sábado, 18 de maio de 2019

O pior é se passam de jogos


Um texto de JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES a reter: Explícito, claro, apesar da confusão de uma intriga a que vamos assistindo na plateia da nossa ignorância curiosa e assustada. Mas o texto aclara os descritivos anteriores de Salles da Fonseca, no seu cruzeiro de risco, protegido por patrulhas armadas… Mundo convulso, que me lembrou – despropositadamente, é certo, - o recitativo de Villaret do poema seguinte - talvez por ser de apelo – não a um qualquer amor platónico mas a uma paz cada vez mais turva, no horizonte temeroso:
Onde Moras       
Onde moras? Onde moras? Se adivinhasse onde moras Em frente da tua porta Olhando a tua janela Veria passar as horas As minhas últimas horas...
Sem ti, a vida que importa? (A vida nem penso nela...) Veria passar as horas Em frente da tua porta
Olhando a tua janela Numa extasiada emoção!
Diz-me pois onde moras Se porventura não moras Dentro do meu coração!
ANÁLISE  - Jogos de guerra no Golfo Pérsico
Nos próximos meses ou anos veremos qual o futuro do acordo nuclear de 2015. Para já, os europeus pensam poder ainda salvá-lo, com a China e a Índia. Mas nesta altura, não parece que as acções diplomáticas sejam magia europeia suficiente para contrariar os jogos de guerra dos EUA e Irão no golfo pérsico, dos quais os europeus são meros espectadores.
JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES              PÚBLICO, 17 de Maio de 2019
1. Os jogos de guerra voltaram ao Golfo pérsico. Em 2015, um dificílimo acordo foi alcançado entre o Irão e o P5+1: EUA, França, Reino Unido, Rússia e China e Alemanhatodos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com excepção desta última. Parecia ter-se encerrado uma grave crise internacional ligada ao programa nuclear iraniano. Nos anos anteriores, a troca de ameaças entre Israel e o Irão, mas também entre o Irão e os EUA durante o segundo mandato de George W. Bush, tinham feito recear o pior. Para o P5+1, incluindo o governo norte-americano de Barack Obama, tratava-se de um bom acordo. Afastava a possibilidade de Irão usar o seu programa de pesquisa e desenvolvimento nuclear para fins militares.
Ao mesmo tempo, para o Governo do Irão, também era um bom acordo pelas compensações que obteria no terreno económico. Facilitaria um descongelamento dos seus activos nos EUA (ICJ: Iran bid to recover billions in frozen US assets can proceed in DW), ao qual o Governo islâmico não tinha acesso desde a Revolução Iraniana de 1978-1979. Poderia, assim, fortalecer a sua economia com o fim das sanções, aumentando as vendas de petróleo nos mercados internacionais e obtendo investimento estrangeiro e know-how no sector da energia e outros. Este robustecimento da economia permitira ao país melhorar a situação económica interna da sua população. Ajudaria, ainda, a suportar e consolidar as suas ambições de potência regional. A presença militar na guerra da Síria em apoio ao Governo de Bashar al-Assad, o financiamento do Hezbollah no Líbano, o apoio económico e militar a grupos e milícias xiitas no Iraque e noutras partes do Médio Oriente, estavam a custar caro ao Irão e a aumentar a contestação interna pela escassez de recursos.
2. No plano externo, o acordo do P5+1 sempre foi contestado por Israel e nunca convenceu os países árabes do Médio Oriente — desde logo a Arábia Saudita (Why Saudi Arabia Hates the Iran Deal in Foreign Policy). Sempre viram nele uma artimanha do arqui-rival Irão para aumentar o poder no Médio Oriente sobre os Estados árabes-islâmicos. Os iranianos não teriam uma genuína intenção de o abandonar, apenas procuravam, nesta fase, consolidar a sua ambição de poder regional pela via económica.
Para além da vocal oposição do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a guerra por outros meios começou logo em 2015. No plano económico, o primeiro ataque veio da Arábia Saudita. Ao deixar cair significativamente o preço do petróleo nos mercados internacionais, não cortando a sua produção para elevar o preço (TheOil War Arabia in Rusi), os sauditas tentavam eliminar, o mais possível, o ganho que o Irão iria ter pelas suas acrescidas exportaçõeso outro alvo era a indústria de petróleo de xisto (shale oil) nos EUA. Mas foi a chegada ao poder de Donald Trump nos EUA que alterou radicalmente os dados da questão e reabriu o risco de conflito aberto. Em 2018, os EUA retiram-se do acordo considerando-o incapaz de garantir que o Irão não obteria capacidades nucleares militares. As limitações temporárias a que estava sujeito o Irão nesse acordo foram consideradas insuficientes, bem como o facto não prever quaisquer limitações ao seu programa balístico, a outra peça fundamental da ambição militar-nuclear iraniana.
Nessa sequência, os EUA avançaram com a imposição de abrangentes sanções económicas. Como resultado, as vendas de petróleo do Irão caíram, nos últimos meses, para menos de metade do que eram em inícios de 2018, antes a saída dos EUA do acordo e a (re)imposição dessas sanções. (Ver Six charts that show how hard US sanctions have hit Iran in BBC, 2/05/2019). Entre os seus principais clientes externos — China, Índia, Japão, Turquia, Itália e Grécia —, a China e a Índia têm, de longe, a quota mais elevada.
3. Em inícios de Abril de 2019, a tensão entre os EUA e o Irão voltou a subir. Os EUA passaram a incluir os Guardas Revolucionários Iranianos na sua lista de organizações terroristas. (Revolutionary Guard Corps: US labels Iran force as terrorists in BBC). Essa força militar especial foi criada na altura da revolução islâmica pelo ayatollah Khomeini para proteger o regime. Posteriormente, passou também a ser um instrumento da sua projecção de poder no exterior, apoiando grupos xiitas um pouco por todo o Médio Oriente.
As tensões aumentaram ainda na última semana com o envio de navios de guerra da Marinha norte-americana e vários bombardeiros B-52 para o golfo pérsico, em particular do porta-aviões Abraham Lincoln. Pela explicação oficial, estariam em preparação acções contra interesses norte-americanos no Médio Oriente que seriam empreendidos directamente, ou por grupos interpostos, pelo Irão.
O acordo nuclear sempre foi contestado por Israel e nunca convenceu os países árabes do Médio Oriente — desde logo a Arábia Saudita. Sempre viram nele uma artimanha do arqui-rival Irão para aumentar o poder no Médio Oriente sobre os Estados árabes-islâmicos
A retórica belicista também subiu de tom da parte dos iranianos. Houve a clássica ameaça feita sempre que há tensões com os EUA, de fecharem o estreito de Ormuz no golfo pérsico — por aí passa a maioria das exportações de petróleo da região. (Iran says ready for U.S. waivers end, as Guards threaten to shut Hormuz in Reuters). Foi também feita a ameaça de poderem ser atacados navios comerciais dos EUA e até de que a marinha de guerra norte-americana “poderia ser destruída com um único míssil”. (Iranian cleric says US aircraft carrier can bedestroyed with one missile’ in Times of Israel).
No plano político, o Presidente iraniano Hassan Rouhani anunciou que o seu país se iria afastar de partes do acordo, se não tivesse garantias de que os benefícios económicos que estavam prometidos se vão concretizar. O Irão deixará de exportar as suas reservas de urânio enriquecido e de água pesada, voltando a armazenar tais materiais necessários para construção de uma arma atómica. Irá, assim, desobrigar-se dessa parte acordo. Poderá também, a partir de Julho, reiniciar o seu programa de enriquecimento de urânio. Para além disso, foram feitas outras ameaças mais radicais, como a possibilidade de o Irão abandonar o Tratado de não Proliferação das Armas Nucleares (TNP).
4. Sendo objectivo do Irão tentar afastar, ou, pelo menos, contornar, as sanções dos EUA, a Rússia pouco pode fazer para esse efeito. Não é compradora de petróleo ou gás natural ao Irão — isso os russos também exportam. Ao mesmo tempo, está já envolvida no esforço de guerra na Síria, onde os iranianos são um aliado, mas também rival na influência sobre o regime de Bashar al-Assad. (Nesse aspecto, não é mau para os russos um certo enfraquecimento do Irão pelas sanções do EUA.)
Por sua vez, na Venezuela, a Rússia tem apoiado financeiramente o Governo de Nicolás Maduro e investido no sector enérgico. A via usada foram os empréstimos da Rosneft russa à PDVSA venezuelana, ficando os russos com a garantia dos activos da Citgo nos EUA. Mas face a essa exposição financeira de elevado risco na Venezuela — e aos custos elevados da guerra da Síria —, a situação não aconselha maiores esforços financeiros no exterior, pelo menos nesta altura.
Quanto à China, está, ela própria, envolvida numa guerra comercial com os EUA. Pode ser tentada a abrir mais uma frente com os norte-americanos, efectuando um apoio aberto ao Irão para contornar as sanções, até pelo compromisso do Irão em participar na grande rede de infra-estruturas e projectos empresariais chineses ligada à “nova rota da seda”. (China Set To Defy U.S. Sanctions On Iran in Oil Price). Para além disso, é o maior comprador internacional de petróleo do Irão. 
Sendo objectivo do Irão afastar, ou, pelo menos, contornar, as sanções dos EUA, a Rússia pouco pode fazer. Não é compradora de petróleo ou gás natural ao Irão. Ao mesmo tempo, está envolvida no esforço de guerra na Síria, onde os iranianos são um aliado, mas também rival na influência sobre o regime de Bashar al-Assad
Mas a China é normalmente cautelosa. (Although Unhappy With US Sanctions on Iran, China Won’t Fall Out With Washington in The Diplomat, 25/04/2019). Não se quer expor em conflitos internacionais, a não ser onde tem um interesse directo de soberania. Teme, desde logo, causar alarme entre os Estados que já olham com apreensão a sua ascensão na Ásia-Pacífico. Poderia alimentar o desejo de formação de uma grande coligação anti-chinesa. Além disso, pode ser mais vantajoso usar a situação como moeda de troca nas suas negociações comerciais com os norte-americanos. Se for assim, para resolver o problema económico do Irão, a China não vai bastar, ou até pouco fará em concreto. Restam, então, a França, o Reino Unido e a Alemanha (o chamado E3) — grosso modo a União Europeia — que tem, nesta altura, um delicado problema nas mãos.
5. Por iniciativa da França, à qual se associaram a Alemanha e o Reino Unido, foi criado um veículo especial de pagamento das transacções feitas com o Irão por empresas europeias. É o chamado Instrument of Support of Trade Exchanges (INSTEX). Pretende evitar as sanções dos EUA, permitindo o comércio com o Irão sem depender de transacções financeiras directas. (Ver Governo de França, Joint statement on the creation of INSTEX).
Todavia, para além das questões técnicas ligadas à sua operacionalização, não é certo que esta iniciativa tenha um grande sucesso entre as empresas europeias que fazem negócios com o Irão, ou tencionavam fazer após a assinatura do acordo de 2015. Desde logo, para muitas empresas o risco político de poderem enfrentar problemas no acesso ao mercado dos EUA, seja perda de acesso ao sistema financeiro norte-americano ou capacidade de fazer negócios com empresas desse país, não compensa o que o Irão tem para oferecer. (France's Total warns of Iran exit as EU struggles to save economic ties in Reuters).
Para a grande maioria das empresas, o mercado dos EUA é certamente um mercado bem mais importante. Mesmo com a alternativa de recurso a mecanismos financeiros como o INSTEX para evitar sanções, a adesão generalizada das empresas europeias interessada no Irão é, por todas estas razões, bastante incerta. Assim, politicamente, para o E3 e a União Europeia, o resultado pode ser mau se esse mecanismo financeiro não for suficiente para manter o Irão comprometido com o acordo de 2015, apenas acabando por gerar, ainda mais divisões, nas relações transatlânticas. (INSTEX: A Blow to U.S. Sanctions? in Lawfare). Se for assim, será o pior resultado possível para os europeus, pois perdem nos dois campos. A situação não é nada facilitada por um dos objectivos do Irão, ao ameaçar sair do acordo de 2015, ser mesmo esse — dividir a União Europeia e os EUA —, tarefa para a qual Donald Trump também tem contribuído bastante desde que chegou ao poder. A situação não é nada facilitada porque dos objectivos do Irão, ao ameaçar sair do acordo nuclear de 2015, é dividir a União Europeia e os EUA —, tarefa para a qual Donald Trump tem contribuído bastante desde que chegou ao poder
6. Nos próximos meses ou anos veremos qual o futuro do acordo nuclear de 2015. Para já, os europeus pensam poder ainda salvá-lo, em conjunto com a China e a Índia, pela importância que ambos os países têm na economia do Irão, em especial nas suas exportações petrolíferas. (Mogherini puts hopes in China and India to save Iran deal in Euractiv). A situação faz lembrar uma curiosa e irónica reflexão contida num clássico de Montesquieu, as Cartas Persas, escritas em inícios do século XVIII (Carta XXIV, Tomo I, trad. port. 2015, Tinta da China, p.66). Nessa carta, o rei de França era descrito por Rica, um ficcional viajante persa na Europa, como um “grande mágico”. Sendo o “príncipe mais poderoso da Europa”, exercia “o seu império sobre o próprio espírito dos seus súbditos”, levando-os “a pensar como ele quer. Se só tiver um milhão de escudos no seu tesouro, e precisar de dois, basta-lhe persuadi-los de que um escudo vale dois e eles acreditam. Se tiver de travar uma guerra difícil e não tiver dinheiro, basta-lhe meter-lhes na cabeça que um pedaço de papel é dinheiro, e eles acreditam imediatamente”.
Pois bem, a França e restantes países europeus vão precisar de ser ainda maiores mágicos na diplomacia se quiserem manter os iranianos comprometidos com o acordo de 2015 (ver Riccardo Alcaro e Natalie Tocci, Europe can still save the Iran nuclear deal  n Politico) sem deterioram gravemente as relações com os norte-americanos. Nesta altura, não parece que o INSTEX nem outras acções diplomáticas sejam magia europeia suficiente para isso, nem para contrariar os jogos de guerra dos EUA e Irão no golfo pérsico, dos quais os europeus são meros espectadores. Investigador do IPRI-NOVA
COMENTÁRIOS
Eme R, Bruxelles 17.05.2019: A questão é saber a quem interessam a acções de sabotagem no golfo pérsico e a instabilidade na região. Eu vejo 3 principais interessados... a Arábia Saudita, obviamente, que quer destruir o Irão, e ao mesmo tempo fazer aumentar os preços do petróleo, a Israel, que quer colocar pressão nos EUA para dar guerra ao Irão, e a Rússia que precisa desesperadamente da subida dos preços do petróleo (não esquecer que o PIB da Rússia é igual ao de Espanha)... mais a estes, penso, do que aos EUA... embora o Trump, por puras razões económicas, seja imprevisível...
agany, Setúbal 17.05.2019: A sobrevivência da nação americana depende do petróleo acima dos 70 dólares!
DCM, charneca de caparica 17.05.2019: Um mundo enlouquecido " Da edição portuguesa da National Geografic desta semana. Frase perturbadora a propósito das causas da hecatombe que foi a WW II. Convém nunca esquecer.
Francis Delannoy: Jogos de guerra no Golfo Pérsico…..quando para a sobrevivência de um é preciso destruir outros.. se vamos a ver desde 1948 e mais tarde a guerra dos 6 dias e a guerra do golan em tudo o que é medio oriente tem havido guerra permanente.. o objectivo é destruir tudo para reconstruir um grande império como está escrito na biblia deles..
Joao, Portugal: Conclusão óbvia. Bom texto, bastante didáctico e esclarecedor.

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