Ainda bem que José Pacheco Pereira pegou no
tema das pornografias e das porcarias a céu aberto. Talvez há uns anos ele não
se atrevesse a mostrar-se assim tão reaccionário, não porque alguma vez
alinhasse com o despautério, intelectual sério que é, mas porque, como afirma
uma sua comentadora, o programa era então mais submisso aos princípios de Abril
e só realmente se salientava na banca intelectual – isso, praticamente não
mudou – quem alinhasse na viragem. Sei disso bem. De um livro que publiquei em
81 – “Cravos Roxos” – expressivo do meu repúdio “eterno” de tais princípios,
embora com a dose de ironia que julgo de bom tónus e que o tornou apreciado
particularmente, na cobardia da timidez silenciosa, foi-me pedido que enviasse
seis exemplares para um concurso literário, creio que desse ano. Apressei-me a
enviá-los, mas naturalmente que o livro foi ignorado, o que não aconteceu nunca,
certamente, aos livros de JPP, que até de Álvaro Cunhal se ocupou, bem integrado no tempo e no
oportunismo do struggle for life universal.
Eu gostei do artigo de JPP, quem dera
que chegasse aos olhos de uma sociedade a envilecer, e que esta meditasse e fizesse
marcha atrás no desregramento da bestialidade. Mas não há controlo disso, nem
da parte do governo nem das instituições, nem sequer de uma universidade sem
regras, embora pudesse ser chamada de esteio superior de educação.
OPINIÃO
Um festival de “jabardices” e hipocrisia
na Queima das Fitas
Querem beber e exibir-se, para outros ganharem dinheiro, muito bem. Mas
façam-no longe dos locais públicos e sem dinheiro público, e não obriguem os
contribuintes a pagar os custos dos excessos.
PÚBLICO, 11 de Maio de 2019
JOSÉ PACHECO PEREIRA
Vale
a pena ir ao Jornal de Notícias e ao PÚBLICO para ver em
detalhe o festival de
“jabardices” que são as festas das Queimas das Fitas. Neste caso é a
do Porto, mas todas as outras, em particular
a de Coimbra, são iguais. A Queima das Fitas é
um evento da praxe, está associado à mesma cultura estudantil das “jabardices”
da praxe.
Em
vários casos ligados à praxe, nos últimos anos, houve de tudo, violações,
vandalismo, todos os abusos do catálogo, feridos e mortos. Não é um exclusivo
português. Casos muito semelhantes aos que agora geraram mais este escândalo
sazonal são comuns, por exemplo, nas “fraternidades” americanas.
No
escândalo deste ano encontram-se os ingredientes habituais: bebida, droga, sexo e vídeos. Há um outro ingrediente que devia ser colocado a
par destes: negócio. Na
verdade circula muito dinheiro na praxe e na Queima, e dirigentes académicos e
os seus amigos ganham bastante nestes dias. Há nepotismo, colaboração
com empresas de bebidas, venda de publicidade, há mil e um negócios que nunca
foram escrutinados. Já para não falar dos negócios ilegais como tráfico de
droga que também tem aqui muitos fornecedores e muitos clientes.
Negócio, bebida, droga, sexo e vídeos
como pano de fundo das “jabardices” naturais numa cultura do vazio e
voyeurismo, que vai muito para além dos estudantes. Tudo isto conta com uma
enorme complacência da sociedade, que só tem paralelo com a violência organizada
das claques de futebol, trazidas por uma operação militar-policial para os
estádios como um bando de mastins que precisam de açaimo. A sociedade, a
começar pelos paizinhos e mãezinhas dos meninos e das meninas, fecha os olhos
para este festival de abusos da praxe, que faz explodir qualquer lista de
causas “politicamente correctas”.
O que é interessante é ver o habitual
cortejo de intelectuais que explicam as claques, os carnavais e as saturnálias
como uma natural catarse social, mas ao mesmo tempo se preocupam muito com a
violência de género, com o racismo, com o sexismo, etc. Meus caros amigos, tirem daí o sentido: não há futebol
sem violência, não há Queima nem praxe sem sexismo nem violência de género.
Está inscrito no ADN da coisa. Se querem acabar com um têm que acabar com o
outro. E convém não esquecer que ambos são um bom negócio.
Mas há pior e mais socialmente
perverso. O pior é a hipocrisia
gigantesca que
acompanha os eventos dos escândalos: este ano, a circulação de uns vídeos na
rede de raparigas alcoolizadas ou não a exibirem-se sexualmente para ganhar
uns shots numas barracas. As barracas estão lá desde o início, as
tabelas de actos por shot também, e duvido que, se não fossem os
vídeos – tão inevitáveis hoje como a lei da gravidade –, não
haveria escândalo. Houve por isso, diz pomposa a Federação Académica do Porto
(FAP), que não sabe que estas coisas acontecem no seu quintal, “atentados
à dignidade da pessoa humana”.
O
comunicado da FAP e alguns comentários de especialistas são exemplos
desta gigantesca hipocrisia. Diz a FAP que encerrou “temporariamente”
três barracas por promoverem condutas que não são “os valores que estão
imputados à Queima das Fitas do Porto”. Deixem-me rir. A FAP depois
resvala, está aliás mais preocupada com os vídeos que lhe estragaram a festa do
que com os actos: “Depois de observar a captação de imagens de comportamentos indevidos
(na sua grande maioria até mesmo indignos)”, a FAP decidiu ainda “proibir que
tais situações continuem a acontecer” e decidiu que “todas as barraquinhas que
o fizerem serão devidamente sancionadas”.
E
fez um acordo para haver um Ponto Lilás onde vão estar pessoas de
diferentes organizações, prontas a “prevenir situações de violência sexual”, gerido
por um conjunto de organizações muito típicas da galáxia “politicamente
correcta”: Kosmicare, o Sexism Free Night, Uni+, Eir Porto e Associação Plano i.
Isto chama-se fazer o mal e depois a caramunha, ou seja, dar para os dois
peditórios antagónicos ao mesmo tempo.
Se
os actos do escândalo sazonal deste ano fossem individuais – cada um faz o que
quer desde que não incomode os outros –, não vou rasgar as vestes da moral.
Querem beber, f... e exibir-se, para outros ganharem dinheiro, muito bem. Mas
façam-no longe dos locais públicos e sem dinheiro público, e não obriguem os
contribuintes a pagar os custos dos excessos.
Agora
não me venham com a propaganda do “valor” deste tipo de actividades colectivas,
porque sendo colectivas são uma questão social, económica, cultural e política.
E aqui não está em causa qualquer moralismo, mas a defesa de alguma sanidade
pública que as democracias e a liberdade precisam.
Colunista
COMENTÁRIOS
amora.bruegas, Tomar 12.05.2019 : Boa
exposição..., reveladora de que o autor está ganhando juízo. Há uns 10-20 anos,
se alguém dissesse o que ele diz, seria apelidada de reaccionária, fascista,
retrógrada..., enfim, aqueles mimos com que a malta da sinistra (PS-BE),
defensora do marxismo-cultural gosta de mimar quem é contra um ambiente de
Sodoma e Gomorra.
João Carvalho, Coimbra 11.05.2019: Não há quem
aguente os arruaceiros em que se tornaram os estudantes universitários. A
cidade torna-se ainda mais insuportável nestas alturas. É a gritaria constante
até às duas da manhã. É a festa no apartamento de cima que nunca mais termina.
É o lixo na rua de manhã, com garrafas de plástico e copos espalhados pelo
passeio. Mesmo para quem vive um pouco mais afastado dos recintos da queima é
esta a realidade. Durante boa parte do ano, sobretudo durante a semana da
queima...
Ricardo, Lisboa11.05.2019: Tradução: façam mas onde eu não vos veja e não me
custem um cêntimo. Presumo que o Pacheco Pereira também se indigna quando os
adeptos de um clube de futebol vão festejar para o Marquês ou Aliados com os
contribuintes a suportar os custos da polícia e limpeza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário