sábado, 18 de maio de 2019

Há também o “Continente”



Desta vez as palmatoadas no Portugal pequenino iniciam-se em grande, com a referência historiográfica aos resultados eleitorais no Reino Unido, aos profetas – portugueses, está visto - que “leram poucos livros”, e anunciam “o fim do bipartidarismo inglês”, pretexto para a lição do historiador sobre os “Tories” antigos e consistentes, e os “Whigs” flexíveis, “para sobreviver”, e, portanto, inseridos - “May” e “Corbyn”- em desgraça passageira. Quem sabe sabe, e não temos senão que colher humildemente a lição. O resto é a troça pegada ao Zé Povinho ignorante e indiferente, em que está hoje inserido o “cidadão normal”, os quais alargam os seus interesses – VPV concede-o – à “sede do seu concelho”, nos centros urbanos a “maioria” lusa “indiferente ao que se passa no mundo”, conceito que o antecessor Eça de Queirós deixara bem estilizado no seu “Fradique Mendes”, ao limitar ainda mais esses interesses ao “rumor das saias de Elvira”. E segue-se a galeria das nossas inépcias, de 13 de Maio a 16, com a visita dos pobres – e enfiados - pedintes de votos, engolindo em seco, como sempre aconteceu, sujeitos às baboseiras populares, no seu pobre explanar argumentativo pelas bancas vazias dos mercados, que as grandes superfícies comerciais vieram destronar.
OPINIÃO: DIÁRIO
VASCO PULIDO VALENTE  Colunista      PÚBLICO, 18/5/ 2019
As sondagens em Inglaterra dão o partido conservador com 11 por cento dos votos. Foi a debandada geral para o Brexit de Farage, para o UKIP, e outros pequenos partidos do hard leave. Também o Labour desceu para 27 por cento; e Corbyn foi acusado pelo abominável Blair de duplicidade e cobardia, por não ter patrocinado o remain. Algumas personagens apressadas já profetizaram o fim do bipartidarismo inglês. Leram poucos livros. Os Tories são o partido mais velho do mundo, e o que mais tempo esteve no governo. E os Whigs sempre se transformaram com as circunstâncias para sobreviver. Antes do Labour, houve Lib-Lab. Nem a senhora May nem Corbyn chegaram onde chegaram como um ocasional primeiro-ministro português. Continuam uma longa tradição, e as desgraças de hoje não passam de um incidente de percurso: grande, convenhamos, mas não maior do que muitas das drásticas mudanças do século XIX e do século XX.
12 de Maio: A Europa dos “altos parapeitos” nunca fez parte da cultura portuguesa. Verdade que copiámos tudo o que era francês, como agora copiamos o cosmopolitismo anglo-saxão. Mas nisto só participaram, e participam, as classes dirigentes. Mesmo hoje, o cidadão normal não quer e não precisa de saber o que se passa para lá da sede do concelho. E nos núcleos urbanos, a maioria dos portugueses é indiferente ao que se passa no mundo.
A campanha contra a abstenção é uma pura perda de paciência e dinheiro. Os burocratas de Bruxelas não merecem mais.
13 de Maio: O debate dos pequenos partidos na RTP foi uma Galeria de Horrores: uma dúzia de excêntricos aproveitou a ocasião para se exibir em público. Só Ricardo Arroja, que assistiu àquele festival com um ar melancólico, pareceu compreender o sarilho em que estava metido.
14 de Maio: Joe Berardo (e não José, como pretende desde sexta-feira um certo jornalismo rastejante) não tem nada, não deve nada, e ri-se de quem lhe pede explicações. As câmaras municipais não conseguem cumprir cabalmente a lei que as manda limpar a floresta. O Estado não é capaz de fornecer 38 “meios aéreos” na altura em que os devia fornecerA CP e a Soflusa não funcionam por falta de trabalhadores. E tudo está envolto numa enorme teia, a teia das bizarras regras dos tribunais portugueses, incluindo as do Tribunal de Contas. A Assembleia da República podia, se quisesse, simplificar as coisas. Mas não quer. O bom português olha para isto com a satisfação interior de saber que a “irremediável desordem da Pátria” desculpa os seus pecados. Somos todos irmãos, e todos nos percebemos.
15 de Maio: Comentadores, políticos e curiosos não param de falar sobre Joe Berardo. A própria existência do homem acabou por se tornar um escândalo nacional. Porquê? Não certamente pelo número que ele fez na Assembleia da República: um número que por si só não espantaria o país. No fundo, foi Ricardo Araújo Pereira quem trouxe essa conversa à cena nacional. Deus nosso senhor o abençoe.

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