José Pacheco Pereira vê-se que
está feliz, orgulhoso – não do caminho percorrido, nem sempre isento de censura,
ele sabe-o, mas provavelmente da parte que tomou aquando dos “quarenta e cinco
anos atrás”, que – hélas – já cá cantam, ou, como diz PP, regalado, “já estão no papo”, e nos dão prestígio
até no estrangeiro, pioneiros que fomos, cá no Ocidente, a fazermos atentados
de cravo ao peito, flor, de resto, desdenhada de PP. Repisemos, pois, como homenagem de perpetuidade, os
versos conclusivos da “Gaivota” da Ermelinda Duarte, que se coadunam com o estado de
espírito eufórico de PP, embora ele seja mais de exegeses malabarísticas,
desdenhosas, com certeza desses simplismos de gaivotas surrealistas com asas de
vento mais o coração de mar -- Somos um povo que cerra fileiras, . parte à
conquista do pão e da paz. Somos livres, somos livres, .não voltaremos atrás.
Não há que negar, o 25 de Abril tem
mesmo nomeada, mas não sei se Trump foi informado disso neste mundo de
relativismos tão sem jeito.
OPINIÃO
Outros 25 de Abril
As coisas podem mudar no futuro, porque o futuro é
imprevisível, mas 45 anos já estão no papo.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 27 de Abril de 2019
O
que dá vida ao 25 de Abril em 2019 é nele caberem várias causas para além da
celebração da data de 1974. É
já uma manifestação internacional, com presença de brasileiros, de catalães, de
franceses, de alemães, alguns dos quais vivem em Portugal, e outros são
turistas que sabem muito bem o que estão a fazer e não se ficam pelos
monumentos nem pelas sardinhas. Quer as cerimónias oficiais, quer as
chamadas “comemorações populares”, são interessantes de seguir para além do
dilema que mobiliza os jornalistas quando não há mais nada para dizer: quem
leva cravo e quem não leva. (De passagem repito que nunca levei cravo na
Assembleia, primeiro porque não preciso de mostrar nada, segundo, porque não
gosto da flor.) Na Assembleia já assisti a discursos ridículos em que, à
direita, houve quem citasse Rosa Luxemburgo, depois de uma consulta apressada
à Wikipedia, como tendo feito declarações em 1921, ou seja, dois anos
depois de estar morta. E este lado oficial substituía-o muito bem por ver a
Assembleia, Governo e autoridades “comemorar” o 25 de Abril com uma obra
qualquer que passasse a ser ligada a esta data, um centro de saúde numa zona do
interior, uma biblioteca, um jardim, mais uma linha de transportes públicos,
etc. Em muitos casos é até mais barato do que as pompas militares e civis desse
dia.
Mas a rua é de um modo geral mais interessante,
numa manifestação mais “livre” e mais plural do que é costume, em que o PCP
participa com um elevado número de militantes, mas não lhe dá o tom. Das
Toupeiras ao BE, a outros grupos esquerdistas e de causas, ecologistas,
feministas, LGBT, ou mesmo a participações individuais de um solitário com uma
queixa ou uma causa, todos vão lá. É também uma manifestação mais diversa
etariamente, com a participação de casais e famílias, num ambiente que vai da
luta à festa.
Com imagens tiradas no 25 de Abril pelos voluntários do Arquivo
Ephemera vamos revisitar o dia.
FOTO
1. A
primeira imagem mostra uma pequena manifestação no dia 25 de Abril do Movimento
dos Coletes Amarelos Portugueses com cerca de 20 pessoas. Ao manifestarem-se no
25 de Abril, fazem uma homenagem irónica ao significado da data, provavelmente
não pretendida. As palavras de ordem da manifestação são aceitáveis embora
contraditórias: “Corrupção = Prisão”, “IVA mais baixo”, “combustível mais
barato”, aumento do salário mínimo”, “abolição das portagens das Scut”, etc.. Mas
a afirmação, mais do que palavra de ordem, do cartaz que reproduzimos é que tem
um imenso problema. “Aqui não há partidos”, ou seja, não há democracia. Ponto.
FOTO
2. A
Iniciativa Liberal, que participa pela primeira vez, é um novo partido
normalmente classificado à direita do espectro político. Mas, como se passa há
muito com a dicotomia esquerda/direita, ela é muito pouco esclarecedora da
complexidade da vida política dos dias de hoje. Como já
escrevi, a dicotomia esquerda/direita não é heurística, não
permite esclarecer muita coisa e, quando é aplicada, dá resultados simplistas
ou confusos. Os libertários americanos, por exemplo, não querem Estado,
mas querem a liberalização das drogas. Têm nas suas sedes Bakunine e Milton
Friedman. Hoje, em Portugal, há muitos que se autodenominam liberais quando na
realidade têm as mesmas causas de Steve Bannon, ainda que com palavras mais
mansas. Mas esses não estiveram na manifestação do 25 de Abril, estiveram em
suas casas a espumar contra o “marxismo cultural”, coisa que obviamente não
sabem o que é.
FOTO
3. Os
catalães manifestaram-se em Lisboa pelo direito à autodeterminação da Catalunha
e em solidariedade com os presos políticos a ser
julgados em Madrid por “sedição” e outros crimes que, no contexto
das pessoas presas e das suas causas, são pretextos jurídicos para perseguições
políticas. Se a acusação e os juízes se tomarem a sério no que dizem e no que
fazem, vão ter penas da ordem de dezenas de anos de prisão. Na verdade,
a causa dos presos políticos é a que no 25 de Abril deveria estar no âmago da
manifestação, desde a frente até à rectaguarda. Pode haver quem não concorde
com a independência da Catalunha, embora haja alguma hipocrisia em quem traga
um autocolante ou um pin a favor de Rojava, o território curdo da
Síria, ou do Curdistão. Mas os presos que foram libertados de Caxias e de Peniche
sempre contaram com a solidariedade de estrangeiros, e devemos o mesmo aos
catalães.
4. A última imagem mostra um miúdo a
puxar para a frente uma senhora, que pode ser a sua mãe ou avó. Não sabemos as
motivações da criança, pode ter feito este gesto porque estava farto da
manifestação e queria ir-se embora depressa. Mas a imagem tem um valor simbólico.
A senhora atrás viveu o 25 de Abril, a criança nem deve saber o que é. Não vou
aqui repetir os lugares comuns sobre o futuro e o passado, mas lembrar que a
memória e o sentido da memória dura muito pouco. Quem é que hoje sabe alguma
coisa sobre os “bravos do Mindelo”? Conta-se pelos dedos da mão. Com o 25 de
Abril, vai acontecer o mesmo, com o tempo, esse mestre da usura das coisas.
Mas, ainda hoje, Portugal é diferente, e milhões de portugueses viveram e
morreram desde 1832 de forma diferente, por causa dos “bravos do Mindelo”, e o
mesmo se aplica ao 25 de Abril de 1974. As coisas podem mudar no futuro, porque
o futuro é imprevisível, mas 45 anos já estão no papo.
Foto
COMENTÁRIOS
FPS, Vale de Santarém 27.04.2019 21:06: Bravo, Bravo, meu caro José Pacheco Pereira!
Francis Delannoy, 27.04.2019 17:57: antigamente antes do 25 de abril a moda era calai vos
que nós é que sabemos. hoje, depois do 25 de abril a moda é podeis falar à
vontade , mas nós é que sabemos..
albergaselizete, 27.04.2019 22:58: «...mas nós é que sabemos...» e decidimos por todos,
como melhor servir os nossos interesses. Dito de outra forma: a porcaria piorou
e as moscas mudaram para varejas.
nelsonfari,
Portela-Loures 27.04.2019 15:31: Quando
acabam as manifestações JPP vai para casa e toma banho. Depois lá vai ele para
a SIC palrar na "A Quadratura do Círculo", perdão, para a TVI e
"A circulatura do Quadrado", confraternizar com os camaradas Jorge
Coelho e António Lobo Xavier.
Colete Amarelo: Aqui mesmo 27.04.2019 14:24:
O valor simbólico da imagem da criança
com a suposta avó merecia mais do que uma alusão à efemeridade de tudo. O cravo
que renasce neste dia, murcha na escrita de JPP.
Jorge Sm, Portugal 27.04.2019 14:01: Crónica deliciosa.
agany, Setúbal 27.04.2019 13:10: Ainda persiste a cultura dos jeitinhos, das cunhas e
dos padrinhos porque a democracia ainda não maturou.
Stony Brook NY, Marialva Beira Alta27.04.2019 12:00: Bonito ver o que cabe hoje no 25A. Ponho-me a
imaginar o que será daqui a outros 45 anos e talvez se transforme numa
celebração colectiva das liberdades individuais, quem sabe se não então uma
forma de resistência disfarçada contra os descendentes do artigo 13. Como se
dizia antes do primeiro 25A - viv'ó Benfica!
bento guerra, 27.04.2019 11:22: Podem limpar as mãos à parede.
Conde do Cruzeiro, Assinante.27.04.2019
16:14: Tens mãos?
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