quinta-feira, 23 de maio de 2019

Teresa de Sousa explica



O que se vai passando por lá, na distância da nossa abstracção, entretidos que andamos por cá, na proximidade das nossas concretizações, mais ligadas a corrupção e a futebóis. É sempre um prazer, retomar estes saberes que dão outro sabor à vida. Afinal, a América ainda faz parte, Angela Merkel fará também, boa como o milho… Doris Day já cá não está, mas o seu “Che sara, sara” permanece ou, mais prosaicamente, “o que for soará”, incapazes que somos de permanecer - infelizmente quando é bem, felizmente quando é mal
Defesa europeia:  A América continua a ser a nação insubstituível
A Defesa europeia vai ganhando forma – e é mais do que um somatório de boas vontades. Mas um “exército europeu” continua a ser uma figura de retórica.
PÚBLICO, 16 de Maio de 2019
 “Sopa de letras” ou “exército europeu”? A revista britânica The Economist ainda prefere a primeira definição para descrever o que é hoje a política de defesa europeia, embora admita que alguma coisa já foi feita e que existe um novo sentimento de urgência por causa do estado do mundo. A “sopa de letras” é uma referência ao número siglas criadas pela União Europeia para dar corpo institucional a uma nova política de segurança e defesa, cujo início remonta a 1999, quando o Conselho Europeu de Helsínquia decidiu formalmente dar início a esta nova dimensão da integração europeia. Era um velho sonho de muitos europeístas mais convictos: verem-se fardas nos corredores das instituições de Bruxelas. É preciso lembrar que a primeira tentativa de construção de uma comunidade europeia foi a CED – Comunidade Europeia de Defesa – lançada por iniciativa francesa em 1952 e chumbada dois anos depois pela França.
A ideia de um “exército europeu” também não é de agora. “O Bundestag discute-a pelo menos um vez por ano”, diz a porta-voz para as questões militares do partido Os Verdes alemão. Em 1996, o então primeiro-ministro francês Alain Juppé chegou a argumentar a favor de um “exército europeu”. Nunca suscitou grande entusiasmo, nem sequer da parte da Alemanha, ainda fiel à sua aliança fundadora com os EUA. Contou sempre com a total oposição do Reino Unido, pouco entusiasta de qualquer iniciativa europeia que pudesse beliscar a NATO.
Hoje, Emmanuel Macron e Angela Merkel recuperaram a expressão ainda que com um significado bastante mais modesto do que possa parecer à primeira vista. Quando os dois países assinaram em Janeiro deste ano um novo tratado bilateral para renovar o Tratado do Eliseu de 1963, ambos mencionaram a possibilidade de criação de um “exército europeu”. Macron falou dele pela primeira vez numa numa entrevista em finais do ano passado como parte da sua ideia de “uma Europa que protege”. Na mesma entrevista, o Presidente afirmou que a Europa tinha de “fazer frente à China, à Rússia e até aos EUA”. Como refere Ulrike Esther Franke, do European Council on Foreign Relations, o Presidente francês falava de um mundo dominado, cada vez mais, pelas relações entre grandes potências interessadas em interferir na Europa. “Precisamos de uma Europa que seja capaz de se defender por si própria – e não dependendo apenas dos EUA”. Concluiu a mesma investigadora: “A ideia de um exército europeu equivale em significado à velha ambição dos Estados Unidos da Europa ou até ao objectivo de Obama de um mundo sem armas nucleares”.
A simples referência a um “exército europeu” continua a ser bastante impopular na maioria das capitais da União. Mas a sua reentrada em cena explica-se facilmente. Primeiro, foi a invasão russa do Leste da Ucrânia e a anexação ilegal da Crimeia, em 2014. Os europeus compreenderam pela primeira vez que o seu grande vizinho do Leste voltava a ser uma ameaça à sua segurança. Depois, foi a eleição de Donald Trump, em 2016, que classificou a NATO de “obsoleta” durante a campanha eleitoral. A palavra ainda hoje vibra nos ouvidos dos responsáveis políticos e militares europeus.
Desde que chegou à Casa Branca, o Presidente já pôs em dúvida por diversas vezes o compromisso dos EUA com a NATO, ou seja, com a segurança europeia. A sua argumentação é simples: a Europa é rica, tira um enorme partido da economia americana, mas quer que os EUA continuem a pagar pela sua segurança. O seu comportamento errático nas duas cimeiras da NATO em que participou não ajudaram a desanuviar o ambiente. Na primeira, além de causticar os aliados por não gastarem pelo menos 2% do seu PIB com a defesa - fixados, de resto, numa cimeira da NATO em 2014, ainda no tempo de Obama - “esqueceu-se” de mencionar o Artigo 5º do Tratado de Washington, que garante a defesa colectiva: “um por todos, todos por um”. Num sistema internacional onde a desordem ganha todos os dias vantagem sobre a velha ordem liberal assente em instituições multilaterais que os EUA criaram depois da II Guerra, há razões de sobra para que a Europa preste muito mais atenção à sua própria segurança.
Mundo “pós-Atlântico”?
O debate europeu deixou de ser se a constituição de uma capacidade militar autónoma da União poderia ou não minar a unidade da aliança transatlântica e passou a ser se a NATO continua tão empenhada como sempre em defender a Europa. Ou, por palavras mais exactas, se o compromisso americano com a defesa europeia continua tão firme como no passado. Nos círculos europeus e norte-americanos onde se debatem estas questões começa a falar-se num “mundo pós-Atlântico”.
Entretanto, a União foi tomando algumas decisões importantes. Criou a Pesco (Cooperação Estruturada Permanente para a Segurança e Defesa), uma figura que já estava prevista no Tratado de Lisboa (2007) mas que só viu a luz do dia em Novembro de 2017. Trata-se de criar uma área de cooperação permanente entre os países da União que decidam voluntariamente fazê-lo, sem que os outros possam impedi-lo. Ninguém quis ficar de fora. Hoje, a Pesco conta com 25 países – as excepções são apenas o Reino Unido porque está de saída, a Dinamarca que tem um opt-out em matéria de defesa, e Malta.
A NATO aos 70
Paris queria uma cooperação permanente mais limitada, de forma a garantir maior coerência entre culturas estratégicas e maior eficácia. Berlim manteve a sua preocupação de sempre: manter a coesão do todo. Esta divergência acabou por ser superada por outra iniciativa do Presidente francês: a “Iniciativa de Intervenção Europeia”, criada fora do quadro institucional da UE, o que lhe dá a vantagem de integrar o Reino Unido, um dos 11 países que a constituem, entre os quais Portugal, Holanda ou a própria Alemanha.
O veto e as tropas
Conta-se em Bruxelas que se abriram garrafas de champanhe na sede da Comissão quando foi conhecido o resultado do referendo britânico de 2016: finalmente a Europa poderia ter uma defesa comum. Acabava o veto britânico. Ninguém se lembrou que, com o veto, iam também a tropas. Haverá algum exagero nesta anedota, mas a saída do Reino Unido é um problema. Representa cerca de 30% da capacidade militar europeia (apenas igualado pela França) e, no capítulo da I&D na defesa a sua contribuição atinge quase 40%. Leva também consigo a sua força de dissuasão nuclear, deixando a França sozinha. Macron tem argumentado que a relação estabelecida com o Reino Unido na NATO não chega para colmatar este défice. Muito provavelmente, terá de haver um tratado.
Aliás, apesar das eternas divergências entre Londres e Paris sobre o que deveria ser a defesa europeia, a sua história atribulada nasceu em 1998, numa cimeira franco-britânica em St. Malot entre Tony Blair e Jaques Chirac. Os dois países tentavam tirar as lições da humilhação sofrida na ex-Jugoslávia, quando se viram obrigados a recorrer aos EUA para travar a Sérvia de Milosevic e o regresso da “limpeza étnica” ao território europeu pela primeira vez desde a II Guerra.
O que querem os EUA?
Na quarta-feira, o Financial Times revelava uma carta enviada pelos “número dois” dos departamentos de Estado e da Defesa americanos a Federica Mogherini, a chefe da Diplomacia europeia, dando-lhe conta da “profunda preocupação” de Washington com as regras do novo Fundo Europeu da Defesa (FED) e com a criação da Pesco, que podem “levar a duplicações, à falta de interoperabilidade dos sistemas militares, ao desvio de recursos já de si escassos e a uma desnecessária competição entre a NATO e a UE”.
“É vital (…) que as iniciativas independentes da União Europeia como o FED e a Pesco não ponham em causa as actividades da NATO e a cooperação NATO-UE”. Depois de Trump ter posto em causa por diversas vezes o compromisso dos EUA com a Aliança Atlântica, a sua Administração vem lembrar aos europeus quem lidera e quem estabelece a regras do jogo. Esta aparente “esquizofrenia” não é só de agora. Outros Presidentes reagiram mal a qualquer iniciativa europeia autónoma no domínio da defesa. Foi assim, por exemplo, nos primeiros anos de George W. Bush. Robert Gates, secretário da Defesa de Obama no seu primeiro mandato, foi a Bruxelas antes de abandonar o cargo dirigir aos aliados as palavras, porventura, mais duras que ouviram do parceiro americano sobre o seu pouco empenho financeiro e militar numa aliança da qual dependiam para garantir a sua defesa. 
Uma leitura mais atenta da carta revela que a grande preocupação americana é o Fundo Europeu de Defesa, com regras que podem prejudicar a sua própria indústria, que tem na Europa um grande mercado, mas também a cooperação nos domínios da I&D (investigação & desenvolvimento). Aparentemente, essas regras poderiam impedir companhias situadas fora da Europa, incluindo nos EUA, de participarem em projectos militares financiados pelo fundo. A hipótese de retaliação está subentendida. A carta criou alguma ansiedade em Bruxelas. “Há uma enorme incompreensão sobre o modo de funcionamento da União Europeia” diz um diplomata europeu ao FT, negando qualquer intenção discriminatória em relação aos EUA.
Já a ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen, preferiu lembrar que os europeus “estão a fazer aquilo que os nossos amigos americanos nos têm pedido há anos.” “A nossa tarefa é mostrar-lhes que a NATO apenas lucrará com os esforços no sentido de criar uma União Europeia da Defesa”.
Para a maioria dos países que são, ao mesmo tempo, membros da União e da NATO, é isso exactamente o que significa o reforço da cooperação militar no quadro da União Europeia: aumentar a sua capacidade militar “no âmbito da Pesco ou no âmbito da NATO é exactamente a mesma coisa”, citando o chefe da Diplomacia portuguesa. Aliados como Portugal, Holanda, Dinamarca e a maioria dos países da Europa Central e de Leste continuam a ver a NATO a garantia da sua segurança e numa maior capacidade militar própria da União Europeia um reforço do pilar europeu da organização.
O FED vai contar com cerca de 13 mil milhões de euros nos próximos sete anos, o que está longe de ser uma enormidade, embora já seja alguma coisa. Em Junho do ano passado Federica Mogherini propôs a criação de uma “Capacidade Europeia para a Paz”, que poderia ir até dez mil milhões de euros anuais, destinada a ajudar a suportar os custos das operações militares conduzidas sob bandeira da União. A proposta deve ser aprovada em breve.
Até recentemente, a Alemanha opunha-se à sua criação, dizendo que os tratados a impediam. Hoje, a política de defesa é ainda uma competência do conselho de ministros dos Negócios Estrangeiros – os ministros da Defesa não têm formato próprio para a tomada de decisões neste domínio. As últimas informações indicam, contudo, que esta falha estará prestes a ser colmatada, com a criação de um Conselho da Segurança e Defesa ao nível dos outros Conselhos da União Europeia.
Quem defenderá a Europa?
Quem defenderá a Europa? É este o dilema dos europeus, quando a ameaça à sua segurança nunca foi tão real desde que a Guerra Fria terminou. Putin não ousará atacar um país-membro da NATO? Limitar-se-á a testar a sua política de intimidação nos países que estão na zona cinzenta entre as fronteiras da NATO e as fronteiras da Rússia?
O outro grande debate que hoje percorre os think-tanks e os meios militares da Aliança é justamente se a NATO está preparada para enfrentar um ataque a uma das pequenas repúblicas bálticas, demasiado próximas de São Petersburgo, que já foram parte da antiga União Soviética e que convivem diariamente com o enclave de Kalininegrado, entre a Lituânia e a Polónia, onde a Rússia instalou mísseis com ogivas nucleares que podem atingir Berlim em menos de cinco minutos.
Desde a crise ucraniana que os países da NATO, incluindo os EUA, mantêm um dispositivo militar nos Bálticos e na Polónia para dissuadir qualquer tentação de Putin, no qual participam 23 aliados. Os Estados Unidos, ao contrário da retórica de Trump, aumentaram o financiamento e o envolvimento nessas missões. Não há no terreno qualquer sinal de falta de solidariedade. A presença dos EUA e de mais 22 países da NATO na fronteira dos Bálticos ou na Polónia quer dizer, citando Paul Taylor, editor do Politico.eu, que “qualquer aventura da Rússia encontraria pela frente soldados da NATO, internacionalizando o conflito.” Taylor concluiu que isso ainda é suficiente “para deter qualquer líder russo racional”.
Socialistas e liberais ensaiam um novo “bloco” para retirar a maioria ao PPE
Por que tanta gente continua a gostar da chanceler alemã, que está de saída da política?
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 19/5/19
Ela nega, mas as especulações continuam. Talvez signifiquem, afinal, que para muita gente a Europa ainda não está preparada para a sua saída de cena. Oficialmente, esse momento só deverá acontecer em Setembro de 2021, não deveria acontecer antes de Setembro de 2021, quando os alemães escolhem um novo Bundestag e, portanto, a sua próxima chanceler (ou o próximo). Mas correm também rumores de que a sua saída poderia ser abreviada. A sua sucessora designada, Anegrette Kremp-Karenbauer, diz que não. Mais uma vez, nunca se sabe.
Merkel chegou à liderança da CDU em 2000, depois de afastar com rudeza todos os potenciais candidatos à sucessão de Helmut Kohl. Venceu as eleições em 2005 por uma unha negra, contra Gerhard Schroeder, o então chanceler do SPD. Voltou a ganhar mais três vezes: vai no seu quarto mandato e já superou a longevidade de Kohl. Marcou duas estreias absolutas: a primeira mulher chanceler e a primeira que vinha do Leste.
Apanhou ventos de feição, graças às reformas económicas e sociais do seu antecessor. Começou por hesitar sobre a necessidade de uma estratégia conjunta da União Europeia para fazer face aos efeitos destruidores da crise financeira de 2008 e para evitar que se transformasse numa Grande Depressão. Houve apenas uma Grande Recessão. Nunca viu com bons olhos a injecção maciça de dinheiro nas economias para contrariar os efeitos da crise. Logo que pôde, tomou o comando da resposta às sucessivas crises que se abateram desde aí sobre a Europa: da dívida, do euro, dos refugiados. Impôs duríssimas políticas de austeridade aos países que a dívida tornou particularmente vulneráveis, a troco da ajuda financeira. Capitaneou a profunda reforma das regras da união monetária, para torna-las à prova de incumprimento. Manteve os seus eleitores satisfeitos com a lógica da “punição” aos infractores. Vista como o rosto da austeridade por muitos europeus, poderia ter-se transformado numa figura detestada. Nada disso aconteceu. Porquê? Porque manteve duas convicções tão fortes, que até os mais críticos se vêem forçados a admirar: na Europa e na liberdade. Até aos 34 anos, foi cidadã da Alemanha de Leste. Da sua rua, via-se ao fundo o Muro de Berlim. Porque abriu os braços a um milhão de refugiados. Em nome dos valores europeus.
COMENTÁRIOS
Francis Delannoy, 19.05.2019: Angela Merkel, ainda a mais desejada... isto está para se provar. uma comunista que vendeu o seu pais aos estrangeiros, fazendo do seu pais um pais dividido, com os problemas diários com imigração, os imigrantes aonde não havia problemas..como agressões, estupros, roubos, droga, islamismo etc..
Daniel Borges, Lisboa 19.05.2019: Vejo 2 principais razões para ser apreciada. Por um lado é uma política extremamente hábil, um dos únicos pontos positivos das democracias europeias dos últimos tempos. É séria e leva os assuntos importantes com seriedade. Por outro lado penso que não são muitos os que a criticam fortemente pelas medidas de austeridade. Qualquer pessoa com o mínimo de noções políticas e económicas percebe a necessidade das medidas que ela implementou. Foi um xarope azedo mas necessário.

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