Mais uma crónica de Alberto Gonçalves, de fazer
rir e chorar. Mas não haverá retrocesso, que a infantilização tende a
progredir, nas contradições dos pedantismos falsamente ideológicos, hipócritas
e interesseiros, de uma sociedade a embrutecer, em fixação e desumanização por
via do celular e seus afins, como entretenimento e comunicação, de imediatez e vazio,
no sentido de uma cada vez maior impotência de regressão, e de uma cada vez
maior precipitação para o apocalipse previsto.
As crianças que lutam por um mundo pior/premium
OBSERVADOR, 24/5/2019
Na
idade da menina Alice e do menino Gil, fiz diversas greves à escola a pretexto
do clima: mal o sol aquecia, trocava as aulas pela praia. Faltou-me ser
entrevistado pelos “media”.
Estou
totalmente de acordo com o dia de reflexão imposto pela Comissão Nacional de
Eleições. Nem que seja por 24 horas, é preciso parar para reflectir. E
desanuviar. Há semanas que os portugueses não fazem outra coisa excepto
discutir a Europa. Nas ruas, nos cafés, nos restaurantes, nas salas de estar,
nos transportes públicos, nos transportes privados, nos andaimes das obras, nas
bancadas dos estádios, nos lavabos dos postos de combustíveis, nos corredores
das feiras de enchidos a Europa é a única coisa a encher a boca dos cidadãos
(além dos enchidos, naturalmente). Cumprimento a senhora da padaria e ela
desata a confessar preocupações com o futuro do euro. Cumprimento o empregado
da oficina e ele produz uma opinião acerca do Brexit. Não cumprimento o vizinho
e ele chama-me malcriado – e depois convida-me a visitar os belos retratos de
eurodeputados que pendurou nas paredes de casa. Chiça, que é demais: não admira
que a taxa de abstenção nas “europeias” de amanhã prometa rondar os 0%. Ou
menos, que há gente tão entusiasmada que tentará votar duas ou três vezes.
Por
mim, apenas tenciono votar uma. Não digo em quem, ou no quê, porque a CNE não
deixa. E faz muito bem. É tempo de obrigar as pessoas a dedicar o tempo delas a
assuntos diferentes, que também os há. Há a bola, claro, sempre uma fonte
riquíssima de alegria, racionalidade e bordoada. Há o caso da triviúva que, em
conluio com o triamante, é acusada (triplamente, suponho) de matar um (um?)
senhor que era triatleta e seu trimarido. Há o drama do dr. Moita Flores, que
após anos a comentar crimes, bicrimes e tricrimes, se vê agora suspeito de pentacrimes
enquanto autarca. Há a continuação da polémica, com um só lado, em volta das
comendas do comendador Berardo, de longe o ponto de maior interesse na
corrupção do regime. Há a baba generalizada com a atribuição de um prémio
qualquer a Chico Buarque, bom letrista, prosador fraquinho e imbecil de
gabarito. Há o “contingente” [sic] da Protecção Civil dispensado para, a
expensas públicas, ajudar uma telenovela da SIC a recriar os incêndios de 2017.
Há as proezas do governo, que nos enriqueceu a ponto de podermos pagar os
combustíveis e a electricidade mais caros da UE.
Acima de tudo, ou exactamente abaixo,
há a segunda “greve climática estudantil”. Não sei
se a adesão foi maior ou menor do que a primeira, realizada em Março. Sei que
desta vez as nossas crianças (salvo seja) não precisaram de seguir uma modelo
sueca (salvo seja), a divertida “activista” Greta. Em dois meses, o
empreendedorismo pátrio conseguiu produzir “activistas” próprios, e logo em
dose dupla: Alice Gato e Gil Ubaldo. A menina Alice e o menino Gil concederam
uma entrevista à Renascença e ao Público, e a entrevista é um primor.
Para
começar, uma das jornalistas parece falar com a menina Alice e com o menino Gil
como se falasse com a pequenita Maria Armanda à época em que “Eu Vi Um Sapo” venceu
o Sequim D’Ouro. Para continuar, a menina Alice e o menino Gil falam com as
jornalistas como se fossem a pequenita Maria Armanda – mas sob os efeitos de
uma educação deficitária em juízo e pródiga em clichés.
Exemplos?
Vamos a eles: “O 15 de Março foi o início de uma luta e o 24 de Maio é para
demonstrar que não nos vamos embora até essa luta ter alguma resposta”; “Para
sermos rebeldes e agirmos contra o sistema, temos de começar na juventude.
Temos reivindicações sérias e vamos sair à rua para mostrar isso até ao fim”;
“Nós até temos crianças da primária a irem às nossas manifestações. E há um
grande envolvimento dos professores e dos pais”; “Sim, é verdade, nós
faltamos às aulas. A greve estimula muita gente a ter uma acção diária. Faltar
às aulas é o menor do nosso problema. Não vale a pena estarmos a ir a uma aula,
quando o nosso sistema de ensino não nos incentiva a agir por aquilo que nós
acreditamos”; “É como a Greta diz: Nós não conseguimos mudar o clima sem
mudar o sistema”; “A nossa luta é transversal e, enquanto lutamos pelo
clima, não podemos deixar para trás a luta laboral. Além disso, reivindicamos o
melhoramento eficaz da rede de transportes públicos, de modo a reduzir o uso do
transporte particular”. E a minha atoarda favorita, a propósito dos
objectivos do “movimento”: “Termos 100% de energias renováveis até 2030 e a
proibição da exploração de energias fósseis em Portugal”.
Só
não é impossível compilar resma comparável de ignorância, criancice, ócio
mental e sintomas da desgraça em que estão o ensino e a paternidade actuais na
medida em que existe o esquerda.net. Suponho, aliás, que, para a menina Alice e
o menino Gil, o site constitua leitura de referência e referência profissional:
não faltam carreiras disponíveis para quem, munido de uma “visão” para o
“futuro” e fé cega, decide enveredar pelo encantador caminho das “causas”.
Se
eu soubesse, teria aproveitado a oportunidade. Na idade da menina Alice e do
menino Gil, fiz diversas greves à escola a pretexto do clima: mal o sol
aquecia, trocava as aulas pela praia. Faltou-me ser entrevistado pelos “media”.
E faltaram-me as “redes sociais” para divulgar o que talvez passasse por uma
“ideia”. E faltaram-me os telemóveis e os computadores para multiplicar os
parceiros de “luta”. E faltaram-me a lembrança e a lata de
transformar a preguiça num modo de vida. E faltaram-me familiares que
acolhessem as gazetas, perdão, as greves com orgulho e não com uma sova. Hoje,
falta-me a paciência para explicar à menina Alice e ao menino Gil que o
“sistema” que “combatem” é justamente aquele que lhes tolera, aceita e, nos
momentos de masoquismo, aplaude esse “combate”. Se calhar eles já sabem.
COMENTÁRIOS:
Pedro Ferreira Brilhante! A mensagem é sublimar, não sei se os novos
"pides" não lhe mandam uma multa. Como é evidente, esta causa para
que levaram as criancinhas, está na agenda do marxismo cultural e insere-se na
luta global. Preocupante para esta gente, são os encontros dos nacionalistas em
Itália, aí é que vêem uma internacional do mal.
Julianji Matti > Pedro Ferreira: Marxismo cultural é a neurose século XXI da direita
hidrofóbica. Triste.
Marco Silva > Julianji Matti: Neurose ? Você chama à realidade de
"neurose" ? As politicas de identidade e de género (promovidas pela
esquerda), não são reais ? As politicas fascistas, de censura e contra a
liberdade de expressão (promovidas pela esquerda), não são reais ? As politicas
de migração ilegal sem controlo (promovidas pela esquerda) que tantos europeus
já matou, não são reais ? As politicas que são pro-intolerantes e contra quem
critica os intolerantes (promovidas pela esquerda), em prática por toda a Europa
por exemplo, não são reais? As políticas pro-aborto (promovidas pela esquerda)
não são reais? Você é apenas mais um exemplo de como os esquerdalhas acéfalos,
vivem num mundo da fantasia, pois a realidade para vocês, é a neurose de
outros.
Gonçalo Ameal: E tudo se deve a apenas um factor, que permite que tudo
o resto aconteça: uma condescendência colectiva maligna, obra de trotskistas e
gramscianos, por oposto a uma consciência colectiva do bem-comum, e a busca
por ela, que dá muito mais trabalho.
Pedro Ferreira > Gonçalo Ameal: Subscrevo.
Hugo Taxa: "Capitalismo é mau" dizia a tarja exibida
pelos miúdos no Marquês, que documentavam a "sua manifestação" nos
smartphones e se deslocavam nas trotinetes, equipamentos providenciados pelo
referido capitalismo ...
Julianji Matti > Hugo Taxa: Não espero que
saiba, mas os smartphones resultam de tecnologia financiada largamente pelo
ESTADO! Já agora, se acha que é incoerência um crítico do capitalismo usá-lo,
espero bem que o senhor abra mão de absurdos socialistas como jornada laboral
de 8 horas, férias pagas, 13º salário...
Sérgio Dinis Silva > Andre
Silvinha: A
"luta" das crianças pelo clima tem uma importância extrema.
Serve para ver como é possível dar tempo de antena a pessoas, crianças, que nem sequer sabem do que estão a falar, mas a quem a comunicação social dá honras de primeiras páginas. E o mais grave disto é haver Pais que em vez de educarem os filhos a aprenderem a falar do que sabem e a não se meterem no que não sabem, não dominam e ignoram, os apoiam. Depois admiram-se. E afinal era fácil, com duas ou três perguntas, ver a validade da "luta", a ignorância dos "lutadores". Mas isso ia contra o efeito pretendido. A promoção da mediocridade, o valor dado à ignorância. Continuemos assim.
Serve para ver como é possível dar tempo de antena a pessoas, crianças, que nem sequer sabem do que estão a falar, mas a quem a comunicação social dá honras de primeiras páginas. E o mais grave disto é haver Pais que em vez de educarem os filhos a aprenderem a falar do que sabem e a não se meterem no que não sabem, não dominam e ignoram, os apoiam. Depois admiram-se. E afinal era fácil, com duas ou três perguntas, ver a validade da "luta", a ignorância dos "lutadores". Mas isso ia contra o efeito pretendido. A promoção da mediocridade, o valor dado à ignorância. Continuemos assim.
Liberal Impenitente > Andre Silvinha: A questão é global, pelo menos aqui não estamos
perante uma promoção do radicalismo apenas no nosso rectângulo.
José Ramos: A crónica de Alberto Gonçalves hoje está de apetite!
Mais, talvez, do que é costume; mais do que os enchidos, e as avisadas opiniões
sobre a Europa que enchem a boca dos cidadãos; mais do que o menino Ubaldo, a
menina Gato, a pequena Maria Armanda e o jovem e dourado Sequim. AG que me
perdoe, sou admirador da sua prosa desde, pelo menos, os vetustos tempos em que
o dr. Gaspar era ministro das Finanças, mas terá de se acautelar com a
concorrência. Quem poderá resistir a frases tão lapidares como: "não vale
a pena estarmos a ir a uma aula, quando o nosso sistema de ensino não nos
incentiva a agir por aquilo em que nós acreditamos”? Porque não tinha eu esta
lábia quando aparecia ao meu velhote a lista de gazetas, digo, greves, às aulas
do "Bacalhau", do "Zé Sopapo", da "Drácula" ou do
"Cevada"?
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