O que se vai passando por lá, na
distância da nossa abstracção, entretidos que andamos por cá, na proximidade
das nossas concretizações, mais ligadas a corrupção e a futebóis. É sempre um
prazer, retomar estes saberes que dão outro sabor à vida. Afinal, a América ainda
faz parte, Angela Merkel fará também, boa como o milho… Doris Day já cá não
está, mas o seu “Che sara, sara” permanece ou, mais prosaicamente, “o que for soará”, incapazes que somos de
permanecer - infelizmente quando é bem, felizmente quando é mal
Defesa europeia: A América continua a ser a nação insubstituível
A Defesa europeia vai ganhando forma – e
é mais do que um somatório de boas vontades. Mas um “exército europeu” continua
a ser uma figura de retórica.
PÚBLICO, 16 de Maio de 2019
“Sopa de letras” ou “exército europeu”? A revista britânica The Economist ainda
prefere a primeira definição para descrever o que é hoje a política de
defesa europeia, embora admita que alguma coisa já foi feita e que existe
um novo sentimento de urgência por causa do estado do mundo. A “sopa de
letras” é uma referência ao número siglas criadas pela União Europeia para dar
corpo institucional a uma nova política de segurança e defesa, cujo início
remonta a 1999, quando o Conselho Europeu de Helsínquia decidiu formalmente dar
início a esta nova dimensão da integração europeia. Era um velho sonho de
muitos europeístas mais convictos: verem-se fardas nos corredores das
instituições de Bruxelas. É preciso lembrar que a primeira tentativa de
construção de uma comunidade europeia foi a CED – Comunidade Europeia de Defesa
– lançada por iniciativa francesa em 1952 e chumbada dois anos depois pela França.
A ideia de um “exército europeu”
também não é de agora. “O Bundestag
discute-a pelo menos um vez por ano”, diz a porta-voz para as questões
militares do partido Os Verdes alemão. Em 1996, o então primeiro-ministro
francês Alain Juppé chegou a argumentar a favor de um “exército europeu”. Nunca
suscitou grande entusiasmo, nem sequer da parte da Alemanha, ainda fiel à sua
aliança fundadora com os EUA. Contou sempre com a total oposição do Reino
Unido, pouco entusiasta de qualquer iniciativa europeia que pudesse beliscar a
NATO.
Hoje, Emmanuel Macron e Angela Merkel
recuperaram a expressão ainda que com um significado bastante mais modesto do
que possa parecer à primeira vista.
Quando os dois países assinaram em Janeiro deste ano um novo tratado bilateral para renovar o Tratado do Eliseu de 1963, ambos mencionaram a possibilidade
de criação de um “exército europeu”.
Macron falou dele pela primeira vez numa numa entrevista em finais do ano
passado como parte da sua ideia de “uma Europa que protege”. Na mesma
entrevista, o Presidente afirmou que a Europa tinha de “fazer frente à
China, à Rússia e até aos EUA”. Como refere Ulrike Esther Franke, do
European Council on Foreign Relations, o Presidente francês falava de um
mundo dominado, cada vez mais, pelas relações entre grandes potências
interessadas em interferir na Europa. “Precisamos de uma Europa que seja
capaz de se defender por si própria – e não dependendo apenas dos EUA”.
Concluiu a mesma investigadora: “A ideia de um exército europeu equivale em
significado à velha ambição dos Estados Unidos da Europa ou até ao objectivo de
Obama de um mundo sem armas nucleares”.
A simples referência a um “exército
europeu” continua a ser bastante impopular na maioria das capitais da União.
Mas a sua reentrada em cena explica-se facilmente. Primeiro, foi a invasão russa do Leste da Ucrânia e a
anexação ilegal da Crimeia, em 2014. Os
europeus compreenderam pela primeira vez que o seu grande vizinho do Leste
voltava a ser uma ameaça à sua segurança. Depois, foi a eleição
de Donald Trump, em 2016, que classificou
a NATO de “obsoleta” durante a campanha eleitoral. A palavra ainda hoje vibra
nos ouvidos dos responsáveis políticos e militares europeus.
Desde
que chegou à Casa Branca, o Presidente já pôs em dúvida por diversas vezes o
compromisso dos EUA com a NATO, ou seja, com a segurança europeia. A sua
argumentação é simples: a Europa é rica, tira um enorme partido da economia
americana, mas quer que os EUA continuem a pagar pela sua segurança. O seu
comportamento errático nas duas cimeiras da NATO em que participou não ajudaram
a desanuviar o ambiente. Na primeira, além de causticar os aliados por não
gastarem pelo menos 2% do seu PIB com a defesa - fixados, de resto, numa
cimeira da NATO em 2014, ainda no tempo de Obama - “esqueceu-se” de mencionar o
Artigo 5º do Tratado de Washington, que garante a defesa colectiva:
“um por todos, todos por um”. Num sistema internacional onde a desordem
ganha todos os dias vantagem sobre a velha ordem liberal assente em
instituições multilaterais que os EUA criaram depois da II Guerra, há razões
de sobra para que a Europa preste muito mais atenção à sua própria segurança.
Mundo “pós-Atlântico”?
O
debate europeu deixou de ser se a constituição de uma capacidade militar
autónoma da União poderia ou não minar a unidade da aliança transatlântica e
passou a ser se a NATO continua tão empenhada como sempre em defender a Europa.
Ou, por palavras mais exactas, se o compromisso americano com a defesa europeia
continua tão firme como no passado. Nos círculos europeus e norte-americanos
onde se debatem estas questões começa a falar-se num “mundo pós-Atlântico”.
Entretanto,
a União foi tomando algumas decisões importantes. Criou a Pesco
(Cooperação Estruturada Permanente para a Segurança e Defesa), uma figura que já estava prevista no Tratado de
Lisboa (2007) mas que só viu a luz do dia em Novembro de 2017. Trata-se de criar
uma área de cooperação permanente entre os países da União que decidam
voluntariamente fazê-lo, sem que os outros possam impedi-lo. Ninguém quis
ficar de fora. Hoje, a Pesco conta com 25 países – as excepções são apenas o
Reino Unido porque está de saída, a Dinamarca que tem um opt-out em
matéria de defesa, e Malta.
A NATO aos 70
Paris
queria uma cooperação permanente mais limitada, de forma a garantir maior
coerência entre culturas estratégicas e maior eficácia. Berlim manteve a sua
preocupação de sempre: manter a coesão do todo. Esta divergência acabou por ser
superada por outra iniciativa do Presidente francês: a “Iniciativa de
Intervenção Europeia”, criada fora do quadro institucional da UE, o que lhe dá
a vantagem de integrar o Reino Unido, um dos 11 países que a constituem, entre
os quais Portugal, Holanda ou a própria Alemanha.
O veto e as tropas
Conta-se
em Bruxelas que se abriram garrafas de champanhe na sede da Comissão quando foi
conhecido o resultado do referendo britânico de 2016: finalmente a Europa
poderia ter uma defesa comum. Acabava o veto britânico. Ninguém se lembrou que,
com o veto, iam também a tropas. Haverá algum exagero nesta anedota, mas a
saída do Reino Unido é um problema. Representa cerca de 30% da capacidade
militar europeia (apenas igualado pela França) e, no capítulo da I&D na
defesa a sua contribuição atinge quase 40%. Leva também consigo a sua força de
dissuasão nuclear, deixando a França sozinha. Macron tem argumentado que a
relação estabelecida com o Reino Unido na NATO não chega para colmatar este
défice. Muito provavelmente, terá de haver um tratado.
Aliás,
apesar das eternas divergências entre Londres e Paris sobre o que deveria ser a
defesa europeia, a sua história atribulada nasceu em 1998, numa cimeira
franco-britânica em St. Malot entre Tony Blair e Jaques Chirac. Os dois países
tentavam tirar as lições da humilhação sofrida na ex-Jugoslávia, quando se
viram obrigados a recorrer aos EUA para travar a Sérvia de Milosevic e o
regresso da “limpeza étnica” ao território europeu pela primeira vez desde a II
Guerra.
O
que querem os EUA?
Na
quarta-feira, o Financial Times revelava uma carta enviada pelos
“número dois” dos departamentos de Estado e da Defesa americanos a Federica
Mogherini, a chefe da Diplomacia europeia, dando-lhe conta da “profunda
preocupação” de Washington com as regras do novo Fundo Europeu da Defesa
(FED) e com a criação da Pesco, que podem “levar a duplicações, à falta
de interoperabilidade dos sistemas militares, ao desvio de recursos já de si
escassos e a uma desnecessária competição entre a NATO e a UE”.
“É
vital (…) que as iniciativas independentes da União Europeia como o FED e a
Pesco não ponham em causa as actividades da NATO e a cooperação NATO-UE”.
Depois de Trump ter posto em causa por diversas vezes o compromisso dos EUA com
a Aliança Atlântica, a sua Administração vem lembrar aos europeus quem lidera e
quem estabelece a regras do jogo. Esta aparente “esquizofrenia” não é só de
agora. Outros Presidentes reagiram mal a qualquer iniciativa europeia
autónoma no domínio da defesa. Foi assim, por exemplo, nos primeiros anos de
George W. Bush. Robert Gates, secretário da Defesa de Obama no seu primeiro
mandato, foi a Bruxelas antes de abandonar o cargo dirigir aos aliados as
palavras, porventura, mais duras que ouviram do parceiro americano sobre o seu
pouco empenho financeiro e militar numa aliança da qual dependiam para garantir
a sua defesa.
Uma
leitura mais atenta da carta revela que a grande preocupação americana é o
Fundo Europeu de Defesa, com regras que podem prejudicar a sua própria
indústria, que tem na Europa um grande mercado, mas também a cooperação nos
domínios da I&D (investigação & desenvolvimento). Aparentemente, essas
regras poderiam impedir companhias situadas fora da Europa, incluindo nos EUA,
de participarem em projectos militares financiados pelo fundo. A hipótese de
retaliação está subentendida. A carta criou alguma ansiedade em Bruxelas. “Há
uma enorme incompreensão sobre o modo de funcionamento da União Europeia” diz
um diplomata europeu ao FT, negando qualquer intenção discriminatória em
relação aos EUA.
Já
a ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen, preferiu lembrar que os
europeus “estão a fazer aquilo que os nossos amigos americanos nos têm pedido
há anos.” “A nossa tarefa é mostrar-lhes que a NATO apenas lucrará com os
esforços no sentido de criar uma União Europeia da Defesa”.
Para
a maioria dos países que são, ao mesmo tempo, membros da União e da NATO, é
isso exactamente o que significa o reforço da cooperação militar no quadro da
União Europeia: aumentar a sua capacidade militar “no âmbito da Pesco
ou no âmbito da NATO é exactamente a mesma coisa”, citando o chefe da
Diplomacia portuguesa. Aliados como Portugal, Holanda, Dinamarca e a maioria
dos países da Europa Central e de Leste continuam a ver a NATO a garantia da
sua segurança e numa maior capacidade militar própria da União Europeia um
reforço do pilar europeu da organização.
O
FED vai contar com cerca de 13 mil milhões de euros nos próximos sete anos, o
que está longe de ser uma enormidade, embora já seja alguma coisa. Em Junho do
ano passado Federica Mogherini propôs a criação de uma
“Capacidade Europeia para a Paz”, que poderia ir até dez mil milhões de
euros anuais, destinada a ajudar a suportar os custos das operações militares
conduzidas sob bandeira da União. A proposta deve ser aprovada em breve.
Até
recentemente, a Alemanha opunha-se à sua criação, dizendo que os tratados a
impediam. Hoje, a política de defesa é ainda uma competência do conselho de
ministros dos Negócios Estrangeiros – os ministros da Defesa não têm formato
próprio para a tomada de decisões neste domínio. As últimas informações
indicam, contudo, que esta falha estará prestes a ser colmatada, com a criação
de um Conselho da Segurança e Defesa ao nível dos outros Conselhos da União
Europeia.
Quem defenderá a Europa?
Quem
defenderá a Europa? É este o dilema dos europeus, quando a ameaça à sua
segurança nunca foi tão real desde que a Guerra Fria terminou. Putin não
ousará atacar um país-membro da NATO? Limitar-se-á a testar a sua
política de intimidação nos países que estão na zona cinzenta entre as fronteiras
da NATO e as fronteiras da Rússia?
O
outro grande debate que hoje percorre os think-tanks e os meios
militares da Aliança é justamente se a NATO está preparada para
enfrentar um ataque a uma das pequenas repúblicas bálticas, demasiado próximas
de São Petersburgo, que já foram parte da antiga União Soviética e que convivem
diariamente com o enclave de Kalininegrado, entre a Lituânia e a Polónia, onde
a Rússia instalou mísseis com ogivas nucleares que podem atingir Berlim em
menos de cinco minutos.
Desde a crise ucraniana que os países
da NATO, incluindo os EUA, mantêm um dispositivo militar nos Bálticos e na
Polónia para dissuadir qualquer tentação de Putin, no qual participam 23
aliados. Os Estados Unidos, ao contrário da retórica de Trump, aumentaram o
financiamento e o envolvimento nessas missões. Não há no terreno qualquer
sinal de falta de solidariedade. A presença dos EUA e de mais 22 países da NATO
na fronteira dos Bálticos ou na Polónia quer dizer, citando Paul Taylor, editor
do Politico.eu, que “qualquer aventura da Rússia encontraria pela frente
soldados da NATO, internacionalizando o conflito.” Taylor concluiu que isso
ainda é suficiente “para deter qualquer líder russo racional”.
Socialistas
e liberais ensaiam um novo “bloco” para retirar a maioria ao PPE
Por que tanta gente continua a
gostar da chanceler alemã, que está de saída da política?
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 19/5/19
Ela nega, mas as especulações continuam. Talvez
signifiquem, afinal, que para muita gente a Europa ainda não está preparada
para a sua saída de cena. Oficialmente, esse momento só deverá
acontecer em Setembro de 2021, não deveria acontecer antes de
Setembro de 2021, quando os alemães escolhem um novo Bundestag e, portanto, a
sua próxima chanceler (ou o próximo). Mas correm também rumores de que a sua
saída poderia ser abreviada. A sua sucessora designada, Anegrette Kremp-Karenbauer,
diz que não. Mais uma vez, nunca se sabe.
Merkel chegou à liderança da CDU em 2000, depois de
afastar com rudeza todos os potenciais candidatos à sucessão de Helmut Kohl.
Venceu as eleições em 2005 por uma unha negra, contra Gerhard Schroeder, o
então chanceler do SPD. Voltou a ganhar mais três vezes: vai no seu quarto
mandato e já superou a longevidade de Kohl. Marcou duas estreias absolutas: a
primeira mulher chanceler e a primeira que vinha do Leste.
Apanhou ventos de feição, graças às reformas
económicas e sociais do seu antecessor. Começou por hesitar sobre a necessidade
de uma estratégia conjunta da União Europeia para fazer face aos efeitos
destruidores da crise financeira de 2008 e para evitar que se transformasse
numa Grande Depressão. Houve apenas uma Grande Recessão. Nunca viu com bons olhos a injecção maciça de dinheiro nas economias
para contrariar os efeitos da crise. Logo que pôde, tomou o comando da resposta
às sucessivas crises que se abateram desde aí sobre a Europa: da dívida, do
euro, dos refugiados. Impôs duríssimas políticas de austeridade aos países que
a dívida tornou particularmente vulneráveis, a troco da ajuda financeira.
Capitaneou a profunda reforma das regras da união monetária, para torna-las à
prova de incumprimento. Manteve os seus eleitores satisfeitos com a lógica da
“punição” aos infractores. Vista como o rosto da austeridade por muitos europeus, poderia
ter-se transformado numa figura detestada. Nada disso aconteceu. Porquê? Porque
manteve duas convicções tão fortes, que até os mais críticos se vêem forçados a
admirar: na Europa e na liberdade. Até aos 34 anos, foi cidadã da Alemanha de Leste. Da sua rua, via-se
ao fundo o Muro de Berlim. Porque abriu os braços a um milhão de refugiados. Em
nome dos valores europeus.
COMENTÁRIOS
Francis Delannoy, 19.05.2019: Angela Merkel, ainda a mais desejada... isto está para se provar. uma comunista que vendeu o seu pais aos estrangeiros, fazendo do
seu pais um pais dividido, com os problemas diários com imigração, os
imigrantes aonde não havia problemas..como agressões, estupros, roubos, droga,
islamismo etc..
Daniel Borges, Lisboa 19.05.2019: Vejo 2 principais razões para ser apreciada. Por um
lado é uma política extremamente hábil, um dos únicos pontos positivos das
democracias europeias dos últimos tempos. É séria e leva os assuntos
importantes com seriedade. Por outro lado penso que não são muitos os que a
criticam fortemente pelas medidas de austeridade. Qualquer pessoa com o mínimo
de noções políticas e económicas percebe a necessidade das medidas que ela
implementou. Foi um xarope azedo mas necessário.
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