terça-feira, 28 de maio de 2019

Sonho e realidade de mãos dadas



Nova aliança de textos que, pouco tendo em comum, tratam, dum modo global, do “HOMEM”, tout court. O “Homem” de Salles da Fonseca,filho dos ventos cálidos” do após guerra, que não soube construir a tal sociedade que pretendia, em que o Bem prevaleceria, o que é, definitivamente utópico. O “Homem“ das eleições europeias de 2019, ironicamente descrito por Rui Ramos, Homem – tantos deles! - conotado mais com a esquerda, é óbvio, sempre contra essa União detentora do capital que se atribuía aos que viviam na abundância injusta, porque criadora das desigualdades sociais, esquerda que hoje luta igualmente por esse lugar ao sol do Parlamento Europeu, onde poderá defender melhor os tais direitos das massas, ao que parece, mas igualmente obter para si própria o estatuto ansiado de detentora de proventos sempre ansiado para cada um e que esse “lugar ao sol” lhe fornece.
O problema do Mal, por tantos tratado ao longo dos tempos, uns a defini-lo e a criar regras para o combater, outros a explorá-lo como tema literário, é necessário pensá-lo, mas, como afirma Salles da Fonseca, muitas vezes a utopia das filosofias traz como consequência, atrocidades tenebrosas, como se tem visto. E a própria Terra é vítima fatal dessa luta pela melhoria do sentido da existência, criadora de superfluidades de prazer que conduzem às poluições demolidoras. Mas parece que os “Verdes” a vão salvar, as crianças já começaram a boicotar aulas no sentido da construção de uma Terra nova.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 28.05.19
É em nome das utopias que se cometem as maiores atrocidades; é em nome do “homem novo” que se chacinam os inocentes; são a surpresa e o estado de choque que impedem as vítimas de atempadamente aniquilarem os verdugos.
                                       ***
Ainda não foi desta que o Bem venceu o Mal. E, contudo, não teria sido difícil se tivéssemos conseguido banir a inveja do léxico e das atitudes humanas.
Propositadamente, não me refiro aos pecados capitais nem às virtudes teologais numa sociedade distanciada das religiões. Seria pregar no deserto para as pedras ou nas margens do Adriático para os peixes de Santo António. Uma sociedade laicizada precisa de uma Moral e de uma Ética laicas, não de conceitos gnósticos que não prossegue ou que até persegue. Por isso me restrinjo à inveja cujo desaparecimento nós, os filhos dos ventos cálidos, não conseguimos banir.
E também não conseguimos afirmar uma base comum de conveniência que servisse todo o leque de alternativas de bem comum, a de fazer o bem sem olhar a quem.
- O que é que eu posso fazer a teu favor sem o prejudicar a ele, esse terceiro ausente?
- O que é que nós podemos fazer por vós sem os prejudicar a eles, esses que nem sequer conhecemos?
Numa sociedade laica não interessa saber se foi Buda ou Cristo que disseram aquilo; o mal foi não termos sido nós a dizê-lo e a praticá-lo. Pelo contrário, fomos nós que deixámos que as gerações seguintes à nossa se empenhassem no “carpe diem”, elevassem o ter em prejuízo do ser, se entregassem ao hedonismo.
Apesar de tudo, ainda preservámos o conceito do Bem em torno de algo como a compaixão, a tolerância, a concórdia…
Mas há mais…
(continua)
COMENTÁRIO
Anónimo  28.05.2019  08:27: Espero a continuação desta forma expressiva de "dizer o mal..."
Francisco G. de Amorim 28.05.2019: Melhor souberam comportar-se os cavalos filhos do vento! Os homens, simplesmente, não querem.
Adriano Lima, 28.05.2019: Sublinho neste belo texto esta passagem: "Numa sociedade laica não interessa saber se foi Buda ou Cristo que disseram aquilo; o mal foi não termos sido nós a dizê-lo e a praticá-lo". É verdade isto. Significa que não precisamos de intermediários entre o céu e a terra, quando com as nossas acções podemos ser os melhores intérpretes da mensagem divina. E isto não valerá também para as sociedades teocráticas?
Que há para discutir sobre a Europa? /premium
OBSERVADOR, 14/5/2019
O ponto mais importante destas eleições europeias é que até os principais "populistas" são hoje europeístas. Não há alternativa à UE, e portanto também não há qualquer discussão europeia.
O regime tem algumas coisas comovedoras. Uma delas é o esforço que todos fazem para disfarçar a verdadeira natureza das eleições para o parlamento europeu.  Aqui, como em outros países, não passam de uma grande sondagem de opinião em urna, num dia em que a maior parte dos eleitores tem mais que fazer. Porque é que deveria ser diferente? Trata-se de eleger uma assembleia cujo principal papel consiste em votar, de cinco em cinco anos, o executivo do que é, para todos os efeitos, uma união intergovernamental. Para dissimular isso, pede-se aos candidatos que discutam a Europa ou até mais rebuscadamente “ideias sobre a Europa”.
É um hábito sem sentido. Ficou dos anos 90, quando se preparava a integração monetária e toda a gente julgava que assistia ao parto dos Estados Unidos da Europa. Ainda talvez parecesse fazer sentido no princípio desta década, durante a crise do euro, quando, pelo contrário, muita gente achou que era chique acreditar no fim da União Europeia. Desde então, porém, não é fácil justificá-lo.
Basta olhar para os “populistas”, de que a imprensa agora abusa desesperadamente para dar algum interesse às eleições europeias. Há uns anos, a antiga Frente Nacional, em França, o Syriza, na Grécia, ou o 5 Estrelas e a Liga Norte, na Itália, ainda talvez pudessem passar por anti-europeus. Renegavam o Euro, contestavam as regras, exigiam fronteiras. Que vimos, entretanto? O Syriza, que em 2015 organizou um referendo contra a recusa dos outros europeus lhe emprestarem dinheiro sem condições,  até já é elogiado no Economist. Na Itália, o 5 Estrelas e a Liga Norte prometeram ferro e fogo contra as restrições orçamentais, para actualmente serem mais cumpridores do que Macron. Em França, Marine Le Pen trocou o  “Frexit” pelo “governo da moeda única”, como se fosse uma comissária europeia. Os grandes eurocépticos parecem hoje euroconformados. Porquê? Porque estão no governo, como o Syriza, o 5 Estrelas e a Liga Norte, ou porque ainda esperam lá chegar, como Le Pen. O mesmo se poderia dizer do nosso eurocepticismo doméstico. Há quatro anos que BE e PCP estão esquecidos das “saídas” e “rupturas” que outrora os deixavam tão excitados. A UE mudou? Não, apenas houve a geringonça.
É sabido que os europeus ficam mais europeístas quando as economias crescem, o que tem sido o caso ultimamente. Mas talvez tenham entretanto descoberto outra coisa: que nenhum país, até ver, tem meios para organizar uma saída ordenada da UE. Viu-se isso na Grécia, em 2015, quando o Syriza preferiu a humilhação de esquecer o referendo, a sofrer o drama argentino de um novo dracma. E está-se a ver isso agora no Reino Unido, onde a elite política, depois do referendo de 2016, já concordou que não sairá da UE sem ficar com um pé lá dentro: “brexit in name only”, como diz o ex-governador do Banco de Inglaterra. Na UE, não é fácil entrar, como os portugueses aprenderam durante quase dez anos de espera, mas é ainda mais difícil sair. Não porque o Tratado de Lisboa não tenha o artigo 50. Mas porque o que a UE representa — um dos maiores mercados do mundo e, para quem está no Euro sob o guarda-chuva do BCE, uma fortaleza contra os mercados de capitais — não tem alternativa. Fora da UE, a maior parte dos Estados europeus teria provavelmente de renunciar ao seu modelo social — ou aceitar a degradação dos seus níveis de vida.
É difícil imaginar mais integração europeia, e é difícil querer menos. Que há então para discutir? Talvez isto: as razões pelas quais as democracias europeias tentaram e conseguiram, através da integração internacional, colocar as suas estruturas internas para além de qualquer debate. Foi uma ideia americana no primeiro pós-guerra, em 1919, como sugere Adam Tooze em The Deluge. Não se fez então. Fez-se agora.


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