Um texto com que me identifico, este de Daniel Catarino da Silva tanto
relativamente ao papel dos professores na sociedade, trabalho de sapa de que
ninguém se apercebe e que, todavia, tanto contribui para o desenvolvimento
intelectual e cívico da gente jovem, como no apontar de uma figura de varapau e
voz estridente de que aqueles se fazem representar há tantos anos, pessoa sem
resquícios de educação, apesar de se identificar como pertencente ao foro
educativo. Concordo com a apologia que Daniel Catarino da Silva faz dos professores, de quem a sociedade necessita,
mas esqueceu-se de referir as condições de violência em que estes trabalham, cada
vez mais destituídas de harmonia, em processo deseducativo que o ministério da
educação favorece, na abundância de imposições burocráticas, na permissividade da
indisciplina, no desrespeito, afinal, generalizado, de toda uma sociedade que a
conquista das liberdades inebriou imoderadamente. Um bonito texto de um jovem
educado, mas a luta dos professores pelo seu tempo de serviço congelado também parece
justa, afinal. E de novo vão voltar as greves: desses, daqueles, dos outros,
que os partidos da virtude vão estimular. Lá se vão as ilusões dos jovens bem
formados, como este estudante de medicina que vive num país mais cordato e
justo, certamente. E menos endividado.
OPINIÃO
2019:
Odisseia na Educação
Os
professores são essenciais à sociedade. Não se permitam ser representados por
uma versão menor, sem visão, insubstancial e irresponsável da vossa classe.
Vocês merecem melhor.
Daniel Catarino da Silva
PÚBLICO, 9 de Maio de 2019
Os
professores estão numa guerra em
que, lamentavelmente e sem que pareçam imbuídos da lucidez necessária para essa
compreensão, serão eles quem mais irá perder. Há mais de uma década que o
discurso do corpo docente, através da sua máxima representação sindical, tem
uma elocução inflamada, autocentrada e profundamente corporativista, que
cultiva no espaço público a imagem dos professores como gente cismada nas suas
carreiras e salários. Infelizmente, este desenho mal pintado, não só não é
minimamente representativo, como estoura a sua respeitabilidade social, que é
pedra angular para o eficaz desempenho das suas funções.
Os
professores desempenham uma das missões mais críticas na sociedade, na
propagação do conhecimento, nas suas diferentes áreas, mas sobretudo na
estruturação de consciências activas e críticas, do ponto de vista intelectual
e cívico. Assim, as escolas operam como motor formador de cidadãos conhecedores
do mundo e interventivos nas suas gerações, com os professores como elemento
condutor essencial para esse efeito. Quantos de nós não lembram aquele professor
que ficou pela forma como nos cativou, nos desvendou o mundo sob uma nova
perspectiva, ou aquela professora de uma simultânea pujança intelectual e
elevada humildade que servirá, por tantos anos, como inspiração para a nossa
vida, venhamos a nós a ser agricultores, empresários ou académicos. Porque isso
é a escola, universal e transversal, estruturante do pensamento, mas também do
carácter. Mais indispensável, considero até, é o papel dos docentes nos casos
em que, no cenário possível, existem enquanto substituição representativa de
pais ausentes, para crianças tantas vezes vindas de famílias desestruturadas ou
sem qualquer suporte académico-intelectual. Os professores constituem, assim, a
salvaguarda comunitária que o Estado garante a todos nós, para que sejamos mais
que marionetas perpetuadas em ciclos de pobreza e ignorância.
Posto
isto, dada a essencial função que estas pessoas desempenham na vida dos jovens,
que é o mesmo que dizer na vida de todos nós, como é possível que desbaratem
tanta da sua respeitabilidade e credibilidade públicas ao se fazerem
representar, sindicalmente, de uma forma tão medíocre, indigna, desarticulada
e, francamente, desprovida de qualquer bom gosto? Nos últimos anos, desde os
tempos de Maria de Lurdes Rodrigues, os que me recordo, que a expressão pública
dos professores quase se reduz à sua dimensão corporativista, advogando
questões salariais e de carreira. As greves e os discursos são, aliás, feitos
de forma tão primária, insistente e disruptiva que nem têm, no mínimo, a
vantagem de serem eficazes, pela banalização e cansaço que criam.
Contraste-se, por exemplo, com a parcimoniosa, e muitíssimo mais eficaz,
abordagem das greves médicas na geração de substanciais dividendos negociais e
manutenção da respeitabilidade social. Faz-me muita confusão pensar que os
professores que, nas escolas, cimentam as bases de raciocínio, sensibilidade
interpretativa e articulação da expressão oral e escrita nos jovens, sejam os
mesmos que encontram no discurso de um homem como Mário Nogueira o seu melhor veículo de
comunicação. Consigo enumerar 5 antigos professores meus que muito melhor
representariam a qualidade do corpo docente e, com maior dignidade e elevação,
defenderiam os seus interesses.
O
exercício da docência vive, como todos os bons professores saberão, da
qualidade do conhecimento e da capacidade de o transmitir, da sua habilidade e
perspicácia em lidar com a heterogeneidade de jovens na sua frente, mas também
de toda uma atmosfera social em que se cultiva, pelos pais e pela sociedade em
geral, a ideia de que os professores devem ser tratados com respeito. Há vários
anos a esta parte, os professores têm reduzido a sua imagem pública às
referidas exigências corporativas, o que nestes últimos meses entrou
particularmente em choque directo com as necessidades do restante país. Todos
nos amiserámos no pico da crise, com centenas de milhares de pessoas a perderem
o seu emprego, verem os seus salários minguados ou serem excomungados para a
inevitável emigração. E todos estamos, colectivamente, a recuperar disso,
enquanto país. Será justo revisitar o passado e aplacar falhas que ocorreram,
quando isso é apenas feito para uma parte reduzida da população? É evidente que
os professores trabalharam os mais de 9 anos, que estão agora petrificados no
tempo, mas não é também evidente que ninguém reparará, retroactivamente, as
constrições e sofrimentos que os restantes milhões de portugueses passaram
nesse período? A pergunta é: então e todos os outros? Houvesse ciência para tal
e embarcaríamos numa máquina do tempo para gizar a História de outro modo, mas
o mundo é como é e o tecido do tempo move-se num único sentido. Prolongar esta
contenda em favor dos seus benefícios só irá, ainda mais, alienar a sociedade
da sua causa e, consequentemente, da sua função, contribuindo para um desgaste
social, cujos prejuízos recairão primeiramente sobre os próprios professores.
O
trabalho de docência é tão fundamental quanto ingrato, diga-se. Entre a carga
horária excessiva, os entulhos burocráticos, os riscos de esgotamento e a
diária invocação dos santos espíritos para lidar com a indisciplina na sala de
aula, há bastante com que os professores têm de lidar para além de ensinar. E
muito fariam, não só pela Educação como pela sua profissão, se encetassem uma
promoção mais acesa e construtiva do debate público sobre reformas e
transformações no sistema educativo, que pudessem aplacar estes problemas. No
entanto, mais uma vez, não é isso que passa, não é sobre isso que os ouvimos. E
o mais perverso e dramático é que o que passa para a opinião pública é uma
enorme distorção, quando comparada com o real papel de enorme qualidade na
estruturação dos nossos jovens. Teresa de Sousa dizia, esta semana, no PÚBLICO,
que os professores “não gozam de uma grande simpatia nacional, para dizer o
mínimo”. É, de facto, o mínimo que se pode dizer. E é neste ponto que me parece
que alguma lucidez está ofuscada. Porque, perversamente, a perda de
respeitabilidade só vai intensificar tudo aquilo que já os prejudica. Se por um
lado perderão alavancagem social de reivindicação futura, por outro lado menos
respeito e autoridade traduzir-se-ão em crescentes dinâmicas de
desconsideração, tanto por alunos como por pais, o que, tal círculo vicioso, só
agravará as questões de indisciplina e de esgotamento. Por extensão, mais
turbulência e desrespeito implicarão um exercício de pior prática educativa,
com todo o impacto, mais ou menos silencioso, que irá exalar dos jovens nos
anos vindouros. Não conseguem ver isso?
Os
professores são essenciais à sociedade. Em igual medida, o saudável exercício
da sua profissão depende, em proporcionalidade directa, do respeito que a
sociedade colectivamente tem por eles. Não se permitam ser representados por
uma versão menor, sem visão, insubstancial e irresponsável da vossa classe.
Vocês merecem melhor e a sociedade merece ouvir-vos e à vossa realidade.
Inspirem-se no que de melhor nos ensinam e tenho por certo que reconquistarão o
respeito e o prestígio que tanto merecem, dignos do quanto todos os dias nos
dão.
Estudante
de Biomedicina na University College London
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