quinta-feira, 9 de maio de 2019

Direcção Venezuela



Dois excelentes textos com características opostas e que no entanto se conjugam numa comum sensibilidade, com que encaram o problema venezuelano: O primeiro, de Diana Soller, pretende ser um comentário sério e perplexo (de aparência ingénua) às políticas do mundo, uma reflexão feita de desconcerto, pesaroso e amedrontado, por esperar uma actuação mais drástica de Donald Trump, como este prometera, aliás, no caso de um ditador – Maduro, ser indigno, que reduz o seu povo a uma miséria que pareceria anedótica, não fosse ela tão trágica e desfiguradora de toda a racionalidade, (apesar de apoiado o seu líder no nosso país pelos habituais atacantes de uma América “reprovavelmente” capitalista). Mas esta última asserção, é o segundo articulista José Diogo Quintela – que melhor a explana, numa crónica de uma mordacidade e sentido de humor, não perverso mas sadio, embora “negro”, como apontam alguns comentadores, e que os comentadores de esquerda não deixam de atacar com a costumeira ferocidade de expressão primitiva, mas que outros mais argutos admiram como brilhante. Um bravo aos dois.
I - ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: Mas afinal quem manda no mundo? /premium
DIANA SOLLER          OBSERVADOR, 7/5/2019
Washington passou por um dos mais embaraçosos momentos da sua história recente: parece ter deixado de ter poder suficiente para organizar aquela que é, há dois séculos, a sua zona de influência.
Há assuntos que podem ser impopulares, mas têm de ser abordados. Um deles, são os acontecimentos da semana passada na Venezuela. Na terça-feira, Juan Guaidó foi libertar Leopoldo López – preso domiciliário do regime de Maduro – com pompa e circunstância, anunciou num vídeo no twitter que “o momento” era “agora”. Pediu aos militares (aparentemente agora do seu lado) que se juntassem na base militar la Carlota e à população que fosse para as ruas de Caracas, para que a Assembleia Nacional, liderada por si, finalmente recuperasse o poder usurpado.
Quem tem verdadeiro apego à democracia e, principalmente, à preservação da vida humana, ficou em suspenso. Os venezuelanos precisam urgentemente de um novo regime e com esse novo regime, de um recomeço, para que lhe sejam devolvidas as mais elementares condições de dignidade.
Mas em vez do que esperávamos, tivemos, no dia a seguir, uma conferência de imprensa do secretário de estado norte-americano, Mike Pompeo, a dizer que a Rússia tinha dado cabo dos planos. Ou melhor, tinham mesmo roído a corda: já havia um avião à espera de Nicolás Maduro para o levar para o exílio em Cuba. Mas os russos “convenceram” o líder bolivariano a ficar.
Esta conferência de imprensa é, no mínimo, bizarra. Sabia-se que um conjunto de países liderados pelos Estados Unidos estavam a fazer uma enorme pressão sobre o regime de Caracas para abandonar o poder e abrir caminho a que Juan Guaidó convocasse eleições livres. Também se sabia que a Rússia estaria a fazer a pressão contrária. No entanto, os EUA e os seus aliados pareciam estar em vantagem. Em circunstâncias normais, Guaidó não teria livre-trânsito para continuar a tentar derrubar o bolivarianismo. A pressão internacional – apesar dos discursos inflamados de Maduro – estava, pelo menos, a segurar o autoproclamado presidente.
Mas esta semana mostrou-nos que não é bem assim. Moscovo tem muito mais influência neste processo do que se poderia pensar à primeira vista. E, aparentemente, bastou uma intromissão para que os planos venezuelo-americanos fossem por água abaixo.
A Rússia negou, como nega sempre. Mas por muitas voltas que se dêem, Washington passou por um dos mais embaraçosos momentos da sua história recente: parece ter deixado de ter influência suficiente para organizar aquela que é, há dois séculos, a sua área de influência. E é nestas questões que se mede a força e influência de uma grande potência.
Acerca deste assunto, as acusações de parte a parte sucederam-se e as negociações continuam. A Rússia parece dar mostras de estar a ceder – mas nos seus próprios termos. Não porque Moscovo tenha mais força que Washington. Mas porque sabemos que o regime de Putin tem levado as suas ameaças até às últimas consequências – usando a força militar se necessário – enquanto os Estados Unidos, apesar de terem garantido que iriam intervir se necessário, parecem estar cada vez mais reticentes em levar a sua coerção a cabo.
Mike Pompeo e Sergei Lavrov partem em breve para Helsínquia, onde terão uma longa conversa sobre a Venezuela. Para bem dos venezuelanos, deveria encontrar-se uma solução rapidamente. Maduro já não tem condições nem legitimidade para governar e a população precisa de um recomeço, o mais brevemente possível. Para que a catástrofe humanitária comece a retroceder.
Mas aconteça o que acontecer, uma coisa é certa: os Estados Unidos tiveram um grande revés no que respeita à autoridade que tinham no sistema internacional – por falta de vontade política ou por incapacidade. Para o caso tanto faz. E quando é assim, quando há um vazio de poder, não faltam candidatos para mandar no mundo. E a Rússia de Putin e a China de Xi Jinping estão na primeira fila para ocupar o lugar deixado vago.
COMENTÁRIOS:
Manuel Vaz: Quem  manda: iraque, afeganistão, iemen, libia, siria, irão, venezuela... etc
Alfredo Cruz: Cara Diana Soller Neste momento ninguém manda no MUNDO. E esse é um problema que está a causar todo este desconforto e algum caos. Aliás desde a dissolução da URSS e do Pacto de Varsóvia, em que o Mundo se tornou monopolar, os EUA nunca quiseram assumir-se como os Polícias do Mundo, porque era caro e exigia compromissos. A actual administração americana está a voltar ao isolacionismo, tão vogo dos anos 30 do século XX.
Fernando Fernandes: Um artigo estranho... Defende ataques a esmo? Defende intervenções com milhares de mortos? Quer que Trump seja um Obama 2.0? Querida, diplomacia. É mais importante negociar. A Rússia anda por este mundo com duas pistolas à cintura, mas não passa dum pobre que mata à paulada os pobres que lhe aparecem  pela frente. A Rússia arma-se à custa da miséria de 2/3 de sua população.  Trump sabe que Maduro vai cair de maduro. É só esperar para ver.
William Smith: Por volta de 1960, Khrushchov garantia que, passados uns 20 anos, a URSS ultrapassaria os States. Os resultados estão à vista. Na década de 80, seria o Japão a ultrapassar os States, também num prazo de mais ou menos 20 anos. Não ultrapassaram nem nada que se pareça. De há uns anos para cá, é a China. Enfim... Mas o que eu gostava de adivinhar era qual será o país escolhido para ultrapassar os States daqui a 20 anos? É que já cansa de tanta previsão falhada.
PortugueseMan:  ...A Rússia parece dar mostras de estar a ceder – mas nos seus próprios termos... E diz isto porque...? Está a ceder exactamente em quê? ...Não porque Moscovo tenha mais força que Washington. Mas porque sabemos que o regime de Putin tem levado as suas ameaças até às últimas consequências – usando a força militar se necessário... Então uma vez mais a questão. Estão a ceder porque...? ...enquanto os Estados Unidos, apesar de terem garantido que iriam intervir se necessário, parecem estar cada vez mais reticentes em levar a sua coerção a cabo... E como é que exactamente os EUA vão intervir militarmente na Venezuela? Vão bombardear aquilo? Uma invasão terrestre? Falar é fácil... ...os Estados Unidos tiveram um grande revés no que respeita à autoridade que tinham no sistema internacional – por falta de vontade política ou por incapacidade... Bem, ninguém disse que a transição de um mundo unipolar para um mundo multipolar iria ser fácil... Tanto a Rússia como a China estão cada vez mais fortes, juntos têm capacidade económica e militar para causar muitos dissabores.
Jose Faria > Mosava Ickx: Quantas bombas largadas pelo Trump em mais de dois anos? Seis meses após a presidência de Trump, os dados mostravam que ele lançou 20.650 bombas até 31 de Julho de 2017, ou seja: mais 80% do que Obama em 2016. Trump é o presidente mais agressivo da história moderna. Fonte: Foreign Policy, publicação de notícias americana, fundada em 1970 e focada em assuntos globais, eventos actuais e política doméstica e internacionai. Produz conteúdo diário no seu site, e em seis edições impressas anualmente.
II - VENEZUELA:   Quociente de ingerência /premium
JOSÉ DIOGO QUINTELA        OBSERVADOR, 7/5/2019, 0:29143
Os turistas da desgraça alheia são os ocidentais que diziam que só valia a pena visitar Cuba enquanto Fidel fosse vivo. Após da morte do tirano a pitoresca penúria cubana ia-se tornar desinteressante.
À primeira vista, o momento em que manifestantes venezuelanos fazem frente aos tanques, em Caracas, lembra o que ocorreu há 30 anos na Praça Tiananmen, em Pequim, quando um chinês se pôs à frente de uma coluna de carros de combate. Em ambas vemos gente que, por viver há tanto tempo numa ditadura comunista na bancarrota, onde se anda a pé ou de bicicleta, já não está habituada a lidar com circulação automóvel nas ruas e deixou de saber comportar-se face a veículos motorizados. Contudo, essa é uma análise superficial e preguiçosa e o leitor sabe que não é isso que encontra aqui. Nos meus textos há, sim, análise profunda e laborada, porém idiota.
Uma observação mais cuidada a estas duas altercações no trânsito revela a diferença fundamental entre elas. E não, não é o atropelamento em Caracas, embora, de facto, seja extraordinário o momento em um dos tanques, perseguindo os manifestantes, galga o separador central da estrada e passa a ferro uma ou duas dúzias de pessoas. São imagens incríveis. Não acredito que haja alguém que não tenha ficado impressionado, alguém que achasse verosímil acontecer aquilo. Fico perplexo de cada vez que revejo as imagens. Como é possível, em 2019 na Venezuela, ainda haver gasolina para aquelas acelerações? Um arranque a alta rotação, subindo um obstáculo grande e vários pequenos? Mesmo tratando-se de lingrinhas, que a população está toda à míngua? Aquela condução desportiva é coisa para queimar 30 litros aos 100. Fiquei estupefacto. Mas não fui o único: nas imagens, percebe-se que os atropelados também não estavam à espera que o condutor puxasse tanto pelo motor.
Mas, como dizia, não é essa a diferença essencial entre os acontecimentos de Pequim e de Caracas. A grande diferença está nos manifestantes. Como os venezuelanos estão todos a fugir, é difícil ver à primeira. Mas uma visualização atenta permite verificar que, ao contrário do chinês, os manifestantes venezuelanos não carregam dois sacos de plástico cheios. A diferença é essa: na Venezuela, a miséria é tanta que já nem sequer há compras. Na Venezuela vive-se muito mal, mas percebe-se que haja quem, em Portugal, julgue o contrário. É possível que, olhando para tantos venezuelanos com fatos-de-treino de cores berrantes, iguais aos que as famílias portuguesas usavam na década de 90 para passear em centros comerciais ao fim-de-semana, haja quem ache que isso significa que na Venezuela ainda há centros comerciais abertos, logo, está tudo bem.
Em princípio, quem pensa assim é do BE ou do PCP, partidos que, a pretexto da ingerência externa, querem que tudo fique na mesma. Para já, é caricato queixarem-se de ingerência num país onde se ingere tão pouco. Depois, é estranho serem os dois partidos a protestarem contra a ingerência, quando grande parte da sua ideologia implica ingerência do Estado na vida de cada português, desde a escola para onde temos de mandar os filhos, até aos hospitais onde podemos ser tratados, passando pelas informações que o fisco recolhe sobre o que fazemos com o nosso dinheiro.
A explicação é simples. O problema do BE e do PCP não é com a ingerência em si. O problema é, especificamente, com a ingerência dos EUA. Quando a ingerência é russa, chinesa ou cubana, é-lhes indiferente. A americana é que faz espécie. É impressão minha ou, quando um país é o único a ser criticado por uma acção que vários praticam, estamos perante xenofobia? Enfim, não sou especialista em opressão & vitimização, deixo ao cuidado de um dos grémios de activistas que se ocupam destes temas, para que faça o escarcéu online e a queixa da praxe ao organismo público competente.
O argumento usado pela extrema-esquerda é o do direito do povo venezuelano à autogovernação. Em princípio, estou de acordo. Sucede que o povo venezuelano já exerceu o autogoverno. Foi em 2015, numas eleições parlamentares que Maduro perdeu. No seguimento da derrota, Maduro inventou uma Assembleia Constituinte ilegítima, sequestrando a soberania ao povo. Neste momento, a ingerência é praticada por Maduro.
Não digo que os EUA não estejam a intrometer-se na Venezuela. Aliás, espero que estejam. Dos países que ingerem, a América é o meu predilecto. É o mais justo, o mais civilizado, o mais democrático, o que faz o melhor entretenimento, tem o melhor desporto e o imperialismo mais fixe. Se é para ser ingerido, que seja pelos EUA. Vamos supor que o mundo é uma prisão de máxima segurança e que os países mais pequenos sabem que vão ser sexualmente abusados pelos grandalhões. Eu oferecia-me logo em namoro à América. Em exclusividade. De todos os reclusos que se imiscuem é o mais asseado, provavelmente o único que faz a depilação.
Só que a esquerda não pensa assim. Abomina a América e tudo o que representa, como não se cansa de nos informar nas redes sociais americanas, através de computadores e telefones americanos, repisando argumentos anti-América desenvolvidos nas universidades americanas por intelectuais americanos e estrangeiros recebidos na América para dizer mal da América, e propagados por canais de televisão americanos ou serviços de streaming americanos a partir da internet americana.
Mas percebe-se a apreensão de quem não quer que Maduro saia. Tudo indica que a Venezuela começou o caminho inexorável para a democracia, o que significa que os turistas da desgraça alheia têm menos tempo para planear a sua visita. Os turistas da desgraça alheia são os ocidentais que diziam que só valia a pena visitar Cuba enquanto Fidel Castro fosse vivo. Depois da morte do tirano, a pitoresca penúria cubana ia-se tornar desinteressante, estragada pela afluência que a democracia inevitavelmente traz. Agora que Cuba começa a ficar feia, a Venezuela é o novo destino desses viajantes. Se querem aproveitar para ver carestia autêntica, não adulterada, têm de lá ir antes da morte. Não do ditador (até porque na Venezuela são substituídos), mas do povo todo. A este ritmo não dura muito. A pobreza very typical só tem graça com pobres a desfrutarem dela. De que serve ao turista visitar um hospital sem medicamentos, se não houver pessoas a passar mal por causa disso? É ir agora, enquanto ainda sobram venezuelanos miseráveis com quem tirar selfies. Cautela só para não as tirar na rua, não vá vir um tanque a acelerar.
COMENTÁRIOS:
Maria L Gingeira: Isto não é humor negro, é gozar com a desgraça humana.
Antonio Fonseca > Maria L Gingeira: Essa desgraça foi causada pelos amigos da Maria. 
chints CHINTS: Fabuloso humor negro. Nem a perseguição da esquerda o faz calar. Bravo Quintela!!

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