sexta-feira, 31 de maio de 2019

Os nossos zelos



Parece correcto o ponto de vista de JMT, sobre a questão da operação stop angariadora de proventos e demonstrativa de iniquidades. É o nosso romance.
I- OPINIÃO: Chame o ladrão!, chame o ladrão!, chame o ladrão!
Imaginar cidadãos que devem tostões parados na estrada pela GNR para lhes levarem os carros, enquanto cidadãos que devem milhões têm os seus nomes protegidos, é uma coisa que dá a volta ao estômago a qualquer pessoa bem formada.
JOÃO MIGUEL TAVARES      PÚBLICO, 30 de Maio de 2019
O agora Prémio Camões Francisco Buarque de Hollanda tem uma belíssima canção de 1974 chamada Acorda Amor, que assinou com o pseudónimo Julinho de Adelaide, porque sabia que se fosse ele a assumir a sua autoria jamais a letra passaria na censura. Havia boas razões para isso. A canção arranca com um piano opressivo e o barulho das sirenes da polícia, para contar a história de um homem que acorda sobressaltado de madrugada, com gente a entrar-lhe pelo prédio dentro.
Para além das engenhosas rimas iniciais, nas quais Chico coloca várias palavras a rimar com “dura” sem jamais pronunciar a palavra “ditadura” – uma ideia que só por si mereceria meio Prémio Camões – a canção tem um grande refrão, no qual o narrador grita para a mulher “chame o ladrão!, chame o ladrão!, chame o ladrão!”, por motivos óbvios: chamar a polícia não servia de nada, porque era a própria polícia que estava a invadir-lhe a casa para o prender.
Esta terça-feira passei o dia inteiro a trautear “chame o ladrão!, chame o ladrão!, chame o ladrão!”, inspirado na coincidência temporal de duas notícias inacreditáveis: aquela que nos informava de operações-stop nas estradas de Portugal, com a GNR a cobrar dívidas em nome do fisco sob a ameaça da penhora dos carros; e aquela que nos informava de que o Banco de Portugal tinha enviado a famosa lista das grandes dívidas para o Parlamento, mas com os nomes e os montantes dos principais devedores escondidos num anexo sigiloso.
Imaginar cidadãos que devem tostões parados na estrada pela polícia para lhes levarem os carros, enquanto cidadãos que devem milhões têm os seus nomes constantemente protegidos pelas autoridades, é uma coisa que dá a volta ao estômago a qualquer pessoa bem formada. Mais vale chamar os ladrões – é bem possível que nos tratem melhor do que aqueles que deveriam zelar pelo bom funcionamento da Justiça neste país.
Dir-me-ão: é a lei. A GNR só está a fazer aquilo que a legislação permite, e o Banco de Portugal está apenas a velar pelo sacrossanto sigilo bancário. Sim, admito perfeitamente que seja a lei – mas também era a lei no Brasil do Julinho de Adelaide. Se é a lei, então a lei é injusta e iníqua, e deve ser mudada, tanto num caso como no outro.
Não, as funções da PSP ou da GNR não devem incluir a punição de cidadãos por dívidas às Finanças. Multas por excesso de velocidade, percebe-se; multas por excesso de dívida, não se percebe. Até porque hoje em dia o que não falta são meios coercivos para o fisco nos cobrar dinheiro, sem sequer ser preciso passar pelos tribunais (o ónus da prova no campo fiscal já foi invertido há muito, sem que ninguém pareça preocupar-se demasiado com isso).
Não, o sigilo bancário não pode servir para impedir a divulgação dos grandes devedores de bancos intervencionados pelo Estado, nem o montante das suas dívidas. Read my lips: isso é es-can-da-lo-so. O Banco de Portugal farta-se de falar em “danos reputacionais”, mas os brutais danos políticos que este brincar às escondidas provoca são infinitamente mais graves. A relação entre um banco e um devedor só diz respeito aos próprios desde que o contribuinte não seja chamado a pagar. A partir do momento em que há dinheiros públicos envolvidos (foram 23,8 mil milhões de euros em apenas 11 anos) é evidente que quem paga tem direito a saber como, porquê e para quem. Quem não percebe isto não percebe coisa nenhuma, nem com uma operação-stop à falta de vergonha na cara, que bem falta fazia.
COMENTÁRIO:
Rui Ribeiro, Bruxelas: Completamente de acordo. Parece a aplicação da velha máxima estalinista às dívidas fiscais com as dívidas de muitos milhões a serem apenas estatísticas e as de pequenos montantes a levarem ao "saque na auto-estrada". O Banco de Portugal é dirigido por ex-banqueiros. O actual governador há muito que devia ter saído. Parece completamente incapaz de servir o interesse público com a integridade que lhe seria exigível. Aliás, desde a desastrosa resolução do BES, em que se viu que ignorou inúmeros sinais que teriam justificado uma intervenção muito mais cedo, e que foi um sucesso tão grande que nunca mais se aplicou o mesmo modelo na Europa, que devia ter sido removido da sua bem remunerada cadeira dourada. Tudo isto é triste, tudo isto existe...
II –NOTÍCIA:  FISCO: Director de Finanças do Porto demite-se após operações stop da GNR e do Fisco
A operação foi criticada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e pelo ministro das Finanças.
  PÚBLICO, 30 de Maio de 2019
O director de Finanças do Porto, José Oliveira e Castro, demitiu-se no seguimento das polémicas operações stop feitas pela GNR e pelo Fisco para cobrar dívidas a condutores que passavam em Valongo, e que viram as suas viaturas serem penhoradas, avançou esta quinta-feira o jornal Eco e confirmou o Ministério das Finanças em comunicado.
A operação já tinha sido criticada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, e pelo ministro das Finanças Mário Centeno, com o Governo a assumir que a operação do fisco com a GNR foi um erro e a anunciar a abertura de um inquérito.
“Na sequência da forma como decorreu a ‘Acção sobre rodas’, desenvolvida pela Direcção de Finanças do Porto, para preservar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) enquanto instituição de reconhecida relevância, o Director de Finanças do Porto decidiu colocar hoje o seu lugar à disposição, tendo a sua demissão sido prontamente aceite pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”, com efeitos a partir de 1 de Junho, indica o Ministério das Finanças em comunicado.​
Quanto ao inquérito sobre “as circunstâncias em que decorreu a referida operação”, o ministério explica que este se encontra em curso “e visa identificar se foram respeitados todos os direitos dos contribuintes”, salientando ainda que “as acções de inspecção desenvolvidas por iniciativa regional não são previamente validadas centralmente” e que cabe ​“ao órgão de execução (Director de Finanças) definir a proporcionalidade entre os meios empregues e os objectivos visados”.
Sublinhando a “sua confiança” nos trabalhadores da AT quanto ao “seu envolvimento e contributo no combate à fraude e evasão fiscal”, o Governo destaca o seu compromisso na “criação e manutenção de relações de confiança, previsibilidade e justiça” com os contribuintes, acrescentando que tais princípios não são “coerentes com qualquer actuação abusiva ou desproporcional por parte dos serviços da Administração Pública”. Na manhã desta terça-feira, os condutores que circulavam pela rotunda da Auto-Estrada 42 (A42) em Alfena, concelho de Valongo, foram interceptados por uma operação stop da GNR e do fisco. Dez elementos da GNR mandaram parar as viaturas que circulavam por aquela via, enquanto cerca de 20 elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) inseriam as matrículas das viaturas em sistemas informáticos. O objectivo da operação seria liquidar dívidas que se encontrassem em execução fiscal. Se o proprietário do veículo fosse devedor e não conseguisse liquidar o valor em causa de imediato, a viatura seria penhorada.
Em cinco horas de operação, foram penhorados dois veículos ligeiros e um camião que transportava animais. O Governo reagiu depressa, com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, a pôr um fim à ideia que chegou ao terreno pela Direcção de Finanças do Porto. Porém, a operação gerou uma onda de críticas e acusações de “abuso de poder” por parte de elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
COMENTÁRIOS
….ana cristina, Lisboa et Orbi: O Rui Esteves da Protecção civil, tal como este director, fazem parte de um sistema em que as nomeações, tal como as demissões e cada dedo que mexem, são decididas pela hierarquia. O Rui Esteves demitiu-se de forma combinada com quem o pôs no lugar, sacrificou-se publicamente e hoje está a ser compensado por isso. Ele e a família. Se o Rui é o mesmo que me responde, sabe os milhares que tem recebido. Seria interessante acompanhar os benefícios que este director demissionário, tão zeloso a mostrar trabalho à hierarquia quanto rápido a assumir culpas, vai obter em troca. Minha gente? Eu não pertenço à máfia. Sou livre, vivo do meu trabalho e não facturo um cêntimo ao estado. “Dar lugares de chefia a gente com deformação partidária dá este efeito” :))))) que cinismo sem limite, se o Rui Esteves que assina este comentário fosse mesmo o ex-número um da protecção civil, que com mais uma mão cheia de boys do PS, foram incompetentes a proteger o país dos incêndios, deixando um rasto de mortes,
José Cruz Magalhães, Lisboa 30.05.2019: Não era possível outro desfecho. O Estado, a administração central e a AT, não podem sancionar práticas e métodos que configuram abuso de autoridade e alinham, embora a distância significativa, com as acções de recuperação de dívidas praticada por alguma economia subterrânea.
pedroavalente, 30.05.2019: Pressionado a demitir-se por fazer bem o seu trabalho. No Norte leva-se a sério o trabalho e trabalha-se bem duro. Quando deixar de haver os impostos dos profissionais sérios do Norte que alimentam a preguiça de quem não quer fazer nada, estou para ver como vai ser. Sou de Lisboa e conheço bem a cultura de cá. A cultura do Norte não tem nada a ver (as pessoas pensam mais em "o que é que posso fazer pela empresa" em vez de "o que é que a empresa pode fazer por mim") e, com situações destas, está-se a atacar e destruir os poucos profissionais sérios que sobram.

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