Dois excelentes textos com
características opostas e que no entanto se conjugam numa comum sensibilidade,
com que encaram o problema venezuelano: O primeiro, de Diana Soller, pretende ser um comentário sério e perplexo
(de aparência ingénua) às políticas do mundo, uma reflexão feita de desconcerto,
pesaroso e amedrontado, por esperar uma actuação mais drástica de Donald Trump,
como este prometera, aliás, no caso de um ditador – Maduro, ser indigno, que reduz o seu povo a uma miséria que pareceria
anedótica, não fosse ela tão trágica e desfiguradora de toda a racionalidade, (apesar
de apoiado o seu líder no nosso país pelos habituais atacantes de uma América “reprovavelmente”
capitalista). Mas esta última asserção, é o segundo articulista – José Diogo Quintela – que melhor
a explana, numa crónica de uma mordacidade e sentido de humor, não perverso mas
sadio, embora “negro”, como apontam alguns comentadores, e que os comentadores
de esquerda não deixam de atacar com a costumeira ferocidade de expressão primitiva,
mas que outros mais argutos admiram como brilhante. Um bravo aos dois.
Washington
passou por um dos mais embaraçosos momentos da sua história recente: parece ter
deixado de ter poder suficiente para organizar aquela que é, há dois séculos, a
sua zona de influência.
Há
assuntos que podem ser impopulares, mas têm de ser abordados. Um deles, são os
acontecimentos da semana passada na Venezuela. Na terça-feira, Juan Guaidó
foi libertar Leopoldo López – preso domiciliário do regime de Maduro – com
pompa e circunstância, anunciou num vídeo no twitter que “o momento” era
“agora”. Pediu aos militares (aparentemente agora do seu lado) que se juntassem
na base militar la Carlota e à população que fosse para as ruas de Caracas,
para que a Assembleia Nacional, liderada por si, finalmente recuperasse o poder
usurpado.
Quem
tem verdadeiro apego à democracia e, principalmente, à preservação da vida
humana, ficou em suspenso. Os venezuelanos precisam urgentemente de um novo
regime e com esse novo regime, de um recomeço, para que lhe sejam devolvidas as
mais elementares condições de dignidade.
Mas
em vez do que esperávamos, tivemos, no dia a seguir, uma conferência de
imprensa do secretário de estado norte-americano, Mike Pompeo, a dizer que a
Rússia tinha dado cabo dos planos. Ou melhor, tinham mesmo roído a corda: já
havia um avião à espera de Nicolás Maduro para o levar para o exílio em Cuba.
Mas os russos “convenceram” o líder bolivariano a ficar.
Esta
conferência de imprensa é, no mínimo, bizarra. Sabia-se que um conjunto de
países liderados pelos Estados Unidos estavam a fazer uma enorme pressão sobre
o regime de Caracas para abandonar o poder e abrir caminho a que Juan Guaidó
convocasse eleições livres. Também se sabia que a Rússia estaria a fazer a
pressão contrária. No entanto, os EUA e os seus aliados pareciam estar em
vantagem. Em circunstâncias normais, Guaidó não teria livre-trânsito para
continuar a tentar derrubar o bolivarianismo. A pressão internacional – apesar
dos discursos inflamados de Maduro – estava, pelo menos, a segurar o
autoproclamado presidente.
Mas
esta semana mostrou-nos que não é bem assim. Moscovo tem muito mais
influência neste processo do que se poderia pensar à primeira vista. E,
aparentemente, bastou uma intromissão para que os planos venezuelo-americanos
fossem por água abaixo.
A
Rússia negou, como nega sempre.
Mas por muitas voltas que se dêem, Washington passou por um dos mais
embaraçosos momentos da sua história recente: parece ter deixado de ter
influência suficiente para organizar aquela que é, há dois séculos, a sua área
de influência. E é nestas questões que se mede a força e influência de uma
grande potência.
Acerca
deste assunto, as acusações de parte a parte sucederam-se e as negociações
continuam. A Rússia parece dar mostras de estar a ceder – mas nos seus
próprios termos. Não porque Moscovo tenha mais força que Washington. Mas porque
sabemos que o regime de Putin tem levado as suas ameaças até às últimas
consequências – usando a força militar se necessário – enquanto os Estados
Unidos, apesar de terem garantido que iriam intervir se necessário, parecem estar
cada vez mais reticentes em levar a sua coerção a cabo.
Mike
Pompeo e Sergei Lavrov partem em breve para Helsínquia, onde terão uma longa
conversa sobre a Venezuela. Para bem dos venezuelanos, deveria encontrar-se uma
solução rapidamente. Maduro já não tem condições nem legitimidade para governar
e a população precisa de um recomeço, o mais brevemente possível. Para que a
catástrofe humanitária comece a retroceder.
Mas
aconteça o que acontecer, uma coisa é certa: os Estados Unidos tiveram um
grande revés no que respeita à autoridade que tinham no sistema internacional –
por falta de vontade política ou por incapacidade. Para o caso tanto faz. E
quando é assim, quando há um vazio de poder, não faltam candidatos para mandar
no mundo. E a Rússia de Putin e a China de Xi Jinping estão na primeira fila
para ocupar o lugar deixado vago.
COMENTÁRIOS:
Manuel Vaz: Quem manda: iraque, afeganistão, iemen,
libia, siria, irão, venezuela... etc
Alfredo Cruz: Cara Diana Soller Neste momento
ninguém manda no MUNDO. E esse é um problema que está a causar todo este
desconforto e algum caos. Aliás desde a dissolução da URSS e do Pacto de
Varsóvia, em que o Mundo se tornou monopolar, os EUA nunca quiseram assumir-se
como os Polícias do Mundo, porque era caro e exigia compromissos. A actual
administração americana está a voltar ao isolacionismo, tão vogo dos anos 30 do
século XX.
Fernando
Fernandes: Um artigo estranho... Defende ataques a
esmo? Defende intervenções com milhares de
mortos? Quer que Trump seja um Obama 2.0? Querida, diplomacia. É mais importante negociar. A Rússia anda por este mundo com duas pistolas à
cintura, mas não passa dum pobre que mata à paulada os pobres que lhe aparecem pela frente. A
Rússia arma-se à custa da miséria de 2/3 de sua população. Trump sabe que Maduro vai cair de maduro. É só
esperar para ver.
William Smith: Por volta de 1960, Khrushchov
garantia que, passados uns 20 anos, a URSS ultrapassaria os States. Os resultados estão à vista. Na década de 80, seria o Japão a ultrapassar
os States, também num prazo de mais ou menos 20 anos. Não ultrapassaram nem
nada que se pareça. De há uns anos para cá,
é a China. Enfim... Mas o que eu gostava de adivinhar era qual
será o país escolhido para ultrapassar os States daqui a 20 anos? É que já
cansa de tanta previsão falhada.
PortugueseMan: ...A Rússia parece dar mostras de estar a ceder – mas nos
seus próprios termos... E diz isto porque...? Está a
ceder exactamente em quê? ...Não porque Moscovo tenha mais força que Washington. Mas
porque sabemos que o regime de Putin tem levado as suas ameaças até às últimas
consequências – usando a força militar se necessário... Então uma vez mais a questão. Estão a ceder porque...? ...enquanto
os Estados Unidos, apesar de terem garantido que iriam intervir se necessário,
parecem estar cada vez mais reticentes em levar a sua coerção a cabo... E como é
que exactamente os EUA vão intervir militarmente na Venezuela? Vão bombardear
aquilo? Uma invasão terrestre? Falar é fácil... ...os Estados Unidos tiveram um
grande revés no que respeita à autoridade que tinham no sistema internacional –
por falta de vontade política ou por incapacidade... Bem, ninguém disse que a transição de um
mundo unipolar para um mundo multipolar iria ser fácil... Tanto a Rússia
como a China estão cada vez mais fortes, juntos têm capacidade económica e
militar para causar muitos dissabores.
Jose Faria > Mosava Ickx: Quantas bombas largadas pelo
Trump em mais de dois anos? Seis meses após a presidência de Trump, os dados mostravam que ele lançou
20.650 bombas até 31 de Julho de 2017, ou seja: mais 80% do que Obama em 2016. Trump é o presidente mais agressivo da história
moderna. Fonte: Foreign Policy, publicação de notícias americana, fundada em
1970 e focada em assuntos globais, eventos actuais e política doméstica e internacionai.
Produz conteúdo diário no seu site, e em seis edições impressas anualmente.
II - VENEZUELA: Quociente
de ingerência /premium
JOSÉ DIOGO QUINTELA OBSERVADOR, 7/5/2019,
0:29143
Os
turistas da desgraça alheia são os ocidentais que diziam que só valia a pena
visitar Cuba enquanto Fidel fosse vivo. Após da morte do tirano a pitoresca
penúria cubana ia-se tornar desinteressante.
À
primeira vista, o momento em que manifestantes venezuelanos fazem frente aos
tanques, em Caracas, lembra o que ocorreu há 30 anos na Praça Tiananmen, em
Pequim, quando um chinês se pôs à frente de uma coluna de carros de combate. Em
ambas vemos gente que, por viver há tanto tempo numa ditadura comunista na
bancarrota, onde se anda a pé ou de bicicleta, já não está habituada a lidar
com circulação automóvel nas ruas e deixou de saber comportar-se face a
veículos motorizados. Contudo, essa é uma análise superficial e preguiçosa e o
leitor sabe que não é isso que encontra aqui. Nos meus textos há, sim, análise profunda e laborada,
porém idiota.
Uma
observação mais cuidada a estas duas altercações no trânsito revela a diferença
fundamental entre elas. E não, não é o atropelamento em Caracas, embora, de
facto, seja extraordinário o momento em um dos tanques, perseguindo os
manifestantes, galga o separador central da estrada e passa a ferro uma ou duas
dúzias de pessoas. São imagens incríveis. Não acredito que haja alguém que não
tenha ficado impressionado, alguém que achasse verosímil acontecer aquilo. Fico
perplexo de cada vez que revejo as imagens. Como é possível, em 2019 na
Venezuela, ainda haver gasolina para aquelas acelerações? Um arranque a alta
rotação, subindo um obstáculo grande e vários pequenos? Mesmo tratando-se de
lingrinhas, que a população está toda à míngua? Aquela condução desportiva é
coisa para queimar 30 litros aos 100. Fiquei estupefacto. Mas não fui o único:
nas imagens, percebe-se que os atropelados também não estavam à espera que o
condutor puxasse tanto pelo motor.
Mas,
como dizia, não é essa a diferença essencial entre os acontecimentos de Pequim
e de Caracas. A grande diferença está nos manifestantes. Como os
venezuelanos estão todos a fugir, é difícil ver à primeira. Mas uma
visualização atenta permite verificar que, ao contrário do chinês, os
manifestantes venezuelanos não carregam dois sacos de plástico cheios. A diferença
é essa: na Venezuela, a miséria é tanta que já nem sequer há compras. Na
Venezuela vive-se muito mal, mas percebe-se que haja quem, em Portugal, julgue
o contrário. É possível que, olhando para tantos venezuelanos com
fatos-de-treino de cores berrantes, iguais aos que as famílias portuguesas
usavam na década de 90 para passear em centros comerciais ao fim-de-semana,
haja quem ache que isso significa que na Venezuela ainda há centros comerciais
abertos, logo, está tudo bem.
Em
princípio, quem pensa assim é do BE ou do PCP, partidos que, a pretexto da
ingerência externa, querem que tudo fique na mesma. Para já, é caricato
queixarem-se de ingerência num país onde se ingere tão pouco. Depois, é
estranho serem os dois partidos a protestarem contra a ingerência, quando
grande parte da sua ideologia implica ingerência do Estado na vida de cada
português, desde a escola para onde temos de mandar os filhos, até aos
hospitais onde podemos ser tratados, passando pelas informações que o fisco
recolhe sobre o que fazemos com o nosso dinheiro.
A
explicação é simples. O problema do BE e do PCP não é com a ingerência em si. O
problema é, especificamente, com a ingerência dos EUA. Quando a ingerência é
russa, chinesa ou cubana, é-lhes indiferente. A americana é que faz espécie. É impressão minha
ou, quando um país é o único a ser criticado por uma acção que vários praticam,
estamos perante xenofobia? Enfim, não sou especialista em opressão &
vitimização, deixo ao cuidado de um dos grémios de activistas que se ocupam destes
temas, para que faça o escarcéu online e a queixa da praxe ao organismo público
competente.
O
argumento usado pela extrema-esquerda é o do direito do povo venezuelano à
autogovernação. Em princípio, estou de acordo. Sucede que o povo venezuelano já
exerceu o autogoverno. Foi em 2015, numas eleições parlamentares que Maduro
perdeu. No seguimento da derrota, Maduro inventou uma Assembleia Constituinte
ilegítima, sequestrando a soberania ao povo. Neste momento, a ingerência é
praticada por Maduro.
Não
digo que os EUA não estejam a intrometer-se na Venezuela. Aliás, espero que
estejam. Dos países que ingerem, a América é o meu predilecto. É o mais justo,
o mais civilizado, o mais democrático, o que faz o melhor entretenimento, tem o
melhor desporto e o imperialismo mais fixe. Se é para ser ingerido, que seja
pelos EUA. Vamos supor que o mundo é uma prisão de máxima segurança e que os
países mais pequenos sabem que vão ser sexualmente abusados pelos grandalhões.
Eu oferecia-me logo em namoro à América. Em exclusividade. De todos os reclusos
que se imiscuem é o mais asseado, provavelmente o único que faz a depilação.
Só
que a esquerda não pensa assim. Abomina a América e tudo o que representa, como
não se cansa de nos informar nas redes sociais americanas, através de
computadores e telefones americanos, repisando argumentos anti-América
desenvolvidos nas universidades americanas por intelectuais americanos e
estrangeiros recebidos na América para dizer mal da América, e propagados por
canais de televisão americanos ou serviços de streaming americanos a
partir da internet americana.
Mas
percebe-se a apreensão de quem não quer que Maduro saia. Tudo indica que a
Venezuela começou o caminho inexorável para a democracia, o que significa que
os turistas da desgraça alheia têm menos tempo para planear a sua visita. Os
turistas da desgraça alheia são os ocidentais que diziam que só valia a pena
visitar Cuba enquanto Fidel Castro fosse vivo. Depois da morte do tirano, a
pitoresca penúria cubana ia-se tornar desinteressante, estragada pela afluência
que a democracia inevitavelmente traz. Agora que Cuba começa a ficar feia, a
Venezuela é o novo destino desses viajantes. Se querem aproveitar para ver
carestia autêntica, não adulterada, têm de lá ir antes da morte. Não do ditador (até porque na Venezuela são
substituídos), mas do povo todo. A este ritmo não dura muito. A pobreza very
typical só tem graça com pobres a desfrutarem dela. De que serve ao
turista visitar um hospital sem medicamentos, se não houver pessoas a passar
mal por causa disso? É ir agora, enquanto ainda sobram venezuelanos miseráveis
com quem tirar selfies. Cautela só para não as tirar na rua, não vá vir um
tanque a acelerar.
COMENTÁRIOS:
Maria L Gingeira: Isto
não é humor negro, é gozar com a desgraça humana.
Antonio Fonseca > Maria L Gingeira: Essa desgraça foi causada pelos amigos da
Maria.
chints CHINTS: Fabuloso
humor negro. Nem a perseguição da esquerda o faz calar. Bravo Quintela!!
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