Se não tivesse havido uma União Europeia
que nos estendeu a mão aquando da catástrofe da destruição pátria, e quando,
graças ao saracoteio ávido de muitos em redor das economias deixadas pelo
regime anterior, estas tinham sido escrupulosamente extintas, julgo que António Barreto não poderia hoje expender uma opinião
tão desdenhosa sobre o alvitre europeu aos povos das nações implicadas, de votar
nas eleições Europeias. Todos nós, bafejados com os dinheiros da CEE, sucessivamente
acrescidos dos do BCE, por idênticas razões cada vez mais gravosas, devemos a
essa ajuda democrática a transformação, na parte que nos coube, de um país socialmente
e turisticamente atrasado, num país que só não desenvolve mais pela casta de seres
humanos que nele souberam desviar, em proveito próprio, tantos dos dinheiros
canalizados para o desenvolvimento do país. Por isso, sem necessitar de me sentir
irmanada com os países da União, conservando a minha própria identidade pátria,
eu estou reconhecida à U E, e naturalmente que irei votar, como sempre fiz,
desde que essa possibilidade de cidadania me foi oferecida.
É por isso que mal entendo o texto elegante
de António Barreto, incitando
à não participação eleitoral e desdenhando, com perversidade e ingratidão, dos
apelos feitos nesse sentido, talvez porque ele próprio nunca precisou nem
precise de nenhum auxílio, ou talvez para se mostrar original. As razões políticas
e outras que me ocorreram deixo-as a cargo de alguns comentadores, entre as
muitas que não li, e outras de algum seu apoiante, igualmente falacioso e
desonesto. Costumo aprovar a maior parte dos textos de AB, mas desta vez o meu voto é não. E
tenho pena.
OPINIÃO
Europa, sem ilusões
Destruir as grandes conquistas
europeias, que são conquistas dos Estados e das nações, significa simplesmente
desistir do que a Europa tem de grande e importante.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 12 de Maio de 2019
Há
dias, este jornal publicou uma carta comovedora. Foram 21 os Chefes
de Estado europeus que se dirigiram aos cidadãos do
continente, exortando-os a amar a Europa e a votar nas eleições. Como é
sabido, declarações deste género só se fazem quando as coisas ameaçam correr
mal. Geralmente, correm mesmo. Eram só os 21 Presidentes da República. Os
monarcas, também chefes de Estado, estavam ausentes, o que é incompreensível,
ou foram excluídos, o que é inadmissível. Eram países sem importância, como a
Bélgica, a Dinamarca, a Espanha, a Holanda, o Luxemburgo, o Reino Unido e a
Suécia.
O texto é curioso. É uma profissão de
fé na Europa. Chefes de
Estados que já se detestaram e guerrearam inúmeras vezes juntaram as suas vozes
em prol da Europa. É bonito ver! Tão bonito quão inútil! Eles imploram votos e pedem entusiasmo: é quase tudo
o que não vão ter! A crise da Europa e as crises na Europa não se resolvem com
mais Europa, o que é o mesmo que dizer com mais crise! Nem com Ágapes ou
Credos.
Apesar
das enormes taxas de abstenção, o pensamento dominante na Europa é de que é
possível, com educação e propaganda, aumentar a participação. Entre os mitos
virtuosos relativos à União, contam-se o da cidadania e o da democracia. Ora,
não existe uma cidadania europeia, nem uma democracia europeia. Há cidadãos
nacionais na Europa, tal como há democracias na Europa.
Uma
ideia fixa é a de que existe uma identidade europeia, quando é evidente que
existem identidades nacionais, possivelmente em bom convívio com a Europa, mas
uma identidade europeia é uma invenção. Outra
ideia persistente é a de que a Europa deve estar próxima dos cidadãos, resolver
os problemas das pessoas e ser sentida como uma realidade na vida quotidiana de
todos. Se assim
for, as crises desaparecerão, o nacionalismo será derrotado, os fanatismos
serão combatidos e os inimigos da Europa poderão ser destroçados. Os europeus
perceberão a bondade da ideia europeia. A União será uma realidade quase
familiar. São estas as ilusões que abundam no nosso continente, as mesmas que
poderão liquidar tão interessante criação como a União!
As
crises europeias, segundo os ortodoxos, resultam do facto de não haver
suficientemente Europa. Daí a
solução conhecida de “Mais Europa”, com o que as dificuldades
aumentam. Sempre que surge um problema, seja uma mera questão de identidade
e de autonomia, de imediato aparecem os sacerdotes europeus a bramar contra o
nacionalismo e assim se dá, ao contrário do esperado, mais força ao
nacionalismo.
A
Europa ainda é invejável pela cultura, pela protecção social, pelos direitos
dos cidadãos e pela paz. Mas já
não o é na ciência, na tecnologia, na inovação, na economia, na produtividade,
na defesa e na força política no mundo. Destruir as grandes conquistas
europeias, que são conquistas dos Estados e das nações, significa simplesmente
desistir do que a Europa tem de grande e importante, a sua
variedade, a autonomia dos seus países e a identidade dos seus Estados e
cidadãos.
A
democracia e a liberdade têm geografia. Talvez, dentro de uns séculos, seja
diferente. É possível. Mas, para
já, quem defende a liberdade, a democracia e os nossos direitos são os Estados
nacionais que conhecemos, com os seus parlamentos, os seus tribunais, as suas
forças armadas e as suas polícias. E até com as suas alianças internacionais,
como a NATO e a UE. São os Estados e as nações que garantem direitos e liberdade.
Quem quiser reclamar Justiça, segurança, direitos fundamentais, protecção e
solidariedade, dirige-se ao Estado nacional.
Alguém
sensato acredita que um Parlamento com 750 deputados, vindos de 28 países e
falando 24 línguas oficiais seja capaz de defender os direitos dos cidadãos?
Alguém se revê num Parlamento em que os deputados não são reconhecidos pelos
seus eleitores, não representam pessoas e não tem meios para cuidar das
liberdades e dos direitos dos europeus?
Alguém
sente como seu um Parlamento com enorme capacidade de dissolução dos problemas
e das diferenças, onde qualquer mudança à direita num país é compensada por
igual mudança à esquerda noutro país? Se, dentro de uma semana, Portugal fizer
uma viragem política, logo a Lituânia compensará, votando de outra maneira.
Aquela assembleia não é um Parlamento, é um lugar geométrico e um passatempo.
Ou Cafarnaum, cidade de esperança, destruída na confusão.
Haverá
alguém capaz de dizer o nome de cinco comissários? Ou de enumerar os países
membros? Ou de citar os nomes de três presidentes da Comissão? Ou de saber as
diferenças entre o presidente do Conselho, o presidente do Parlamento e o
presidente da Comissão?
A
ideia de que há uma só União, a que temos, é uma ideia despótica, como sempre
que existe um dilema. Querer uma União diferente da que temos, menos federal,
menos unitária e mais variável não significa ser nacionalista, fascista,
xenófobo e anti-europeu. Há várias Europas e várias Uniões possíveis. Com e sem
nações. Com e sem federação. Com e sem geometria variável. Com ou sem euro e
Schengen. Com e sem fronteiras abertas a terceiros. É detestável a ideia de que
só existe uma Europa, uma só União, uma só modalidade! Isso é puramente
totalitário! Existem mutas Europas possíveis, tudo depende das escolhas, da
força dos países, da convergência ou divergência de vontades maioritárias.
É
verdade que a União está sob ameaças. Dos seus rivais, Rússia, China e Estados
Unidos. Dos seus inimigos, nacionalistas de extrema-esquerda e de
extrema-direita. Sobretudo de si própria, dos que insistem em dizer que a União
se deve construir contra os Estados, contra as identidades nacionais e as
pátrias.
Como
já toda a gente percebeu, nas próximas eleições europeias, apesar de tantos
candidatos dizerem com ar seráfico que querem “discutir a Europa”, a verdade
é que se vai votar nacional, Lisboa, Paris, Londres, Madrid, Barcelona, Roma e
Milão. Mas, como o voto não tem efeitos, a maior parte dos eleitores não vai
votar. Os que, nesse dia, o fizerem, votarão por causa dos imigrantes, da
corrupção, dos bancos, do salário mínimo, da saúde, das filas de espera, dos
atrasos na justiça, da criminalidade, dos incêndios, do racismo, da violência
doméstica e da pobreza. Quem votará por causa das directivas europeias e das
estruturas de decisão?
Quem
realmente pode destruir a Europa e a sua União é quem se revela intolerante e
autoritário, quem utiliza a Europa contra a identidade nacional. Quem se limita
a acreditar. Quem sonha com sociedades sem geografia e sem identidade. E quem fantasia
com países sem cultura e sem autonomia. Quem cultiva a pior das armas: as
ilusões.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Jose, 12.05.2019: A vantagem competitiva das
nações existe. As uniões supraestaduais entregam o poder das democracias a
tecnocratas que destroem as vantagens competitivas das nações. A soma é
negativa. A perversão do projecto de construção europeia respeitador das nações
inibe a criatividade dos povos, reduz a concorrência, oprime o pensamento,
tolhe a inovação. Ficam todos parados à espera que outros façam por eles o que
só eles e mais ninguém tem de fazer. Resultado economias de ponta como a alemã,
britânica, francesa, italiana e todas estagnaram, não têm produtos e sistemas
novos de alto valor acrescentado distintos transaccionáveis no mercado global.
Todos se deixaram ultrapassar e particularmente nas tecnologias digitais. As
políticas de empobrecimento e precariedade é o recurso final que afunda todos.
Luis Morgado, Lisboa 12.05.2019: Grande parte do que António Barreto diz da União
Europeia aplica-se aos Estados Nacionais. Não sei quem são os europeístas, que
não nomeia, que querem destruir os Estados Nacionais. A UE, com todos os
defeitos, deu-nos desenvolvimento e paz. É para mim uma das grandes ideias do
nosso tempo. Se a quisermos destruir, basta sermos demagogos e ampliar as suas
fragilidades, como o faz António Barreto, que aprecio, mas não sei onde quer
chegar com este texto. Quando as ditaduras chegarem ao poder, quando a crise
vier e a corrupção se instalar, quando Putin ocupar uns quantos Estados, quando
a guerra vier, quando não houver União, talvez se chore pela União. E que tal
apontarmos soluções em vez de cavarmos sepulturas?
Jose, 12.05.2019: Caro Luis Morgado no texto de António Barreto não é o
primeiro sobre o tema lê-se um aviso ao erro contra a natureza da história que
só pode desembocar em grave perda para todos. As identidades culturais dos
povos e nações estão a ser violentados por um poder fático da UE/BCE. Os
Estados que traem as suas nações e povos usam a sua força coativa para impor
políticas punitivas de empobrecimento e precariedade contra os trabalhadores e
os povos. Esse caminho observar-se em toda a Europa dos 28 e nos países vizinhos.
A UE é expansionista faz a guerra fora e provoca o terrorismo dentro. A UE
ataca a Jugoslávia, a Líbia, a Síria, a Ucrânia e faz a guerra civil, com
Trump, na Venezuela. Em consequência tem terrorismo interno, insegurança e
recessão. O caminho está errado. Devolver soberania já!
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 12.05.2019: "A UE, com todos os defeitos, deu-nos
desenvolvimento" ... Luís Morgado, não há nenhuma evidência numérica para
esta afirmação, muito pel contrário. Mesmo agora, num período a que chamamos de
"crescimento", os números falam de desinvestimento económico,
desagregação social e colapso demográfico. Tem os números, por exemplo, a 6 de
Maio passado aqui no Público sob o título "Economia portuguesa –
expectativas, propaganda e factos" onde Oscar Afonso, presidente do
Observatório de Economia e Gestão de Fraude e docente da FEP nos mostra como os
números são "semelhantes ao desempenho americano na altura da grande
depressão entre 1929 e 1939". Para quem vive fora estes factos entram
pelos olhos dentro. Para quem está já enterrado na propaganda pff agarrem-se
pelo menos à realidade dos números.
Luis Morgado, Lisboa 12.05.2019: Caro José, as
nossas visões são contrárias. Tenho a certeza que há muitos erros a corrigir
nesta construção Europeia, mas se fizermos um exercício e imaginarmos a Europa
sem União Europeia, aquilo que eu vejo é miséria, fragilidade e fechamento. Sem
união cada país Europeu, especialmente os mais fracos, como o nosso, ficará à
mercê de Chinas, Rússia, "Trumpismos", etc. Penso que de nada valerão
aos interesses dos trabalhadores, dos jovens e da democracia, as identidades
nacionais, fechadas sobre si próprias. Para mim, o caminho de destruição da
Europa é aquele que está errado. E não vejo porque é que a ideia de Europa é
contrária às identidades nacionais, veja o exemplo da Escócia, onde são os
nacionalistas que são os pró Europeus.
Jonas New York, 12.05.2019: Luis Morgado,
está enganado. Repare que antes da UE não existiam guerras na europa, entre
estados europeus. Depois da Ue sucederam-se várias guerras na europa, para já
não falar de um aumento da pobreza, analfabetismo, perseguição aos homossexuais
e também o aquecimento global.
Luis Morgado, Lisboa 12.05.2019: Jonas Almeida, os
números que refere desmentem alguma coisa do que eu disse? Eu sei que é um
exercício difícil, mas pense qual seria o desempenho de Portugal sem a entrada
na União Europeia. Não creio que tenha andado a consumir propaganda para pensar
o que penso e o facto de o Jonas estar a viver fora não lhe dá uma especial
autoridade nem valida os seus argumentos, que de resto me parecem muito
frágeis. Quanto ao conceito de desenvolvimento, talvez tenhamos noções
diferentes. Para mim, desenvolvimento, para além de uma Economia saudável, é
democracia, é liberdade, é civilização, é a construção de uma sociedade menos
desigual, e é respeito pelos direitos humanos. Tudo coisas que, intuo, possam
estar muito mais em perigo sem União Europeia do que com União Europeia.
Tenho
a certeza que há muitos erros a corrigir nesta construção Europeia, mas se
fizermos um exercício e imaginarmos a Europa sem União Europeia, aquilo que eu
vejo é miséria, fragilidade e fechamento. Sem união cada país Europeu,
especialmente os mais fracos, como o nosso, ficará à mercê de Chinas, Rússia,
"Trumpismos", etc. Penso que de nada valerão aos interesses dos
trabalhadores, dos jovens e da democracia, as identidades nacionais, fechadas
sobre si próprias. Para mim, o caminho de destruição da Europa é aquele que
está errado. E não vejo porque é que a ideia de Europa é contrária às
identidades nacionais, veja o exemplo da Escócia, onde são os nacionalistas que
são os pró Europeus.
Para
mim, desenvolvimento, para além de uma Economia saudável, é democracia, é
liberdade, é civilização, é a construção de uma sociedade menos desigual, e é
respeito pelos direitos humanos. Tudo coisas que, intuo, possam estar muito
mais em perigo sem União Europeia do que com União Europeia.
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