sábado, 25 de maio de 2019

A culpa não é delas



Mais uma crónica de Alberto Gonçalves, de fazer rir e chorar. Mas não haverá retrocesso, que a infantilização tende a progredir, nas contradições dos pedantismos falsamente ideológicos, hipócritas e interesseiros, de uma sociedade a embrutecer, em fixação e desumanização por via do celular e seus afins, como entretenimento e comunicação, de imediatez e vazio, no sentido de uma cada vez maior impotência de regressão, e de uma cada vez maior precipitação para o apocalipse previsto.
As crianças que lutam por um mundo pior/premium
OBSERVADOR, 24/5/2019
Na idade da menina Alice e do menino Gil, fiz diversas greves à escola a pretexto do clima: mal o sol aquecia, trocava as aulas pela praia. Faltou-me ser entrevistado pelos “media”.
Estou totalmente de acordo com o dia de reflexão imposto pela Comissão Nacional de Eleições. Nem que seja por 24 horas, é preciso parar para reflectir. E desanuviar. Há semanas que os portugueses não fazem outra coisa excepto discutir a Europa. Nas ruas, nos cafés, nos restaurantes, nas salas de estar, nos transportes públicos, nos transportes privados, nos andaimes das obras, nas bancadas dos estádios, nos lavabos dos postos de combustíveis, nos corredores das feiras de enchidos a Europa é a única coisa a encher a boca dos cidadãos (além dos enchidos, naturalmente). Cumprimento a senhora da padaria e ela desata a confessar preocupações com o futuro do euro. Cumprimento o empregado da oficina e ele produz uma opinião acerca do Brexit. Não cumprimento o vizinho e ele chama-me malcriado – e depois convida-me a visitar os belos retratos de eurodeputados que pendurou nas paredes de casa. Chiça, que é demais: não admira que a taxa de abstenção nas “europeias” de amanhã prometa rondar os 0%. Ou menos, que há gente tão entusiasmada que tentará votar duas ou três vezes.
Por mim, apenas tenciono votar uma. Não digo em quem, ou no quê, porque a CNE não deixa. E faz muito bem. É tempo de obrigar as pessoas a dedicar o tempo delas a assuntos diferentes, que também os há. Há a bola, claro, sempre uma fonte riquíssima de alegria, racionalidade e bordoada. Há o caso da triviúva que, em conluio com o triamante, é acusada (triplamente, suponho) de matar um (um?) senhor que era triatleta e seu trimarido. Há o drama do dr. Moita Flores, que após anos a comentar crimes, bicrimes e tricrimes, se vê agora suspeito de pentacrimes enquanto autarca. Há a continuação da polémica, com um só lado, em volta das comendas do comendador Berardo, de longe o ponto de maior interesse na corrupção do regime. Há a baba generalizada com a atribuição de um prémio qualquer a Chico Buarque, bom letrista, prosador fraquinho e imbecil de gabarito. Há o “contingente” [sic] da Protecção Civil dispensado para, a expensas públicas, ajudar uma telenovela da SIC a recriar os incêndios de 2017. Há as proezas do governo, que nos enriqueceu a ponto de podermos pagar os combustíveis e a electricidade mais caros da UE.
Acima de tudo, ou exactamente abaixo, há a segunda “greve climática estudantil”. Não sei se a adesão foi maior ou menor do que a primeira, realizada em Março. Sei que desta vez as nossas crianças (salvo seja) não precisaram de seguir uma modelo sueca (salvo seja), a divertida “activista” Greta. Em dois meses, o empreendedorismo pátrio conseguiu produzir “activistas” próprios, e logo em dose dupla: Alice Gato e Gil Ubaldo. A menina Alice e o menino Gil concederam uma entrevista à Renascença e ao Público, e a entrevista é um primor.
Para começar, uma das jornalistas parece falar com a menina Alice e com o menino Gil como se falasse com a pequenita Maria Armanda à época em que “Eu Vi Um Sapo” venceu o Sequim D’Ouro. Para continuar, a menina Alice e o menino Gil falam com as jornalistas como se fossem a pequenita Maria Armanda – mas sob os efeitos de uma educação deficitária em juízo e pródiga em clichés.
Exemplos? Vamos a eles: “O 15 de Março foi o início de uma luta e o 24 de Maio é para demonstrar que não nos vamos embora até essa luta ter alguma resposta”; “Para sermos rebeldes e agirmos contra o sistema, temos de começar na juventude. Temos reivindicações sérias e vamos sair à rua para mostrar isso até ao fim”;Nós até temos crianças da primária a irem às nossas manifestações. E há um grande envolvimento dos professores e dos pais”;Sim, é verdade, nós faltamos às aulas. A greve estimula muita gente a ter uma acção diária. Faltar às aulas é o menor do nosso problema. Não vale a pena estarmos a ir a uma aula, quando o nosso sistema de ensino não nos incentiva a agir por aquilo que nós acreditamos”; “É como a Greta diz: Nós não conseguimos mudar o clima sem mudar o sistema”; “A nossa luta é transversal e, enquanto lutamos pelo clima, não podemos deixar para trás a luta laboral. Além disso, reivindicamos o melhoramento eficaz da rede de transportes públicos, de modo a reduzir o uso do transporte particular”. E a minha atoarda favorita, a propósito dos objectivos do “movimento”: “Termos 100% de energias renováveis até 2030 e a proibição da exploração de energias fósseis em Portugal”.
Só não é impossível compilar resma comparável de ignorância, criancice, ócio mental e sintomas da desgraça em que estão o ensino e a paternidade actuais na medida em que existe o esquerda.net. Suponho, aliás, que, para a menina Alice e o menino Gil, o site constitua leitura de referência e referência profissional: não faltam carreiras disponíveis para quem, munido de uma “visão” para o “futuro” e fé cega, decide enveredar pelo encantador caminho das “causas”.
Se eu soubesse, teria aproveitado a oportunidade. Na idade da menina Alice e do menino Gil, fiz diversas greves à escola a pretexto do clima: mal o sol aquecia, trocava as aulas pela praia. Faltou-me ser entrevistado pelos “media”. E faltaram-me as “redes sociais” para divulgar o que talvez passasse por uma “ideia”. E faltaram-me os telemóveis e os computadores para multiplicar os parceiros de “luta”. E faltaram-me a lembrança e a lata de transformar a preguiça num modo de vida. E faltaram-me familiares que acolhessem as gazetas, perdão, as greves com orgulho e não com uma sova. Hoje, falta-me a paciência para explicar à menina Alice e ao menino Gil que o “sistema” que “combatem” é justamente aquele que lhes tolera, aceita e, nos momentos de masoquismo, aplaude esse “combate”. Se calhar eles já sabem.
COMENTÁRIOS:
Pedro Ferreira Brilhante! A mensagem é sublimar, não sei se os novos "pides" não lhe mandam uma multa. Como é evidente, esta causa para que levaram as criancinhas, está na agenda do marxismo cultural e insere-se na luta global. Preocupante para esta gente, são os encontros dos nacionalistas em Itália, aí é que vêem uma internacional do mal. 
Julianji Matti > Pedro Ferreira: Marxismo cultural é a neurose século XXI da direita hidrofóbica. Triste. 
Marco Silva > Julianji Matti: Neurose ? Você chama à realidade de "neurose" ? As politicas de identidade e de género (promovidas pela esquerda), não são reais ? As politicas fascistas, de censura e contra a liberdade de expressão (promovidas pela esquerda), não são reais ? As politicas de migração ilegal sem controlo (promovidas pela esquerda) que tantos europeus já matou, não são reais ? As politicas que são pro-intolerantes e contra quem critica os intolerantes (promovidas pela esquerda), em prática por toda a Europa por exemplo, não são reais? As políticas pro-aborto (promovidas pela esquerda) não são reais? Você é apenas mais um exemplo de como os esquerdalhas acéfalos, vivem num mundo da fantasia, pois a realidade para vocês, é a neurose de outros.
Gonçalo Ameal: E tudo se deve a apenas um factor, que permite que tudo o resto aconteça: uma condescendência colectiva maligna, obra de trotskistas e gramscianos, por oposto a uma consciência colectiva do bem-comum, e a busca por ela, que dá muito mais trabalho.
Pedro Ferreira > Gonçalo Ameal: Subscrevo.
Hugo Taxa: "Capitalismo é mau" dizia a tarja exibida pelos miúdos no Marquês, que documentavam a "sua manifestação" nos smartphones e se deslocavam nas trotinetes, equipamentos providenciados pelo referido capitalismo ...
Julianji Matti > Hugo Taxa:  Não espero que saiba, mas os smartphones resultam de tecnologia financiada largamente pelo ESTADO! Já agora, se acha que é incoerência um crítico do capitalismo usá-lo, espero bem que o senhor abra mão de absurdos socialistas como jornada laboral de 8 horas, férias pagas, 13º salário...
Sérgio Dinis Silva > Andre Silvinha: A "luta" das crianças pelo clima tem uma importância extrema.
Serve para ver como é possível dar tempo de antena a pessoas, crianças, que nem sequer sabem do que estão a falar, mas a quem a comunicação social dá honras de primeiras páginas. E o mais grave disto é haver Pais que em vez de educarem os filhos a aprenderem a falar do que sabem e a não se meterem no que não sabem, não dominam e ignoram, os apoiam. Depois admiram-se. E afinal era fácil, com duas ou três perguntas, ver a validade da "luta", a ignorância dos "lutadores". Mas isso ia contra o efeito pretendido. A promoção da mediocridade, o valor dado à ignorância. Continuemos assim.
Liberal Impenitente > Andre Silvinha: A questão é global, pelo menos aqui não estamos perante uma promoção do radicalismo apenas no nosso rectângulo.
José Ramos:  A crónica de Alberto Gonçalves hoje está de apetite! Mais, talvez, do que é costume; mais do que os enchidos, e as avisadas opiniões sobre a Europa que enchem a boca dos cidadãos; mais do que o menino Ubaldo, a menina Gato, a pequena Maria Armanda e o jovem e dourado Sequim. AG que me perdoe, sou admirador da sua prosa desde, pelo menos, os vetustos tempos em que o dr. Gaspar era ministro das Finanças, mas terá de se acautelar com a concorrência. Quem poderá resistir a frases tão lapidares como: "não vale a pena estarmos a ir a uma aula, quando o nosso sistema de ensino não nos incentiva a agir por aquilo em que nós acreditamos”? Porque não tinha eu esta lábia quando aparecia ao meu velhote a lista de gazetas, digo, greves, às aulas do "Bacalhau", do "Zé Sopapo", da "Drácula" ou do "Cevada"?


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