“Então esclarecerei”: Era o que
dizia o Agildo, cada explicação sua cada vez mais embrulhada. Mas o que vou esclarecer,
é uma coisa simples, não sei se também embrulhada, embora tenha tal direito, de
me embrulhar nos escritos, os outros terão a liberdade de ler ou não ler. Neste
extraordinário apego de José
Pacheco Pereira e seus pares comentadores à liberdade como totalitarismo
imprescindível no mundo democrático exigente de clareza e de igualdade, eles
não se dão conta que estão a participar num processo de permissividade crítica
como jamais se vira antes. Somos, afinal, todos livres, como a tal gaivota,
livres de dizer que o somos, ou mesmo que o não somos. Sabendo embora,
manhosamente, ou por experiência própria, que isso não passa de balela. É claro
– para mim - que deve haver regras, mas é possível que não deva haver, o “que
sais-je?” céptico de Montaigne cada vez mais humildemente - ou orgulhosamente? - valorizado. Num
embrulho, com ou sem sentido. Qu’ importe?
Os cinismos, a falta de clareza, coexistem com o resto das demagogias, no caos
das nossas almas.
OPINIÃO
Os milhares de censores oficiais e as
dezenas de milhares oficiosos
Todas as semanas a nova polícia de
costumes e o seu cortejo de censores indignam-se enchendo as ondas e o papel de
“casos”.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 4 de Maio de 2019, 6
O
tempo está mau para as liberdades. Não na China onde está péssimo, mas nos EUA,
na Europa, em Portugal, onde um crescendo de censura é muito preocupante. Mesmo
muito. E a censura sob todas as formas, a começar pela clássica que conhecemos
bem em Portugal, está a crescer. E o clamor censório também. À esquerda e à
direita.
O caso do cartoon de
António é
exemplar. Criticar
a política actual do Estado de Israel não é ser anti-semita. Ser anti-sionista
não é ser anti-semita. Criticar o par Trump-Netanyahu – uma das
maiores ameaças pela sua política beligerante, anti-Palestina e anti-xiita ao
serviço do príncipe assassino da Arábia Saudita, ao próprio Estado de Israel –
não é ser anti-semita. Estava lá a estrela de David e a kipah na
cabeça de Trump? Estava. Mas se fosse uma representação de um muçulmano não
estaria o turbante, ou as barbas longas, ou algures o Crescente ou um minarete?
Pelos
vistos, o New York Times, como aliás muitos políticos democratas,
comporta-se face ao poderoso lóbi judaico americano como os republicanos diante
do lóbi das armas, e tem um medo pânico de ficar em qualquer lista negra. As explicações do jornal são indignas de um órgão de comunicação de tradição
liberal, no sentido americano. E
é confundir tudo misturar o efectivo anti-semitismo que existe nos EUA e na
Europa e que ataca sinagogas e vandaliza cemitérios judaicos como podendo ser
fortalecido pela imagem caricatural, que bem podia ter os papéis invertidos,
com Trump a fazer de cãozinho, e, neste caso, não podia ser um “salsicha”, e
Netanyahu a trazê-lo pela trela. Trump podia ter um símbolo qualquer das igrejas
evangélicas que o apoiam com hipocrisia absoluta e Netanyahu de kipah. E tenho
que ter cuidado, a mais sinistra interiorização do actual policiamento de
linguagem, para não parecer ser anti-semita.
Ainda
se fosse apenas o cartoon do cego e do cão “salsicha”, mas não é. Todas as
semanas a nova polícia de costumes e o seu cortejo de censores indignam-se
enchendo as ondas e o papel de “casos”, seja a dupla patetice do CDS de
querer fazer em Arroios passadeiras LGBT e depois, no mesmo CDS,
achar-se que isso é o fim do mundo ocidental; seja uma partida de mau gosto de
uma espécie de situacionistas fora de época contra
os brasileiros na Faculdade de Direito.
Duplicidade de critérios: quantos exemplos de machismo,
racismo, e outros ismos, proliferam na praxe? Vão às moribundas repúblicas de
Coimbra e ver as practical jokes, cem anos de tudo o que é politicamente
incorrecto. E para muitos que vivem só nas “redes sociais” – e apetece dizer “é
bem feito!” – há cada vez maior censura no Facebook a tudo o que pareça
ser de extrema-direita como o Info-Wars. Hoje é à direita, depois será à
esquerda. Admirem-se, mas eu acho que o Info-Wars é mil vezes mais inócuo do
que o Twitter permitir a Trump aquilo que não permite a um cidadão comum. A
ele, que todos os dias insulta pessoas, ameaça-as de prisão ou despedimento, e
divulga fake news como quem respira, ninguém censura.
Se
se querem cometer abusos que são crimes, aumentem-se as penas e acelerem-se os
processos. Obrigue-se a que o anonimato seja a excepção muito fundamentada, e
proíba-se que Facebooks e outros não tenham identidade registada e verificada
na empresa, mesmo que assinem com pseudónimo. Nada tenho a objectar que
indivíduos, empresas, Estados e partidos possam ter que pensar duas vezes antes
de escrever certas coisas no domínio da calúnia, do abuso da liberdade de
expressão, do incitamento ao ódio e à violência, do recrutamento terrorista, da
desinformação profissional de serviços de informação estrangeiros, que já são
crimes e deviam ter penas, principalmente pecuniárias e de prisão, maiores do
que as que já existem. Mas isso não se aplica a quem divulga
teorias conspirativas, a quem tem ideias anti-democráticas, sejam fascistas ou
comunistas, ou a quem acha que as mulheres são inferiores aos homens ou os
brancos superiores aos negros e vice-versa. Pode ser muito repelente, mas
repetirei pela enésima vez que o direito dos outros à liberdade de se
expressarem tem muito mais sentido quando se detesta o que eles fazem com esse
direito. Têm essas ideias efeitos e consequências? Têm certamente e devem ser
combatidas. Mas a censura é pior. Não é eficaz para impedir os malefícios do
racismo ou do machismo, mas mata mais coisas à volta.
Por
isso mesmo, não acho normal que, por todo o mundo, haja umas centenas de
censores numa sala diante de ecrãs, tão anónimos e tão ignorantes como eram os
antigos censores, com instruções vagas e discricionárias dadas pelo Facebook,
pelo Google, pelo YouTube, pelas várias “redes sociais”, para adequar as
“redes” ao politicamente correcto dos dias de hoje. Sabe-se pouco sobre estes
homens e mulheres sem experiência da vida e sem conhecimentos, mão-de-obra
quase tão barata como a dos call centers e que apagam sites,
apagam imagens, apagam textos, punem com a expulsão das redes pessoas que podem
ser as piores do mundo e terem as ideias mais nefastas, mas que têm também
direito à livre expressão. Estas censuras e exclusões não têm recurso, embora
agora o Facebook prometa que isso possa acontecer.
Mas parece uma cena
do 1984 de Orwell e é. Estas empresas fizeram o mal e agora fazem a
caramunha. A razão é simples, a liberdade nunca foi o seu objectivo, mas sim
enriquecer.
Colunista
COMENTÁRIOS
Choninhas
Chanfrado, New Iorque | Professor Catedrático com um currículo
impressionante 05.05.2019: Pacheco Pereira tem exactamente razão e só com um
referendo vinculativo se resolve esta trapalhada. Responder
Jonas
Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta04.05.2019 : Concordo inteiramente - as pessoas
devem ter o completo direito de dizerem o que absolutamente quiserem sem
repercussão, desde que "o anonimato seja a excepção muito
fundamentada". Só assim teremos vontades colectivas a descobrir e a votar
nas tais alternativas que a versão do séc XXI da censura quer negar.
Victor
Nogueira, Setúbal 04.05.2019: No meio de tudo
o que JPP escreve neste artigo surge uma "pérola": «Mas isso não se
aplica a quem divulga teorias conspirativas, a quem tem ideias
anti-democráticas, sejam fascistas ou comunistas, ou a quem acha que as
mulheres são inferiores aos homens ou os brancos superiores aos negros e
vice-versa. Pode ser muito repelente, mas repetirei pela enésima vez que o
direito dos outros à liberdade de se expressarem tem muito mais sentido quando
se detesta o que eles fazem com esse direito. » Pergunto: Para
JPP fascismo e comunismo são ideias antidemocráticas, estão no mesmo patamar, e
não devem ser censuradas mas sim gozarem de livre-expressão e divulgação, tal
como a xenofobia, o racismo, a defesa da inferioridade das mulheres?
Jonas
Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 04.05.2019:
Ele
diz claramente que sim. O artigo é muito claro sobre esse ponto: a censura
sob anonimato é o método dos novos censores. O digital amplia a descoberta
de alternativas na praça pública por quem dá a cara. Obviamente não me refiro a
si, caro Victor Nogueira em Setúbal, que fala com identidade sem ambiguidades.
Vieira,
04.05.2019: Curioso que o Pacheco Pereira nunca teve essa
preocupação quando fazia parte do governo de Cavaco, um admirador confesso e
colaboracionista do regime fascista que censurou Saramago. Mudam-se os tempos
mudam-se as vontades e os interesses... Responder
Jonas
Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 04.05.2019: Só o Vieira
parece ter dificuldade com a mudança ...
Zut
Mut, 04.05.2019: Pode-se não gostar de Cavaco (eu não
gosto), mas "regime fascista que censurou Saramago"? Vieira em fase
alucinatória aguda...
Vieira,
04.05.2019: Ler com atenção: "Cavaco, um admirador confesso e
colaboracionista do regime fascista, que censurou Saramago" O fascista
Cavaco, não o regime fascista (faltava lá uma virgula mas acho que dava para
perceber pois todos sabemos que o fascista Cavaco censurou Saramago).
Lourenço,
Coimbra 05.05.2019: Aquele que enquanto director adjunto no DN tinha como
passatempo preferido dar cabo da carreira a jornalistas só porque não eram
comunistas como ele? Era dessa "vitima" que o Vieira está a falar?
Joao,
Portugal 04.05.2019: O Pacheco tem absoluta razão. Mas pior que a nova vaga
de censura sobre e pelas redes sociais são os media disciplinados desde sempre,
é o silêncio disciplinado e obediente por um lado, são as insinuações torpes e
as notícias falsas a que os media de “referência” se entregam e se prestam por
outro lado. Um exemplo das inúmeras omissões é os media de “referência”
terem pura e simplesmente omitido a acção da ONU sobre a chacina de Mossul, lá
levou a ONU a Angelina Jolie a Mossul, chamou os jornalistas, mas …. nada, os
media não se atrevem a mexer nas guerras americanas e dos seus aliados Nato,
Israel, Saudita, é tabu. Bem pode a ONU apelar unhcr 19/6/2018 “A letter from
Mosul” … mas todos fogem a sete pés, omitem ou remetem para o fim debaixo de
entulho e tretas para ninguém ver. Responder
Como diz Parenti “Inventing Reality” “A
imprensa às vezes publica um relatório crítico sobre uma empresa … poderá
publicar uma história expondo a corrupção … O que a imprensa não é susceptível
de fazer é informar-nos dos interesses da classe económica que estão
subjacentes à máquina militar global dos EUA. Não nos falará sobre o
envolvimento dos EUA nas políticas de contra-insurgência repressivas empregadas
para tornar o mundo seguro para o investimento lucrativo das corporações
multinacionais.” Os media têm liberdade para falar de tudo, excepto das
chacinas e guerras americanas, Nato, Israel, Saudita. Chega-se à hipocrisia de
durante semanas o esquartejamento dum tipo em Istambul estar nas primeiras
páginas quando há anos são trucidadas pelos mesmos crianças e civis aos
milhares no Iémen.
Sobre notícias falsas propagandeadas
durante dias na primeira página, e depois desmentidas em letras miudinhas que
ninguém lê, só um exemplo do nosso Cherne NYT “Putin Tells European
Official That He Could ‘Take Kiev in Two Weeks’” … Económico 4/9/2014 : “Durão
Barroso diz que conversa com Putin foi tirada do contexto”. “O que passa nas
"notícias" é um produto de muitas forças, envolvendo a cultura
política dominante e poderosas instituições económicas e governamentais,
controlando o fluxo de informações e opiniões de maneira que melhor promovam
seus interesses” “A mais comum forma de manipulação dos media é a supressão
por omissão. As coisas deixadas por mencionar por vezes incluem não só
detalhes vitais de uma narrativa mas a totalidade da própria narrativa” O Público já
apresentou aqui alguns textos exemplares sobre as notícias falsas, textos dos
quais os trauliteiros fogem a sete pés, por exemplo Público 4/3/2018 “As fake
news são dominadas pelos governos ocidentais e pelas multinacionais”, ou a
espetacular revisão histórica das mentiras dos media ocidentais Público
4/3/2018 “As origens dos “factos” plantados e das notícias falsas”. Enfim, enquanto eram só os mesmos a usar
as redes … estava tudo bem Guardian 17/2/2012 “Obama, Facebook and the power of
friendship: the 2012 data election”, Guardian 25/2/2011 “The truth about
Twitter, Facebook and the uprisings in the Arab world”, BBC 3/12/2013 “How
social media is shaping Ukraine's protest movement”, etc. Quando as redes são usadas para
contrapor às omissões e notícias falsas … são censuradas.
Jonas
Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 04.05.2019: Como sempre,
obrigado pela excelente colecção de referências caro João.
TP
Leiria 04.05.2019: Concordo, mas a última frase diz tudo: a liberdade
nunca foi o seu objectivo, mas sim enriquecer. Ora ai está, a censura ou lá
o que isso seja não vem dos Estados liberais e democráticos, vem de empresas
privadas. Quem não gosta do que elas fazem, simplesmente não as usa mais. É o
que eu faço quando não gosto do serviço que uma empresa me presta. Responder
Far away 04.05.2019: Pertinente
comentário. O usufruto de produtos de uma empresa é opcional. O usufruto de
dispositivos legais não é. Por isso é que os estados devem ter uma função
reguladora e não intervencionista.
Francis Delannoy, 04.05.2019: só falta a pide
do pensamento... Os milhares de
censores oficiais e as dezenas de milhares oficiosos Todas as semanas a nova
polícia de costumes e o seu cortejo de censores indignam-se enchendo as ondas e
o papel de “casos”. O tempo está mau para as liberdades. Não na China onde
está péssimo, mas nos EUA, na Europa, em Portugal, onde um crescendo de censura
é muito preocupante. Mesmo muito. E a censura sob todas as formas, a começar
pela clássica que conhecemos bem em Portugal, está a crescer. E o clamor
censório também... ++++++ resumindo e concluindo, criticavam o estado novo, mas
fazem igual fizeram o 25 de abril mas ainda censuram a liberdade de comunicar e
informar, principalmente os meios de comunicação estão na primeira linha da
censura.. só falta uma nova pide.
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