Um texto de JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES a reter: Explícito,
claro, apesar da confusão de uma intriga a que vamos assistindo na plateia da
nossa ignorância curiosa e assustada. Mas o texto aclara os descritivos anteriores
de Salles da Fonseca, no seu
cruzeiro de risco, protegido por patrulhas armadas… Mundo convulso, que me
lembrou – despropositadamente, é certo, - o recitativo de Villaret do poema
seguinte - talvez por ser de apelo – não a um qualquer amor platónico mas a uma paz cada vez mais turva, no
horizonte temeroso:
Onde Moras
Onde Moras
por
Rubinho Jacobina
Onde
moras? Onde moras? Se adivinhasse onde moras Em frente da tua porta Olhando a
tua janela Veria passar as horas As minhas últimas horas...
Sem
ti, a vida que importa? (A vida nem penso nela...) Veria passar as horas Em
frente da tua porta
Olhando a tua janela Numa extasiada emoção!
Olhando a tua janela Numa extasiada emoção!
Diz-me
pois onde moras Se porventura não moras Dentro do meu coração!
ANÁLISE
- Jogos de guerra no Golfo Pérsico
Nos próximos meses ou anos veremos
qual o futuro do acordo nuclear de 2015. Para já, os europeus pensam poder
ainda salvá-lo, com a China e a Índia. Mas nesta altura, não parece que as
acções diplomáticas sejam magia europeia suficiente para contrariar os jogos de
guerra dos EUA e Irão no golfo pérsico, dos quais os europeus são meros
espectadores.
JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES PÚBLICO, 17 de Maio de
2019
1. Os jogos de guerra voltaram ao Golfo pérsico. Em 2015, um dificílimo acordo foi alcançado entre
o Irão e o
P5+1: EUA,
França, Reino Unido, Rússia e China e Alemanha — todos membros do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, com excepção desta última. Parecia ter-se encerrado uma
grave crise internacional ligada ao programa nuclear iraniano. Nos anos
anteriores, a troca de ameaças entre Israel e o Irão, mas também entre o Irão e
os EUA durante o segundo mandato de George W. Bush, tinham feito recear o pior.
Para o P5+1, incluindo o governo norte-americano de Barack Obama, tratava-se
de um bom acordo. Afastava a possibilidade de Irão usar o seu programa
de pesquisa e desenvolvimento nuclear para fins militares.
Ao mesmo tempo, para o Governo do Irão, também
era um bom acordo pelas compensações que obteria no terreno económico. Facilitaria um descongelamento dos seus activos
nos EUA (ICJ: Iran bid to recover billions in frozen US assets can proceed in
DW), ao qual o Governo islâmico não
tinha acesso desde a Revolução Iraniana de 1978-1979. Poderia, assim,
fortalecer a sua economia com o fim das sanções, aumentando as vendas de
petróleo nos mercados internacionais e obtendo investimento estrangeiro e know-how
no sector da energia e outros. Este robustecimento da economia
permitira ao país melhorar a situação económica interna da sua população.
Ajudaria, ainda, a suportar e consolidar as suas ambições de potência regional.
A presença militar na guerra da Síria em apoio ao Governo de Bashar al-Assad, o financiamento do Hezbollah no Líbano, o apoio económico e
militar a grupos e milícias xiitas no
Iraque e noutras partes do Médio Oriente, estavam a custar caro ao Irão e a
aumentar a contestação interna pela escassez de recursos.
2. No plano
externo, o acordo do P5+1 sempre foi contestado por Israel e nunca convenceu os países árabes do Médio Oriente — desde logo a Arábia Saudita (Why Saudi Arabia Hates the Iran Deal in Foreign Policy). Sempre
viram nele uma artimanha do arqui-rival Irão para aumentar o poder no Médio
Oriente sobre os Estados árabes-islâmicos. Os iranianos não teriam uma genuína
intenção de o abandonar, apenas procuravam, nesta fase, consolidar a sua
ambição de poder regional pela via económica.
Para
além da vocal oposição do primeiro-ministro
de Israel, Benjamin Netanyahu,
a guerra por outros meios começou logo em 2015. No plano económico, o
primeiro ataque veio da Arábia Saudita. Ao deixar cair
significativamente o preço do petróleo nos mercados internacionais, não
cortando a sua produção para elevar o preço (The
“Oil War”
Arabia in Rusi), os sauditas tentavam eliminar, o mais
possível, o ganho que o Irão iria ter pelas suas acrescidas exportações — o outro alvo era a indústria de petróleo de xisto (shale oil) nos EUA. Mas foi a
chegada ao poder de Donald Trump nos
EUA que alterou radicalmente os dados da questão e reabriu o risco de conflito
aberto. Em 2018,
os EUA retiram-se do acordo considerando-o incapaz de garantir que o Irão não
obteria capacidades nucleares militares. As
limitações temporárias a que estava sujeito o Irão nesse acordo foram consideradas
insuficientes, bem como o facto não prever quaisquer limitações ao seu programa
balístico, a outra peça fundamental da ambição militar-nuclear iraniana.
Nessa sequência, os EUA avançaram com a imposição de
abrangentes sanções económicas. Como
resultado, as vendas de petróleo do Irão caíram, nos últimos
meses, para menos de metade do que eram em inícios de 2018, antes a saída dos
EUA do acordo e a (re)imposição dessas sanções. (Ver Six
charts that show how hard US sanctions have hit Iran in BBC, 2/05/2019). Entre os seus principais clientes
externos — China, Índia, Japão, Turquia, Itália e Grécia —, a China e a Índia têm, de longe, a quota
mais elevada.
3. Em
inícios de Abril de 2019, a tensão entre os EUA e o Irão voltou a subir. Os
EUA passaram a incluir os Guardas Revolucionários Iranianos na sua lista de
organizações terroristas. (Revolutionary
Guard Corps: US labels Iran force as terrorists in BBC). Essa força militar especial foi criada na altura
da revolução islâmica pelo ayatollah Khomeini para proteger o regime.
Posteriormente, passou também a ser um instrumento da sua projecção de poder no
exterior, apoiando grupos xiitas um pouco por todo o Médio Oriente.
As tensões aumentaram ainda na última
semana com o envio de navios de guerra da Marinha norte-americana e vários
bombardeiros B-52 para o golfo pérsico, em particular do porta-aviões Abraham
Lincoln. Pela explicação oficial, estariam em preparação acções contra
interesses norte-americanos no Médio Oriente que seriam empreendidos
directamente, ou por grupos interpostos, pelo Irão.
O
acordo nuclear sempre foi contestado por Israel e nunca convenceu os países
árabes do Médio Oriente — desde logo a Arábia Saudita. Sempre viram nele uma
artimanha do arqui-rival Irão para aumentar o poder no Médio Oriente sobre os
Estados árabes-islâmicos
A retórica belicista também subiu de
tom da parte dos iranianos. Houve a
clássica ameaça feita sempre que há tensões com os EUA, de fecharem o estreito de Ormuz no golfo
pérsico — por aí passa a maioria das
exportações de petróleo da região. (Iran says ready for U.S. waivers end,
as Guards threaten to shut Hormuz in Reuters). Foi
também feita a ameaça de poderem ser atacados navios comerciais dos EUA e até
de que a marinha de guerra norte-americana “poderia ser destruída com um único
míssil”. (Iranian
cleric says US aircraft carrier can be‘destroyed
with one missile’ in Times of Israel).
No plano político, o Presidente iraniano Hassan Rouhani anunciou
que o seu país se iria afastar de partes do acordo, se não tivesse garantias de
que os benefícios económicos que estavam prometidos se vão concretizar. O Irão deixará de exportar as suas reservas de urânio
enriquecido e de água pesada, voltando a armazenar tais materiais necessários
para construção de uma arma atómica. Irá, assim, desobrigar-se dessa parte
acordo. Poderá também, a partir de Julho, reiniciar o seu programa de
enriquecimento de urânio. Para além disso, foram feitas outras ameaças mais
radicais, como a possibilidade de o Irão abandonar o Tratado de
não Proliferação das Armas Nucleares (TNP).
4.
Sendo objectivo do Irão tentar afastar, ou, pelo menos, contornar, as sanções
dos EUA, a Rússia
pouco pode fazer para esse efeito.
Não é compradora de petróleo ou gás natural ao Irão — isso os russos também
exportam. Ao mesmo
tempo, está já envolvida no esforço de guerra na Síria, onde os iranianos são
um aliado, mas também rival na influência sobre o regime de Bashar al-Assad.
(Nesse aspecto, não é mau para os russos um certo
enfraquecimento do Irão pelas sanções do EUA.)
Por sua vez, na Venezuela, a Rússia
tem apoiado financeiramente o Governo de Nicolás Maduro e investido no sector
enérgico. A via usada foram os empréstimos da Rosneft russa à PDVSA venezuelana, ficando os
russos com a garantia dos activos da Citgo nos EUA. Mas face a
essa exposição financeira de elevado risco na Venezuela — e aos custos elevados
da guerra da Síria —, a situação não aconselha maiores esforços financeiros no
exterior, pelo menos nesta altura.
Quanto
à China, está,
ela própria, envolvida numa guerra comercial com os EUA. Pode ser tentada a abrir mais uma frente com os
norte-americanos, efectuando um apoio aberto ao Irão para contornar
as sanções, até pelo compromisso do Irão em participar na grande rede de
infra-estruturas e projectos empresariais chineses ligada à “nova rota da
seda”. (China Set To Defy U.S. Sanctions On
Iran in Oil Price). Para além
disso, é o maior comprador internacional de petróleo do Irão.
Sendo
objectivo do Irão afastar, ou, pelo menos, contornar, as sanções dos EUA, a
Rússia pouco pode fazer. Não é compradora de petróleo ou gás natural ao Irão.
Ao mesmo tempo, está envolvida no esforço de guerra na Síria, onde os iranianos
são um aliado, mas também rival na influência sobre o regime de Bashar al-Assad
Mas a China é
normalmente cautelosa. (Although Unhappy With US Sanctions on Iran, China Won’t Fall Out With
Washington in The Diplomat, 25/04/2019). Não se quer expor em conflitos internacionais, a
não ser onde tem um interesse directo de soberania. Teme, desde logo, causar
alarme entre os Estados que já olham com apreensão a sua ascensão na
Ásia-Pacífico. Poderia alimentar o desejo de formação de uma grande coligação
anti-chinesa. Além disso, pode ser mais vantajoso usar a situação como moeda de
troca nas suas negociações comerciais com os norte-americanos. Se for assim,
para resolver o problema económico do Irão, a China não vai bastar, ou até
pouco fará em concreto. Restam, então, a França, o Reino Unido e a Alemanha (o chamado E3) —
grosso modo a União Europeia
— que tem, nesta altura, um delicado problema nas mãos.
5. Por
iniciativa da França, à qual se associaram a Alemanha e o Reino Unido, foi
criado um veículo especial de pagamento das transacções feitas com o Irão por
empresas europeias. É o chamado Instrument of Support of Trade Exchanges (INSTEX).
Pretende evitar as sanções dos EUA, permitindo o comércio com o Irão sem
depender de transacções financeiras directas. (Ver Governo de França, Joint statement on the creation of INSTEX).
Todavia,
para além das questões técnicas ligadas à sua operacionalização, não é certo
que esta iniciativa tenha um grande sucesso entre as empresas europeias que
fazem negócios com o Irão, ou tencionavam fazer após a assinatura do acordo de
2015. Desde
logo, para muitas empresas o risco político de poderem enfrentar problemas no
acesso ao mercado dos EUA, seja perda de acesso ao sistema financeiro
norte-americano ou capacidade de fazer negócios com empresas desse país, não
compensa o que o Irão tem para oferecer. (France's
Total warns of Iran exit as EU struggles to save economic ties in
Reuters).
Para a grande maioria das empresas, o
mercado dos EUA é certamente um mercado bem mais importante. Mesmo com a alternativa de recurso a mecanismos
financeiros como o INSTEX para evitar sanções, a adesão generalizada das
empresas europeias interessada no Irão é, por todas estas razões, bastante
incerta. Assim, politicamente, para o E3 e a União Europeia, o resultado
pode ser mau se esse mecanismo financeiro não for suficiente para manter o Irão
comprometido com o acordo de 2015, apenas acabando por gerar, ainda mais
divisões, nas relações transatlânticas. (INSTEX: A
Blow to U.S. Sanctions? in Lawfare). Se for assim, será o pior resultado possível para os
europeus, pois perdem nos dois campos. A
situação não é nada facilitada por um dos objectivos do Irão, ao ameaçar sair
do acordo de 2015, ser mesmo esse — dividir a União Europeia e os EUA —, tarefa
para a qual Donald Trump também tem contribuído bastante desde que chegou ao
poder. A situação não é nada facilitada porque dos
objectivos do Irão, ao ameaçar sair do acordo nuclear de 2015, é dividir a
União Europeia e os EUA —, tarefa para a qual Donald Trump tem contribuído
bastante desde que chegou ao poder
6.
Nos próximos meses ou anos veremos qual o futuro do acordo nuclear de 2015. Para já, os europeus pensam poder ainda salvá-lo,
em conjunto com a China e a Índia, pela importância que ambos os países têm na economia do Irão, em
especial nas suas exportações petrolíferas. (Mogherini puts hopes in China and
India to save Iran deal in Euractiv). A situação faz lembrar uma curiosa e irónica reflexão contida num clássico de Montesquieu, as Cartas
Persas, escritas em inícios do século XVIII (Carta XXIV, Tomo
I, trad. port. 2015, Tinta da China, p.66). Nessa carta, o rei de França era
descrito por Rica, um ficcional viajante persa na Europa, como um “grande
mágico”. Sendo o “príncipe
mais poderoso da Europa”, exercia “o seu império sobre o próprio espírito dos seus
súbditos”, levando-os
“a pensar como ele quer. Se só tiver um milhão
de escudos no seu tesouro, e precisar de dois, basta-lhe persuadi-los de que um
escudo vale dois e eles acreditam. Se tiver de travar uma guerra difícil e não
tiver dinheiro, basta-lhe meter-lhes na cabeça que um pedaço de papel é
dinheiro, e eles acreditam imediatamente”.
Pois bem, a França e restantes países europeus vão
precisar de ser ainda maiores mágicos na diplomacia se quiserem manter os
iranianos comprometidos com o acordo de 2015
(ver Riccardo Alcaro e Natalie Tocci, Europe can still save the Iran nuclear deal n Politico)
sem deterioram gravemente as relações com os
norte-americanos. Nesta
altura, não parece que o INSTEX nem outras acções diplomáticas sejam magia
europeia suficiente para isso, nem para contrariar os jogos de guerra dos EUA e
Irão no golfo pérsico, dos quais os europeus são meros espectadores. Investigador
do IPRI-NOVA
COMENTÁRIOS
Eme R, Bruxelles 17.05.2019: A questão é saber a quem interessam a acções de
sabotagem no golfo pérsico e a instabilidade na região. Eu vejo 3
principais interessados... a Arábia Saudita, obviamente, que quer
destruir o Irão, e ao mesmo tempo fazer aumentar os preços do petróleo, a
Israel, que quer colocar pressão nos EUA para dar guerra ao Irão, e a
Rússia que precisa desesperadamente da subida dos preços do petróleo (não
esquecer que o PIB da Rússia é igual ao de Espanha)... mais a estes, penso,
do que aos EUA... embora o Trump, por puras razões económicas, seja
imprevisível...
agany, Setúbal 17.05.2019: A sobrevivência da nação americana depende do petróleo
acima dos 70 dólares!
DCM, charneca de caparica 17.05.2019: Um mundo enlouquecido " Da edição portuguesa da
National Geografic desta semana. Frase perturbadora a propósito das causas da
hecatombe que foi a WW II. Convém nunca esquecer.
Francis Delannoy: Jogos de guerra no Golfo Pérsico…..quando para a sobrevivência de um é preciso destruir
outros.. se vamos a ver desde 1948 e mais tarde a guerra dos 6 dias e a guerra
do golan em tudo o que é medio oriente tem havido guerra permanente.. o
objectivo é destruir tudo para reconstruir um grande império como está escrito
na biblia deles..
Joao, Portugal: Conclusão óbvia. Bom texto, bastante didáctico e
esclarecedor.
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