue perceber os seus confins.
COMENTÁRIOS
Carlos Félix, Oeiras / Beja 24.05.2019: “A “zona” está por todo o lado. Como no filme de Tarkovsky , não se consegue perceber os seus confins.”. A vida não é um eterno jogo de estratégia e em beco-sem-saída terá de se recuar sem glória e nem com a melhor convicção, a existir, apoiada por inúmeros convivas e loas mediáticas se resgatará o carisma dos melhores dias. A “zona” não seria assim exclusiva do território rugoso, tão-só projecção da nossa progressiva incompletude.
José Manuel Martins, évora 24.05.2019: por (mais) uma vez (a segunda), absolutamente de acordo com tudo.
viana, Porto 24.05.2019: Excelente. Certeiro como (quase) sempre. Portugal está entre os países com maior fracção da sua área territorial sujeita à lógica extractivista. Onde o objectivo é o lucro, quanto maior e mais imediato melhor, cego às condições ambientais geradas pela actividade, no presente e no futuro. Foi assim quando se disponibilizou todo o território para a plantação desenfreada de eucaliptos, com as consequências conhecidas, quando se semeou o território de pedreiras a céu aberto, agora minas de lítio, e quando se permite e incentiva a agro-pecuária super-intensiva. O resultado já está à vista, e pior ficará: fogos, seca (também pelo desaparecimento de lençóis freáticos), perda de biodiversidade, poluição de solos, aquática e do ar, problemas de saúde, degradação acelerada dos solos.


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