domingo, 19 de maio de 2019

O riso de Alberto Gonçalves



O artigo desta semana teve – talvez por enquanto – 310 comentários. A maioria, todavia, não foram comentários, mas apenas escarros, “inter non pares”, que ignorei, lamentando a falta de nível de tantos desses executores de que tantas vezes trata AG. Mas, a dada altura, feliz com o efeito do seu texto, inteligentemente demolidor, que provocou observações sérias de quem tem igualmente um pensamento negativo sobre nós, portugueses, AG resolveu entrar no sítio dos comentários, distribuindo o seu apreço, com um “muito bem, senhor ou senhora X”, quer fosse avisada a réplica, quer ela fosse mesmo negativa a seu respeito, prova de que se estava a divertir, e a troçar “perdidamente”, como garoto atrevido. Não gostei da sua intervenção. Preferia sabê-lo distante, indiferente aos preitos como às cuspidelas, demolidor num sentido construtivo, mau grado o seu cepticismo de descrente em mudança para melhor. E terá razão. Mas a mim apraz-me registar aspectos positivos que também temos, como se vê em actuações de vários níveis, de quem trabalha e produz – na arte, no desporto, na literatura, na via económica. Uma das coisas que me fizeram passar duas ou três horas de grande prazer foi a leitura de dois textos excelentemente escritos na P2 do PÚBLICO de 28/4/2019, a propósito de um “desenho português” de uma Colecção existente na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, desenho representando uma “Rapariga Lavando os Pés a uma Criança”, falsamente atribuído a Raffaelino da Reggio, identificação destruída há 54 anos pelo historiador de Arte Philip Pouncey, que o atribuiu a Leonardo da Vinci. O tema mereceu o excelente artigo de Lucinda Canelas e o excelente ensaio de Carlos Fiolhais, páginas para guardar, com desenhos apropriados, entre os quais o doHomem Vitruviano”, tantas vezes visto como exemplo da “divina proporção” que Carlos Fiolhais descreve, debruçado sobre o desenho tão conhecido de um tão extraordinário engenho, como foi esse pintor da Última Ceia”. Eis alguns excertos deste professor universitário, CF:
«Pintor de pouco mais de uma dúzia de quadros, o artista multiplicou-se como engenheiro, inventor, arquitecto, cenógrafo e cientista em centenas de projectos”.
“Numa secção do livro dedicada à arquitectura, Pacioli discute as ideias do arquitecto romano Vitrúvio, do primeiro século a.C, sobre as proporções do corpo humano e de alguns monumentos. Partindo da mesma fonte, Leonardo tinha traçado antes, c. 1490, num dos seus cadernos de apontamentos, um desenho do “Homem Vitruviano”, que se tornou, entretanto, um ícone. Um homem está em duas posições sobrepostas: numa, com os pés juntos e os braços horizontais, dentro de um quadrado com centro no sexo; noutra, com os pés afastados e os braços um pouco levantados, dentro de uma circunferência com o centro no umbigo. E encontra-se aproximadamente o phi: (= «a “razão dourada” ou “o número de ouro”, phi- 1,6180…, um número irracional tal como o pi – 3,1415… Dois números estão entre si na razão dourada quando a sua razão é igual à razão da soma dos dois pelo maior deles. As aplicações são intermináveis: o phi pode ser encontrado com rigor nos sólidos platónicos, designadamente nos pentágonos do dodecaedro, e, aproximadamente, em “A Última Ceia” e na “Mona Lisa”. Quem não viu ou leu “O CÓDIGO DA VINCI?”). – (encontra-se aproximadamente o phi: no homem do quadrado, a altura total está para a altura do umbigo tal como a altura do umbigo está para o resto da altura.”
“Partindo do princípio de que o homem é a medida de todas as coisas, não falta quem tenha procurado a razão dourada tanto na Arte como na Natureza, não raras vezes forçando a nota. Essa busca deu uma aura mística à razão dourada. De facto, a harmonia é um tema inescapável tanto na arte como na ciência, mas ela tem resistido a ser aprisionada por uma fórmula. Quem se der ao trabalho de medir rigorosamente o “Homem Vitruviano” ou as referidas pinturas de Leonardo, não encontrará mais do que aproximações ao mirífico número. No século XX, o arquitecto suíço Le Corbusier continuava obcecado por ele e pelas suas variantes, tal como em Portugal o pintor e escritor Almada Negreiros. Quando Le Corbusier perguntou um dia a Einstein o que achava da sua demanda da razão dourada, o físico respondeu: “É uma proporção que torna o belo fácil e o feio difícil”. Mas, como o belo não é nada fácil, subentende-se na resposta que o projecto da matematização da arte que alguns ainda perseguem não passa de uma quimera. A arte escapará sempre à ciência.»

Eis o excerto do texto sobre Leonardo da Vinci que desejei fixar, embora não entenda o “número dourado”, que me parece impossível de obter, tal como está definido. Quem tal explicara! Mas o artigo de Alberto Gonçalves também me parece a habitual obra-prima do comum dos seus escritos, como afirma uma sua comentadora, absolutamente intocável: Marie de Montparnasse: Só para lhe dizer Alberto Gonçalves que não é humanamente possível acrescentar nada ao seu artigo porque nele está tudo dito. Obrigada.”

O riso do senhor comendador /premium
OBSERVADOR, 18/5/2019
Mal sumam os penduricalhos do sr. Berardo, Portugal entra nos eixos. Se os portugueses acreditarem nisto, acreditam em tudo. Como acreditam em tudo, e não ligam a nada, é deles que o sr. Berardo se ri
O dr. Costa declarou o país “chocado com o desplante” de “Joe” Berardo. Infelizmente, o país não se choca com o desplante do dr. Costa. Quem quer saber sabe que o riso do sr. Berardo só é possível por causa do “eng.” Sócrates, dos ex-ministros do “eng.” Sócrates, do prof. dr. Vara e de mais uma resma de figuras que, juntas, constituem boa parte do Partido Socialista a que o dr. Costa preside e em cujo nome hoje manda nisto. O sr. Berardo, que agora ninguém conhece e todos condenam, foi em tempos um peão fundamental para o PS e para o regabofe que o PS representa com propriedade – um peão com uma fortuna considerável e com dívidas consideravelmente superiores, mas um peão.
Não é apenas o sr. Berardo que deve rir: é universalmente engraçado que, após o roubo de um banco, o cidadão médio reclame em exclusivo a punição do moço que segura o papel a dizer “Isto é um assalto”, e ignore por completo os comparsas armados que o rodeiam, os capatazes no carro e os cabecilhas na cave. E é engraçadíssimo que a comparação não seja alegórica, e sim um quase literal. Entre várias distracções pícaras, como a destruição da PT, o BCP acabou realmente assaltado, por obra, graça (imensa graça) e no mínimo complacência dos exactos indivíduos que, desde há dias, se fingiram chocados com o desplante do sr. Berardo.
Chocante – ou não, que uma pessoa habitua-se – é a aparente incapacidade dos portugueses em ligar as proezas do sr. Berardo às criaturas que os permitiram, instigaram ou, ó Virgem Santíssima, lucraram com eles. O dr. Costa, que integrou com prestigiante destaque os governos que inventaram o sr. Berardo, dá-se ao luxo de falar em desplante. O prof. Marcelo, que designou o sr. Berardo “empresário do ano” em 2007 (pela sua imorredoura acção no BCP), dá-se ao luxo de pedir decoro ao madeirense. E sumidades sortidas, que nunca (elas fiquem ceguinhas) se roçaram neste caldo de compadrios e franco rapinanço, dão-se ao luxo de proferir sortidas maravilhas acerca da pouca-vergonha que por aí vai.
Perante a enésima revelação de tão virtuosa rede de corrupção, o que faz a plebe? Resmunga umas imprecações alusivas ao sr. Berardo e jura não voltar a consumir certo vinho que, pelos vistos, o homem produz. Nação valente, de facto. E um nadinha retardada. José Manuel Fernandes chamou à apatia “indiferença cívica” e primou pela suavidade. Metade daquilo que os portugueses toleram, engolem e quiçá aplaudem não caberia na cabeça de um habitante normal de uma sociedade normal, alargando o conceito ao Chipre e ao Butão. Em lugares civilizados, burlões e comparsas de semelhante calibre estariam na cadeia ou a caminho da dita, felizes por escapar à turba de justiceiros com archotes. Por cá, mantêm intactos o poder, a influência e a convicção de que, logo que concedam o ocasional bode expiatório, não haverá quem os belisque. A convicção é fundamentada.
Do povo às “elites” (desculpem), cada elemento da presente história expõe o desconchavo pátrio, que se não fosse triste nos inspiraria a vencer o sr. Berardo num campeonato de gargalhadas. Há o pormenor de, na comissão de inquérito, o sr. Berardo ter sido interrogado pela filha, e confessa admiradora, de um assaltante de bancos reformado. Há o génio económico dos comunistas de PCP e BE, que recomendam a nacionalização total da banca para evitar as chatices provocadas pela nacionalização parcial da banca. Há a reacção peculiar do PSD, que atendeu à cartilha e se concentrou nos ataques ao sr. Berardo sem tirar uma ilaçãozinha do que o sr. Berardo significa. E há, principalmente, a condução discreta da história para a essencial temática das comendas.
No espaço que uma televisão lhe concede, o advogado barra empresário barra comentador barra fervoroso apoiante do “eng.” Sócrates e do dr. Costa, José Miguel Júdice, ameaçou devolver uma comenda se não retirassem ao sr. Berardo a dele. Num ápice, meio mundo começou a discutir a remoção da comenda, ou comendas, de modo a transformar estas no único ponto de interesse do caso. O caso, que envolve esquemas de trafulhice dignos de orgulhar o sr. Lula, reduziu-se repentinamente a uma polémica alusiva às condecorações que o Estado espalha pelos ilustres. Não importa que os ilustres em questão, de “revolucionários” a rematados patetas, incluam uma quantidade de gente sem serventia palpável. Nem importa que, por definição, o regime que entrega os penduricalhos se confunda frequentemente com os respectivos destinatários. Importa é lançar a ideia de que, mal sumam os penduricalhos do sr. Berardo, Portugal entra nos eixos. Claro que se os portugueses acreditarem nisto, acreditam em tudo. Acontece que os portugueses acreditam em tudo – e não ligam a nada. É deles que o sr. Berardo se ri. Com razão.

COMENTÁRIOS
Liberal Impenitente: Com razão! Há dias que o digo, e não só eu, não há nada de errado em rirmo-nos daquilo que é risível, o apalermado carneiro tuga que ao que se diz vai voltar a eleger o guterrismo para o desgovernar.
"Metade daquilo que os portugueses toleram, engolem e quiçá aplaudem não caberia na cabeça de um habitante normal de uma sociedade normal, alargando o conceito ao Chipre e ao Butão." - Mestre Alberto, não esperava neste momento que os tugas se revoltassem por o segundo guterrismo os ter deixado com apenas mais um bilião de euros de dívida, quando durante seis anos nem piaram quando esse mesmo segundo guterrismo os deixou, não com mais um, mas com mais CEM biliões de euros de dívida? Acresce que pode ainda acontecer que, desta feita, ao contrário de em 2011, se consiga recuperar qualquer coisa do calote, caso as "obras de arte" venham a ser anexadas pelo Estado (os bancos em causa SÃO o Estado). Joan Miró é claramente insuficiente, um país "rico" como Portugal deve dispor de uma colecção de arte moderna à altura das suas peneiras!
Marie de Montparnasse: Só para lhe dizer Alberto Gonçalves que não é humanamente possível acrescentar nada ao seu artigo porque nele está tudo dito. Obrigada.
José Sousa: O tuga não gosta de autocritica nem de se olhar ao espelho. É cultural e secular. Na nossa literatura este assunto é frequentemente abordado. Este artigo é um bom exercício de auto crítica. Cidadania, envolvimento com a politica local, distrital e até nacional é algo que não cativa o cidadão médio, para alívio de quem sobrevive deste sistema podre por dentro. Se houvesse mais participação cívica e política, a exigência e intolerância da certo tipo de gente e comportamentos era muito superior. Só com pressão e participação da população, é que acontecem mudanças estruturais e culturais. Nunca por decreto ou com a vinda de um salvador da pátria. O sistema simplesmente esmaga estes "salvadores".
maria perry: Portugal é como outro país africano qualquer, em que os corruptos enganam facilmente a população. A corrupção é a causa principal da pobreza e no caso de Portugal não é diferente. Foi o corrupto Sócrates que duplicou a dívida metendo-nos neste buraco sem fundo. É o corrupto Partido Socialista que põe toda a sua família no governo e tenta estender a sua influência o mais longe possível. Os corruptos jornais e telejornais colaboram enviesando as notícias, nunca falando a verdade e enaltecendo sempre o governo. Não passamos mesmo de uma república das bananas.
chronos doispontozero: O cronista com agenda, o delinquente alopécico da direita intolerante,  podia ser personagem chucra de filme de série B para encher o intervalo entre publicidade, mas não é - é apenas o dono da estrumeira em formato de crónica semanal, onde o auto-intitulado cronista aproveita tudo que é sobra e refugo, e com abundante má-fé,  ignorância e demagogia  transforma em fábula rasca semanal para adubar a causa. 
Exibindo aquela auto-satisfação que mistura ignorância, desprezo pela inteligência alheia e fanatismo militante, o putativo cronista é exímio em derramar  opinião irresponsável e populismo casca-grossa. Desiludam-se aqueles que pensam que é pela causa, longe disso: o que move o o bufão é garantir o sustento da sua patética existência à força de bolsar semanalmente, aleivosias, de achincalhar covardemente as instituições e políticos fora do seu ridículo pequeno mundo de mau jornalista. 
Alberto Gonçalves > chronos doispontozero: Muito bem senhor doispontozero


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