Vasco Pulido Valente não é
pessoa de meias palavras, nem de engenhosos processos de abordar os seus
pensamentos, directo que é, chamando, ele sim, “os bois pelos nomes”, de uma forma clara mas segura, própria de quem tem
na mão a chave do conhecimento, dando, as mais das vezes, uma lição de seriedade
e serenidade, indispensáveis neste nosso mundo de provocação e arruaça, sem
receio de enfrentar oposições, tal o outro “Emissário
de um rei desconhecido” mas que, ao contrário de Pessoa, cumpre, não “informes
instruções de Além”, mas “formais” e em nada “sibilinas”, embora
contendo idêntico “desdém por este humano povo entre quem “lida”,
demiurgo ele próprio neste nosso universo rastejante que bem pretenderia erguer
do chão. Sim, estamos-lhe gratos, pelas lições breves e sem subterfúgios - de
história e de moral.
OPINIÃO:
Diário
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 25 de Maio de
2019
18 de Maio: À distância, Bruno Lage, o treinador do Benfica, é um
homem sério, que trabalha seriamente e vê a vida com seriedade. Em Portugal, é
uma aparição.
19 de Maio: O debate dos candidatos dos cinco
partidos com
representação no parlamento europeu foi miserável. Só serviu para mostrar a
ignorância dos nossos políticos. Um exemplo: ninguém pareceu ter percebido o
que a Europa significou para Portugal. Significou que, por uma vez, ficámos sem
protecção contra a modernidade e, por isso mesmo, conseguimos, até certo ponto,
modernizar-nos.
Claro
que no processo a “produção nacional”, tão cara ao PCP, teve de sofrer. Essa
“produção nacional” era o resultado de 50 anos de ditadura: de condicionamento
industrial e de agricultura de subsistência. O euro tornou as coisas mais
duras, mas impôs um travão à despesa pública que, como uma vez me disse o dr.
Cavaco, mais nada nem ninguém poderia impor. E, nesta matéria, estou inclinado
a concordar com ele.
20 de Maio: Pela primeira vez, Pedro Passos Coelho veio desabafar em público.
Disse meia dúzia de manifestas verdades. Mas bastou para uma repórter de
serviço achar que ele era o verdadeiro chefe da oposição. E achou bem.
21 de Maio: De tudo o que se diz sobre a “Europa” o que mais me
irrita é a alegação de que a “Europa” garantiu setenta anos de paz. Não
garantiu. Em 1945 a França e a Alemanha estavam derrotadas e a passar fome. Não
podiam garantir coisa nenhuma.
Quem
ganhou a guerra na Europa foram os americanos e os russos, que se entenderam e
desentenderam entre eles, à revelia das potências europeias, agora reduzidas a
um cenário turístico. A “Europa” nasceu e cresceu por vontade e sob protecção
da América. Uma das razões por que hoje se desconjunta está precisamente em que
a América se desinteressou dela.
22 de Maio: Continua a propaganda contra a abstenção. Toda a gente tem explicações para a indiferença do eleitorado; e alguns patetas
têm até receitas para o interessar. Mas porque havia uma pessoa normal de votar
num invisível deputado para o simulacro de parlamento, sem nenhum poder de
facto, e com funções simplesmente cerimoniais?
23 de Maio: A
acreditar na propaganda dos partidos institucionais, o grande inimigo da
“Europa” é o “populismo” e a extrema-direita. Estas expressões são, na maior parte dos casos, uma
maneira de evitar dizer a palavra fatal: nacionalismo. Mas se não se chamar os
bois pelos nomes, não se percebe nada.
Como
devia ser evidente, ao movimento de integração, cada vez mais forte, acabou por
corresponder um movimento contrário, das pátrias europeias. E, como também
devia ser evidente, as nacionalidades mais fracas foram as que mais cedo e mais
violentamente se quiseram afirmar: a Hungria,
um povo sem um território certo;
a Polónia,
uma nação partida e repartida, invadida e martirizada sem nenhuma
constante excepto a Igreja Católica;
a República Checa e a Eslováquia, dois países inventados; a Itália, que nunca verdadeiramente se conseguiu
unificar; e a Espanha, um reino de reinos. Quanto à Alemanha,
o Estado Federal sempre tremeu nas pernas.
E, quanto à França, como avisou o “fascista” Steve Bannon, Macron
é o mais nacionalista deles todos, pena que a sua capital seja Bruxelas e não
Paris.
As coisas são o que são.
25 de Maio: Amanhã,
eleições.
Colunista
COMENTÁRIOS
cisteina, Porto 07:05: De tão boa e óbvia, esta síntese de conclusões deveria
envergonhar os políticos que andaram por aí a falar da Europa. Pois, se não
conhecem a sua história desde os tempos do império romano (e já passaram 2.000
anos) como querem (dizem todos) fazer algo por ela? A Europa, como a maioria
dos países que a compõem (com excepção da Alemanha donde Merkel vai sair) não
tem líderes e lideranças à altura (quem manda são os burocratas de Bruxelas),
como assim é todo um 'buraco negro' fortemente ignorante, sabemos agora que
existe mas não sabemos qual e o que é o seu fundo. Como é (deverá ser) infinito,
então nada há a fazer, caímos no fatalismo do deixa andar e logo alguém verá.
VPV vê, ai e olá se vê, melhor ainda, observa e pensa! ...
Visitante
da Noite, En un lugar de La Mancha, ou por aí perto : Ou não sabe de história ou não sabe fazer contas. O
império romano de ocidente caiu em 476 DC, Constantinopla em 1453. E vem para
aqui falar de história e ignorância... É bom constatar quem são os admiradores
de VPV e das suas ideias.
Aónio Eliphis, Algures nos pólderes da
ordem de Orange!: Foram os russos que venceram a guerra. Eu tenho a
vantagem, apesar de ser anti-comunista, e perdoem-me o pedantismo, de ser uma
pessoa da Ciência, leia-se exacta. Os americanos perderam 180 mil homens na
Europa, a União Soviética perdeu mais de 20 milhões de pessoas, entre os quais
8 milhões de soldados. Não é sequer comparável. E sim, a União Europeia garantiu
70 anos de Paz e Prosperidade, e é preciso remontar à civilização romana para
encontrarmos na Europa 70 anos de Paz. A União Europeia tem muitos defeitos, e
a República Portuguesa não tem? E é por isso que queremos abolir a República? A
nação? O estado?
TP, Leiria : Questões muito pertinentes, Aonis. A sociedade
e o mundo pulam e avançam. O tempo das Nações já foi. Agora vivemos o tempo dos
blocos! Tanto os US, como a China, como a UE são melting pots autênticos!
José Manuel Martins, évora: "Claro que no processo a “produção nacional”, tão
cara ao PCP, teve de sofrer. Essa “produção nacional” era o resultado de 50
anos de ditadura": genial coup de grâce, dialéctico e materialista q.b., e
que subsidia a correlação fatal entre os dois 'políticos do século', salazar
e cunhal. De facto, a pide (que pouco perdia tempo com acessórios) é
essencialmente o correlato das células clandestinas do pcp, e vice-versa, e a
persistência 'nacional' do velho-pcp numa europa que varreu inclusive o
'eurocomunismo' é o triunfo póstumo negativo do estado novo enquanto atraso
constitutivo. 20 a 22/5: de acordo. 23/5: a verdade da verdade é que as
nações europeias são as únicas a baterem-se pela nação europa - como fronteira contra
o ópio dos povos, capisci? 24/5: há dias q não existem: habituemo-nos.
Cobble Street, Lisboa: Um diário particularmente
lúcido.
ALRB às armas, às armas, pela Pátria
lutar, contra os LADRÕES marchar, marchar: "Quem ganhou a guerra na Europa foram os americanos
e os russos, que se entenderam e desentenderam entre eles, à revelia das
potências europeias, agora reduzidas a um cenário turístico. A “Europa” nasceu
e cresceu por vontade e sob protecção da América. Uma das razões por que hoje
se desconjunta está precisamente em que a América se desinteressou dela."
Discordo só neste aspecto: os EUA desinteressaram-se da Europa dos Estados
quando estes formaram uma União para tentar assumir um papel mais hegemónico e
portanto mais independente da liderança dos EUA.
Sima Qian, China: O Visitante da Noite continua de noite. A
parte oriental do Império romano era essencialmente grega e não latina. Aquela
que chegou à Europa foi o Cristianismo latino que em 476 e não foi nessa data
que nasceu a Europa mas sim uma data no seu processo. Quando falamos de dois
mil anos não pensamos com exactidão matemática mas extraímos um número que
começa quando já o Imperium é forte.
José Manuel Martins, Évora: 'europa' é uma
entidade constructa, fluida e retrospectiva q terá começado pela época de um
autor inexistente (tão inexistente como um dos seus personagens principais,
ulisses, o tal q 'sem existir nos bastou') - homero; e q põe o outro pezinho
ainda mais atrás e ainda mais ao lado, entre jerusalém e o livro do génesis.
Isto a sua história e a sua mítica directas, deixando de lado os fluxos
orientalizantes que também a nutriram (o egiptismo hinduista que atinge platão
e, mais tarde, o neoplatonismo, p. ex.). E deixando ainda mais de lado a
miscigenação de sul e oriente dos seus povos migrantes, e o indecidível lugar
dúplice da vasta rússia bicontinental. Quanto à europa linguística - a europa
mental e categorial do indo-europeu - a história dessa 'árvore do conhecimento'
é ainda mais antiga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário