quarta-feira, 1 de maio de 2019

Exíguos, promíscuos, inócuos, insonsos - de cravo ao peito…



É o que apetece dizer, e mais ainda, lendo o texto magnífico de Helena Matos, corajosa e esclarecedora, certamente que farta das nossas baboseiras de bagunça em festejo, como meio apelativo de mais bagunça carismática, ao estilo de “tudo ao molho e fé em Deus”. Continuemos, pois, assim, exíguos, promíscuos… de cravo cada vez mais rubro, ao contrário do que escrevi um dia, em “Cravos Roxos”, de que transcrevo um passo de uma carta do meu Pai, de 30/6/74, texto “Nobre povo, nação valente”: «É perigoso nestes tempos de Liberdade e Democracia ser-se honesto e sincero e tu não sabes ser outra coisa. Os verdadeiros Democratas são sinceros e leais e respeitam a liberdade dos outros, mas não o são estes oportunistas arruaceiros que andam por aí aos berros empunhando cartazes e escrevendo frases indecentes nas paredes. Estes que tanto apregoam a Liberdade e a Democracia não são mais do que uma escória miserável do povo português que tudo é capaz de sacrificar às suas ambições e interesses pessoais. São asquerosos, mas nem por isso deixam de arrastar consigo multidões enormes de inconscientes que nunca souberam nem sabem o que querem….”
Bem me enganei no título do meu livro, os cravos estão cada vez mais rubros, no peito, altivamente visíveis, ou na mão, mais sorrateiramente propícios a eventual abandono, em manobra, pois, subserviente, (embora não plenamente convicta, ou mesmo envergonhada), aos nossos ritos carnavalescos.

O milagre dos cravos /premium
27/4/2019, 23
Basta colocar um cravo ao peito para os vigaristas passarem a incompreendidos; os ditadores a democratas e os actuais ministros a oposição. Já o BE esquece as PPP com Salazar e Bolsonaro.
Depois de assistir à última manifestação do 25 de Abril tenho a certeza de que os milagres acontecem nesta terra predestinada. Falo naturalmente do milagre dos cravos. Aliás estou mesmo convicta de que o milagre das rosas não é nada ao pé do milagre dos cravos. Álvaro Cunhal apoiava e admirava o terror soviético mas de cravo ao peito transformava-se num combatente pela liberdade. Jerónimo de Sousa pega num cravo pronuncia “Abril” com fervor beato e lá se esfumam os seus ditirambos sobre a Coreia do Norte e a mordaça que impõe ao movimento sindical. Aos militares então, a junção entre fardas e cravos garante-lhes o estatuto da santidade.
Não há incredulidade ou cepticismo que não se rendam diante do milagre dos cravos: em Portugal, basta colocar um cravo ao peito para os terroristas passarem a combatentes pela liberdade; os vigaristas a incompreendidos; os ditadores a democratas; os medíocres a intelectuais e os parasitas a solidários.
Mas a esta transfiguração a que já estávamos mais ou menos habituados, acresceu este ano um mistério que a teologia não explica mas a política esclarece: os ministros e os parceiros do Governo puseram cravo ao peito e de imediato deixaram de ser Governo para se tornarem oposição. Na avenida da Liberdade, cravo na mão, a ministra da Saúde já não é a ministra que tem de explicar como foram retirados nomes das listas de espera para se tornar numa manifestante defensora do mesmo SNS que deixa degradar a níveis nunca vistos. o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes transfigurou-se em jovem e desfilou com os manifestantes da Juventude Socialista que gritavam: “Queremos revolução, socialistas em acção“. Sendo certo que a única revolução que está por fazer em Portugal é precisamente a que derrube a ditadura fiscal presidida pela secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, cabe perguntar se o senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais quando miraculado em jovem manifestante nos toma por parvos ou se faz parvo? Por fim o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, desembaraçado do Porsche, além do cravo muniu-se de calças de ganga, o que para o caso faz do seu um milagre  ainda mais promissor.
Segundo o Expresso aconteceram ainda outras manifestações que não tenho força terrena nem fé qb para analisar, como ouvir as criancinhas ditas “afectas” ao PCP cantar  “Somos a esperança, em cada criança há sinais de mudança“. E é claro, tivemos Mariana Mortágua entoando rimas e Catarina Martins, que além de entoar também sabe fazer os gestos, transfiguradas em arrebatadas opositoras. De quê e de quem? Do Governo que como aqui assinala Cristina Miranda maquilha as contas da Segurança Social? Da transformação do aparelho de Estado numa rede familiar a que já nem os cemitérios escapam?… Nada disso. Opositoras de Salazar e Bolsonaro. Um longe no tempo – Salazar morreu em 1970! – e o outro, Bolsonaro, está a quilómetros de distância. Assim devidamente munidas dos seus demoniozinhos úteis, mais o Santo António, os cravos na lapela e o megafone, as dirigentes do BE protagonizavam não apenas o milagre de passarem de suporte do governo a contestatárias do sistema mas também levavam a cabo o exorcismo que as desembaraçava do fantasma da negociação das PPP.
Tendo em conta que apesar de tudo a descrença se pode instalar entre os assistentes destas transfigurações o  melhor será a manifestação do 25 de Abril passar da avenida da Liberdade para o Parque Mayer. A revista à portuguesa já viu coisas piores.

COMENTÁRIOS
Maria Emília Santos Santos: Óptimo artigo! Graças a Deus que ainda existem pessoas lúcidas, neste pobre país.
Nelson Santos: Muito bom artigo. Como de costume. 
Maria Emília Santos Santos: Grande artigo! Obrigada à autora! Escreva sempre, porque nós, que não escrevemos, estamos cheios de necessidade de ouvir verdades, porque estamos saturados de mentiras.
Fernando Prata: Excelente artigo, que me deixa arrepiado, ao constatar o estado de loucura em que o meu país vive. Só me recordo de tempos parecidos, há mais de 40 anos, no pós 25 de Abril de 1974.
Paulo Lopes: "...basta colocar um cravo ao peito para os terroristas passarem a combatentes pela liberdade; os vigaristas a incompreendidos; os ditadores a democratas; os medíocres a intelectuais e os parasitas a solidários." Excelente artigo. Parabéns.
Carlota Cardoso: Muito bom. Pena não escrever mais e mais vezes.
Carminda Damiao: Excelente análise.
André Silva:  “em Portugal, basta colocar um cravo ao peito para os terroristas passarem a combatentes pela liberdade; os vigaristas a incompreendidos; os ditadores a democratas; os medíocres a intelectuais e os parasitas a solidários.”: E - com a ressalva de com a necessária adaptação do “cravo” a cada realidade, não ser só em Portugal - numa frase assassina de tão verdadeira - HM diz tudo. Absolutamente extraordinário, e uma triste realidade.


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