Antes do acesso
à televisão – em terras de África e por cá também – eu tive acesso aos
clássicos não só através da Antena 2, como através dos discos em vinil, que
hoje jazem arrumados, substituídos depois pelas cassettes, também arrumadas e
posteriormente pelos CDs, em colecções que raramente tiro do suporte, pois que
o computador me leva mais facilmente a esses e outros, através do Youtube. A
verdade é que a Rádio foi o primeiro grande meio de escuta dos sucessos da
música ligeira, nos tempos da infância e adolescência, de que a minha irmã
copiava religiosamente as letras, que cantávamos sem inibições, no silêncio das
casas, em tempos de descontracção alegre. Quanto ao “Canto Coral” dos dois
primeiros anos do liceu, era escasso em luzes, e apenas nos serviu para um
solfejo de fraca duração. É claro que tivemos nomes consagrados, no piano, Sequeira
Costa foi um deles, Maria João Pires é-o ainda, para deles
nos orgulharmos, depois de se terem salientado no estrangeiro. E outros mais,
que a pátria parece ter esquecido, como António
Vitorino de Almeida.
Um intróito,
para justificar a admiração que me causou o texto de Salles da Fonseca, a braços com a sua “ambliopia”, mas substituindo-a agradavelmente pelos
autores musicais do seu relevo pessoal, e dando conta de pormenores de acuidade
musical que constituem lição para os leigos como eu. Hei-de procurar na
Internet, quando tiver tempo, a tal 9ª Sinfonia de Mahler, mas não garanto que
saiba distinguir tais pormenores de eficiência musical. Para já, serviu o
texto de Salles da Fonseca para mais uma vez se admirar a sua coragem em vencer
os desaires, em “partir para outra” de prazer espiritual, de continuar a manter
o seu espírito lutador em desvio de interesses, mas com o humor e empenhamento
de sempre. Um bem-haja. Um voto de recuperação breve na saúde, e de desempenho
ligeiro, profundo e generoso, no a breve trecho da nossa impaciência.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 21.05.19
Ambliopia- Fraqueza da
visão
“Com
bolor” - terá sido para criar bolor que Mário da Sá Carneiro se retirou quando
decidiu fugir do mundo. Mas ele fê-lo voluntariamente num processo de abandono
que o conduziu ao triste fim parisiense.
Eu,
não! Fui involuntariamente conduzido a um retiro, não deixo que o bolor
apareça. Então, não podendo estudar, conduzir nem montar a cavalo, ouço música.
E como a tenho posto em dia ao fim de anos de silêncio…
Então, recordo coisas que já
arquivara. Por exemplo,
uma gravação da 9ª sinfonia de Mahler
com o Karajan e a Filarmónica de Berlim de que não gosto e
de que nunca gostei desde a primeira vez que a ouvi. Só que agora, com o tempo,
fui tentar perceber por que é que não gosto da dita interpretação. E percebi
que se trata de uma obra em Ré menor que ali está numa tonalidade diferente. E se as dúvidas me tivessem surgido de modo mais
suave (o Karajan e a Filarmónica de Berlim a desafinarem?), não teria tido o
cuidado de confrontar a dita desafinação com outra interpretação da mesma 9ª
de Mahler pela Sinfónica de Chicago, sob a regência de Georg Solti. E a conclusão é a de que Solti tem
a orquestra na afinação correcta, a sua interpretação é magnifica e a obra é
mesmo sublime.
Assim,
o que se poderá ter passado com Karajan? Só encontro uma de duas hipóteses: Ou o
diapasão ao serviço de Karajan estava marado; Ou era mesmo o Karajan que estava marado Mas não me deixei ficar nas encolhas da ignorância e fui perguntar a
quem sabe mais do que eu… Fiquei a saber que desde a segunda guerra mundial,
a tendência é de subir a afinação geral das orquestras para lhes dar mais
brilhantismo. O resultado é o de haver quem já ande a tocar quase meio tom
acima do que seria normal. Isso faz com que uma nota normal soe como sustenido
e este se passe para a nota seguinte na escala cromática e assim
sucessivamente, naquilo que tenho como cataclismo musical.
Não teria Karajan feito bem melhor se
tivesse verificado a qualidade do diapasão, que deve ter comprado numa loja
chinesa? Ou será uma afinação nazi? O
meu leitor que escolha mas poupe os seus ouvidos à gravação que claramente
denuncio como uma fraude karajânica.
COMENTÁRIOS
Adriano Lima 21.05.2019: É mais um dos seus textos escritos com muita luz
interior, o que minimiza a ausência temporária de claridade exterior. Aliás,
falar de música e apreciá-la com esta erudição de conhecimentos e agudeza
crítica é por si só gerador de luz. Aprecio música, e cada vez mais a clássica,
mas a minha cultura nesta área é escassa.
Francisco G. de Amorim, 22.05.2019: Para poder distinguir tem que gostar de Mahler. E eu
não gosto. Acho pesado. Desisto de ver a comparação. Comecei mas não aguentei!
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