terça-feira, 28 de maio de 2019

Outrora agora

Dois textos distintos na informação e na intenção. E no entanto reúno-os a ambos, no prazer de aliar figuras deste nosso tempo, que deixam a marca da sua honestidade intelectual, quer na escrita desempoeirada - Salles da Fonseca e João Miguel Tavares - quer na política – na referência a Pedro Passos Coelho, que o jornalista se obstina em defender, subentendendo, no emparelhamento daquele com António Costa, que ambos os políticos jogaram ou jogam para bem da Nação - o actual ministro, embora, por caminhos ínvios, de menor clareza, irmanando-se com Passos, todavia, em igual necessidade de salvação nacional. Pesem embora as desavenças e rivalidades entre ambos, sobretudo de António Costa, na sua avidez à prova de fogo.
O texto de Salles da Fonseca explora as situações de abertura e esperança, após a tragédia da 2ª Guerra, das gerações dos filhos dessa segunda guerra - (grupo a que ele pertenceu) - nas suas perspectivas de felicidade e paz, logo ensombradas pelos crimes a leste, em nome de doutrinas que aparentemente defendiam desígnios humanistas desde os tempos de Lenine, e mais não mostraram do que interesses do partido, liquidando os que se lhes opunham, ou condenando-os aos gulags dos novos ostracismos que Salles da Fonseca indica. Contudo, muitos desses jovens transmissores das ideias novas, que os faziam destacar-se, na vaidade do seu saber e no desprezo pelos ingénuos colegas cumpridores do sistema seguido, fingiam, certamente, ignorar o que de cruel e desumano esses princípios marxistas instituíram no mundo, quer por ambição própria, de governar, quer por desejo arrogante de invadir e alargar os espaços da sua prepotência de URSS que um muro fechou em Berlim, até à sua queda em 1989, muito depois das mudanças por cá, as quais se traduziram numa modernização expressiva, mas com dinheiros alheios, que exigiram, nestes tempos próximos, intervenções como a de Passos Coelho e, por exclusão dele, de António Costa, os heróis recentes do relato de João Miguel Tavares.
Geração enganada, a de Salles da Fonseca, dos “ventos cálidos”, que uma burguesia, então ainda aceite, favorecia. Mais enganada a nossa nova geração, que ventos traiçoeiros conduzem num caminho de corrupção e desonestidade, onde a probidade – própria ou forçada – dos governantes referidos, deseja, por vezes,  suster na derrocada – económica, moral. Na desesperança, todavia, e no farfalhudo de um ruído incontinente.
Mas ainda bem que chefes responsáveis contêm (o “contiveram”, por ora, excluído) - a energia necessária para ir atamancando este país menor. Até ver.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA  -  A BEM DA NAÇÃO27.05.19
Se Graham Greene intitulou de «O Poder e a Glória» a sua história de um Padre em fuga pelas serras mexicanas até ao martírio às mãos dos jacobinos, como haveremos nós, os filhos dos ventos cálidos, de ser chamados se nascemos na paz e fomos criados no sonho?
Nós, quem? A geração de 1945 e suas redondezas. Onde? Um pouco por toda a parte, tanto em cenários poupados como nos martirizados até então. Porque mesmo nos poupados, as sequelas se fizeram sentir, os nossos pais também sentiram incómodos. E quando estes deram sinais de acalmia, puderam respirar de alívio e nós nascemos. Sim, nós nascemos porque eles acharam que o mundo ia passar a ser um local aprazível em que o sonho voltaria a ser possível. Foi nessa certeza de um mundo benigno que fomos educados. Ou enganados? Ruiu o sonho ou foi este que assumiu outros figurinos?
Os nossos pais tinham assistido ao conflito duma “raça superior” contra os “energúmenos” numa luta “de cima para baixo” que não hesitou em esmagar, sufocar e cremar os outros em defesa da “pureza” da sua própria identidade – política hedionda que teve o apropriado castigo militar. Castigo este que em Nuremberg abriu as portas à esperança.
Mas… (e lá vem o tal «mas» que nunca se fica a rir sozinho) … mas logo foi substituída por outra mentira tão hedionda quanto a anterior, a luta “de baixo para cima” em nome dos mais fracos mas que rapidamente se perdeu em chacinas por esses goulags Sibérias além… foi em seu nome que o Inferno regressou mascarado da propagada necessária à mistificação das maiores falsidades e vilanias.
E assim foi que em nome do “quero tudo e já” que todos foram imediatamente esbulhados de tudo e passaram a um regime de trabalho forçado, frustrante e tantas vezes inútil se não mesmo perverso que só se poderia equiparar a escravatura. E foi quase metade da Humanidade a ficar-lhe sujeita.
O problema da minha geração foi ode ter sido parcialmente vítima dessa vilania.
(continua)
Maio de 2019  Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS
Adriano Lima 27.05.2019: Sim, Dr. Salles, fomos vítimas dessa vilania, mas, infelizmente, agora os tempos não são de tranquilidade mas de inquieta expectativa. Um desses credos, o dos gulags, foi desacreditado e ruiu por si próprio. O outro, o dos nacionalismos demenciais, o da botas cardadas a bater ruidosamente no chão, parece que não foi julgado com toda a severidade e esconjurado das pátrias europeias. Por essa Europa não faltam evidências do seu reerguer da cabeça. Não sei se a França é o melhor barómetro ou não, mas olhe-se para a vitória de ontem do partido de Le Pen.
Anónimo 27.05.2019: É bom recordar!
Henrique Salles da Fonseca, 27.05.2019, Gostei. Francisco Gomes de Amorim

II - OPINIÃO: O capital político de Pedro Passos Coelho
Mesmo que tenhamos tendência para o pessimismo, a verdade é que Passos Coelho e António Costa foram o melhor que politicamente nos aconteceu no último quarto de século.
JOÃO MIGUEL TAVARES   -  PÚBLICO, 23 de Maio de 2019
Pode parecer surpreendente o entusiasmo com que foi acolhida a participação de Passos Coelho na campanha para as europeias. Afinal, há quem nos queira convencer de que ele é o “cúmplice da troika” e o homem que a esquerda ama odiar. Mas não há qualquer surpresa naquela recepção, nem nos ataques que fez ao Governo. É necessário recuar até 1995 e à derrota do PSD após duas maiorias absolutas de Cavaco Silva para encontrar outro primeiro-ministro que tenha terminado uma legislatura com o capital político de Pedro Passos Coelho.
Na era pós-Cavaco, o que tivemos foi isto: António Guterres, que se afundou no “pântano”; Durão Barroso, que fugiu para Bruxelas; Pedro Santana Lopes, que se despenhou da incubadora; e José Sócrates, que foi preso ao regressar de Paris. Entre desistentes, incompetentes e prováveis delinquentes, não sobra quase nada. Mesmo que tenhamos tendência para o pessimismo, a verdade é que Passos Coelho e António Costa foram o melhor que politicamente nos aconteceu no último quarto de século. Sei que a esquerda não concorda com esta frase (por causa de Passos Coelho), e a direita também não (por causa de António Costa), mas ela parece-me bastante evidente.
E o que é que Passos Coelho e António Costa tiveram em comum? Simples: o cumprimento religioso das regras orçamentais impostas por Bruxelas. E o que é que Passos Coelho e António Costa tiveram de diferente? Igualmente simples: a forma como geriram a necessidade de impor uma forte austeridade no país. Na prática, ambos fizeram o que tinham a fazer; em teoria, fizeram-no com atitudes opostas. A dupla Gaspar-Passos disse sempre ao que vinha. A dupla Centeno-Costa não só não disse como desdisse. Os primeiros optaram pela frontalidade (por vezes a roçar a ingenuidade política). Os segundos optaram pela dissimulação. É uma grande diferença.
Mas essa diferença tem a vantagem de distribuir dividendos com o passar do tempo. Aproveitando a presença de Passos Coelho na campanha, Paulo Rangel não perdeu a oportunidade de enfiar mais uma canelada ao PS: “Não somos os socialistas, não precisamos de esconder os nossos antigos líderes”, disse ele. Na verdade, até precisam: Durão Barroso está no seu exílio dourado na Goldman Sachs, e Santana Lopes decidiu mudar de partido. Ainda que por razões distintas, nenhum deles é especialmente recomendável, nem o PSD os anda a exibir na lapela. Já o estatuto de Passos é outro. Ele acabou por afastar-se da liderança do PSD tarde e desgastado, mas saiu pela porta grande, com um imenso prestígio acumulado no partido, que reconhece o seu esforço e sacrifício nos anos de chumbo 2011-2014, e a vitória nas eleições legislativas de 2015, que tinham tudo para correr mal.
Jerónimo de Sousa, em registo marxista-leninista, veio logo a correr afirmar que Passos Coelho “tem pouco com que se gabar, tendo em conta o que fez ao nosso povo”. A saber: “Infernizou a vida a milhões de portugueses, com as sequelas de desemprego, emigração, injustiça e empobrecimento.” Nós conhecemos a cassete. Mas não somos parvos. Toda a gente sabe que quem nos empurrou para esse inferno foi o Governo socialista de José Sócrates, e que Passos Coelho, mesmo cometendo muitos erros, fez o mais importante (a saída limpa), deu mostras de uma enorme coragem (a queda do BES) e nunca perdeu o sentido de Estado (a crise do “irrevogável”). Estas não são qualidades que se encontrem facilmente por aí — e muitos portugueses sabem-no muito bem.


COMENTÁRIOS:
francisco tavares, 25.05.2019: Em tempos de crise e recessão aconselha-se investimento, mesmo à custa do défice. É o conselho dos keynesianos, os EUA praticaram-no a partir de 1936, exactamente para combater a recessão e com sucesso. O valor do défice é sempre uma questão relativa. Supondo que esse aumento de despesa corresponderia ao investimento num novo aeroporto de Lisboa. Então esse aumento de despesa era virtuoso. O aeroporto da Portela estava já nessa altura a aproximar-se da saturação, era aconselhável começar os trabalhos para um novo. Agora anda-se à pressa para construir o do Montijo.
OldVic, Música do dia: "Dale una luz" (Duo Guardabarranco) Liberdade para a Venezuela!: O que os keynesianos dizem é que em épocas de vacas gordas se devem constituir reservas para gastar em épocas de vacas magras. O que nós fizemos foi gastar em épocas de vacas gordas e gastar em época de vacas magras, com os resultados que se conhecem.
C. Santos. C. PIEDADE ALMADA 23.05.2019Sim, há alguns portugueses que gastam muito dinheiro JMT: os banqueiros, os grandes gestores, os comendadores, etc,, etc,...E cerca de 22% de portugueses pobres mais 1 milhão a ganhar o ordenado mínimo, ...
OldVic, Música do dia: "Dale una luz" (Duo Guardabarranco) Liberdade para a Venezuela!24.05.2019 : A outra face do que diz é a seguinte, da notícia "Mais ricos pagam tanto quanto 1 milhão de pobres" do "Observador": "São cerca de três mil contribuintes que pagaram 630 milhões de imposto no ano passado, um valor semelhante ao que é pago pelas mais de 900 mil famílias com os rendimentos mais baixos do país". Essa realidade também não deve ser esquecida. Para que conste, não estou nesses pouco mais de 3000 mais ricos, nem sequer lá perto.

nelsonfari, Portela-Loures 23.05.2019: JMT: nem tudo é negro. Concentre-se na visita de Marcelo à China. A imprensa internacional começa a identificar Portugal como o canivete suíço para entrar em Angola, Moçambique e Brasil, após a arrancada inicial com a EDP e bem como outras incursões na Saúde e nos Seguros. Um país distante do centro da Europa deve aproveitar o que se nos apresenta. É de aproveitar assim como Tsipras, na Grécia, as conversações com Putin. Estar condenado a permanecer na UE e no Euro para estar a servir os interesses de Berlim é pouco para um país que em 1383 e 1640 demonstrou pensar pela sua cabeça e defender com unhas e dentes o seu quintal. Deixe lá o Passos e prepare lá o que vai dizer em 10 de Junho próximo. Não faça como o Barreto há alguns anos que começou a clamar pela Pátria e assustou toda a gente.



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