É o que apetece dizer, e mais ainda,
lendo o texto magnífico de Helena Matos, corajosa e esclarecedora, certamente que
farta das nossas baboseiras de bagunça em festejo, como meio apelativo de mais
bagunça carismática, ao estilo de “tudo ao molho e fé em Deus”. Continuemos,
pois, assim, exíguos, promíscuos… de cravo cada vez mais rubro, ao contrário do
que escrevi um dia, em “Cravos Roxos”, de que transcrevo um passo de uma carta
do meu Pai, de 30/6/74, texto “Nobre
povo, nação valente”: «É perigoso
nestes tempos de Liberdade e Democracia ser-se honesto e sincero e tu não sabes
ser outra coisa. Os verdadeiros Democratas são sinceros e leais e respeitam a
liberdade dos outros, mas não o são estes oportunistas arruaceiros que andam
por aí aos berros empunhando cartazes e escrevendo frases indecentes nas
paredes. Estes que tanto apregoam a Liberdade e a Democracia não são mais do
que uma escória miserável do povo português que tudo é capaz de sacrificar às
suas ambições e interesses pessoais. São asquerosos, mas nem por isso deixam de
arrastar consigo multidões enormes de inconscientes que nunca souberam nem
sabem o que querem….”
Bem me enganei no título do meu livro,
os cravos estão cada vez mais rubros, no peito, altivamente visíveis, ou na mão,
mais sorrateiramente propícios a eventual abandono, em manobra, pois,
subserviente, (embora não plenamente convicta, ou mesmo envergonhada), aos
nossos ritos carnavalescos.
O milagre dos cravos /premium
27/4/2019, 23
Basta
colocar um cravo ao peito para os vigaristas passarem a incompreendidos; os
ditadores a democratas e os actuais ministros a oposição. Já o BE esquece as
PPP com Salazar e Bolsonaro.
Depois
de assistir à última manifestação do 25 de Abril tenho a certeza de que os
milagres acontecem nesta terra predestinada. Falo
naturalmente do milagre dos cravos. Aliás
estou mesmo convicta de que o milagre das rosas não é nada ao pé do milagre dos
cravos. Álvaro Cunhal apoiava e admirava o terror soviético mas de cravo
ao peito transformava-se num combatente pela liberdade. Jerónimo de Sousa pega
num cravo pronuncia “Abril” com fervor beato e lá se esfumam os seus ditirambos
sobre a Coreia do Norte e a mordaça que impõe ao movimento sindical. Aos
militares então, a junção entre fardas e cravos garante-lhes o estatuto da
santidade.
Não há incredulidade ou cepticismo
que não se rendam diante do milagre dos cravos: em Portugal, basta colocar um
cravo ao peito para os terroristas passarem a combatentes pela liberdade; os
vigaristas a incompreendidos; os ditadores a democratas; os medíocres a
intelectuais e os parasitas a solidários.
Mas
a esta transfiguração a que já estávamos mais ou menos habituados, acresceu
este ano um mistério que a teologia não explica mas a política esclarece: os
ministros e os parceiros do Governo puseram cravo ao peito e de imediato
deixaram de ser Governo para se tornarem oposição. Na avenida
da Liberdade, cravo na mão, a ministra da Saúde já não é a ministra que tem de
explicar como foram retirados nomes das listas de espera para se
tornar numa manifestante defensora do mesmo SNS que deixa degradar a níveis
nunca vistos. Já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes transfigurou-se em jovem e
desfilou com os manifestantes da Juventude Socialista que gritavam: “Queremos
revolução, socialistas em acção“. Sendo certo que a única revolução que está por fazer em Portugal é
precisamente a que derrube a ditadura fiscal presidida pela secretaria de
Estado dos Assuntos Fiscais, cabe perguntar se o senhor secretário de
Estado dos Assuntos Fiscais quando miraculado em jovem manifestante nos toma
por parvos ou se faz parvo? Por fim o
ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, desembaraçado
do Porsche, além do cravo muniu-se de calças de ganga, o que para o caso faz do
seu um milagre ainda mais promissor.
Segundo
o Expresso aconteceram ainda outras manifestações que não tenho força terrena
nem fé qb para analisar, como ouvir as criancinhas ditas “afectas” ao PCP
cantar “Somos a esperança, em cada criança há sinais de mudança“.
E é claro, tivemos Mariana Mortágua entoando rimas e Catarina Martins, que
além de entoar também sabe fazer os gestos, transfiguradas em arrebatadas
opositoras. De quê e de quem? Do Governo que como aqui assinala Cristina
Miranda maquilha as contas da Segurança Social? Da
transformação do aparelho de Estado numa rede familiar a que já nem os
cemitérios escapam?… Nada disso. Opositoras de Salazar e Bolsonaro. Um longe no
tempo – Salazar morreu em 1970! – e o outro, Bolsonaro, está a quilómetros de
distância. Assim devidamente munidas dos seus demoniozinhos
úteis, mais o Santo António, os cravos na lapela e o megafone, as dirigentes do
BE protagonizavam não apenas o milagre de passarem de suporte do governo a
contestatárias do sistema mas também levavam a cabo o exorcismo que as
desembaraçava do fantasma da negociação das PPP.
Tendo em conta que apesar de tudo a
descrença se pode instalar entre os assistentes destas transfigurações o
melhor será a manifestação do 25 de Abril passar da avenida da Liberdade para o
Parque Mayer. A revista à portuguesa já viu coisas piores.
COMENTÁRIOS
Maria Emília Santos Santos: Óptimo
artigo! Graças a Deus que ainda existem pessoas lúcidas, neste pobre país.
Nelson Santos: Muito bom
artigo. Como de costume.
Maria Emília Santos Santos: Grande
artigo! Obrigada à autora! Escreva sempre, porque nós, que não escrevemos,
estamos cheios de necessidade de ouvir verdades, porque estamos saturados de
mentiras.
Fernando Prata: Excelente
artigo, que me deixa arrepiado, ao constatar o estado de loucura em que o meu
país vive. Só me recordo de tempos parecidos, há mais de 40 anos, no pós 25 de
Abril de 1974.
Paulo Lopes: "...basta
colocar um cravo ao peito para os terroristas passarem a combatentes pela
liberdade; os vigaristas a incompreendidos; os ditadores a democratas; os
medíocres a intelectuais e os parasitas a solidários." Excelente artigo.
Parabéns.
Carlota Cardoso: Muito bom.
Pena não escrever mais e mais vezes.
Carminda Damiao: Excelente
análise.
André Silva: “em Portugal, basta colocar um cravo ao peito
para os terroristas passarem a combatentes pela liberdade; os vigaristas a
incompreendidos; os ditadores a democratas; os medíocres a intelectuais e os
parasitas a solidários.”: E - com a ressalva de com a necessária adaptação do
“cravo” a cada realidade, não ser só em Portugal - numa frase assassina de tão
verdadeira - HM diz tudo. Absolutamente extraordinário, e uma triste realidade.
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