Sim, julgo que foi muito bom o
estabelecimento do Lycée Charles
Lepierre no nosso país, bem como o têm sido os vários colégios ingleses ou
alemães, que vão também preparando alguns alunos portugueses dentro dos moldes que
os alunos estrangeiros, naturalmente, seguem, segundo os trâmites pedagógicos
dos seus próprios países, bem como, nas suas famílias, os preceitos específicos
dos seus hábitos educacionais, talvez mais comedidos, embora das minhas memórias
docentes aqui, me fique um cômputo quase direi só positivo e gratas recordações
de amizade e de respeito mútuo, excluindo os casos pontuais da insubordinação ainda
resolúveis na altura, mas que, ao que parece, se vão tornando gradualmente mais
difíceis de aplicar, provenientes dos ventos não mais cálidos, mas de convulsão
em tornado.
Mas, mesmo sem a influência liberal dos
ensinamentos no liceu francês, também por cá (embora as minhas evocações se
centrem no ensino em África) famílias houve que educavam os seus filhos sem a
inscrição nos preceitos da Mocidade Portuguesa, olhada com desprezo por muitos não
inscritos, o desprezo que manifesta Salles da Fonseca, por uma farda detentora
de servilismos e arrogâncias em função dos preceitos estabelecidos pelas
ditaduras que elas simbolizavam.
Por mim, desconhecedora então desses
significados desfeiteadores de uma farda elegante, admirava quem a empunhava,
nas paradas onde a maioria das raparigas, de que eventualmente fiz parte, nos
festivais de ginástica e jogos naqueles anos do ciclo, usava vestido branco,
que resplandecia nos quadrados centrais ou nas marchas laterais, em que a
saudação à bandeira ou ao público se fazia de braço estendido, em sinal de
respeito, que nunca me passou pela cabeça menosprezar, antes de ver,
posteriormente, os VV socialistas ou os braços erguidos de punho fechado, que
se lhes seguiram, imporem-se por cá.
Quem sabe se muitos dos que desfeitearam
a língua portuguesa, num Acordo Ortográfico inconcebível, não terão feito parte
dessa Mocidade Portuguesa de bela farda, que se apressaram em despir, logo após
a Revolução de Abril! Por isso, acrescentei ao texto de Salles da Fonseca, o de Nuno Pacheco, uma vez mais indignado com o desplante
dos subservientes linguísticos a outras pátrias, sem lógica e sem princípios!
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 30.05.19
REVOLUÇÃO FRANCESA EM LISBOA
“Liberdade, igualdade, fraternidade”
Eis os valores que o Liceu Francês veio
promover em Portugal.
“Libertinagem, vulgaridade,
promiscuidade”, as acusações a que eram
sujeitos os princípios republicanos franceses pela sociedade portuguesa mais
conservadora.
Era
entre estes dois limites que uma parte importante da minha geração se situava. No meu caso, com claro pendor para a liberdade contra a
libertinagem, pela igualdade contra a vulgaridade, pela fraternidade contra a
promiscuidade. Tudo, numa versão não jacobina nem maçónica. De tradição
familiar republicana e democrática, era-me fácil absorver aquela liberdade não
constrangida por grilhetas físicas ou intelectuais, a igualdade não condicionada
por preceitos sociais de nascimento, a fraternidade como atitude natural numa
sociedade mais virada para a compaixão do que para o egoísmo. Por que não?
Porque o contrário seriam a escravatura, a prevalência da «pureza genética», o
isolacionismo individualista.
E precisamente porque os meus pais não me
queriam de sotaina, me queriam mundividente e liberal, mandaram-me para o
“Charles Lepierre”. Este,
o «homem novo» que eles queriam, não o fardado da “Mocidade Portuguesa”.
(continua) Maio de 2019 Henrique
Salles da Fonseca
II - Cultura-Ípsilon:
OPINIÃO
Socorro, querem roubar-nos a língua e
deixar-nos mudos!
As variantes do português, riquíssimas,
merecem ser reconhecidas como partes de uma mesma língua mas soberanas nos seus
países e não desfiguradas em “unificações”.
Estava
eu no Brasil, de férias, entretido (e divertido) com as diferenças entre o
português de lá e de cá, quando no Expresso surgiu este título lancinante: “Há quem queira
ficar com a nossa língua e quem, por cá, aplauda.”
Imaginei logo uma enorme faca, afiada, a deixar-nos mudos para todo o sempre.
Afinal, a coisa não era assim não grave. Nem facas nem sangue, só um lamento
por alguém, no Brasil, defender que “o português brasileiro precisa de ser
reconhecido como uma nova língua”. Henrique Monteiro (HM), autor do artigo, descobriu logo a marosca: os
patifes que, por cá, querem acabar com o acordo ortográfico, são óbvios cúmplices
desse nefando golpe, que deixaria a Portugal um dialecto minoritário (conhecido
por português), enquanto o gigante além-Atlântico falaria orgulhosamente
brasileiro.
Tirando
o facto de tal artigo ter chegado atrasado umas décadas, já que a defesa de
um grito do Ipiranga linguístico é ali velhíssima (embora
sem quaisquer consequências), o artigo
tem que se lhe diga. Não pela
argumentação, mais rasteira do que relva recém-aparada, mas pelo que revela de
profunda ignorância em relação ao tema.
Vejamos alguns tópicos. H.M., sagaz, nota que há uma comissão parlamentar a
propor alterações ao acordo ortográfico (AO) e que há 20 mil cidadãos a propor
a “revogação, pura e simples, do tratado”. Terá lido apenas, percebe-se, o que
alguém escreveu sobre o assunto. Mesmo assim, arrisca dizer que, “a bem do país
e da língua, o Parlamento manterá o essencial do Acordo”. E o que é o essencial
dessa coisa, saberá H.M. dizer? Não sabe. Nem ele nem as luminárias que o
inventaram. Mas eu recordo e sublinho. O essencial era a “unificação
ortográfica da língua portuguesa” (sic, para citar a
nota explicativa do AO). Pois esse “essencial” não foi cumprido nem o será
nunca. Nem com golpes baixos – como a alteração, por protocolos modificativos,
do princípio básico de que o AO só entraria em vigor “após depositados os
instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República
Portuguesa” (e entrou antes, só com metade dos países, mantendo-se assim até
hoje, sem alteração).
O
que fazer, então? Alterar o acordo? Repor umas letras? Deitá-lo fora? Vejam
bem: até H.M. diz, no seu texto, que contradições “há muitas; até
incongruências”. Mas acha que não vale usá-las como argumento, porque “a
perfeição, sabe-se, é tão impossível como agradar a todos”. Lindo, não é? Só
que, neste caso, a palavra “imperfeição” é elogiosa, porque o AO contém um vasto rol de erros crassos, como
há anos se tem vindo a apontar com exemplos, não com puerilidades. O deputado independente Jorge Lemos, que rasgou o texto do AO no
parlamento, na sessão de 28/5/1991, disse tudo: “O acordo
é inútil, ineficaz, secretista, prepotente, irrealista, infundamentado,
desnecessário, irresponsável, prejudicial, gerador de instabilidade e
inoportuno.” Ora de 91 para 19 nada disto mudou.
Tem
isto alguma importância? Nenhuma! H.M. zomba até dos “que avisam que seguem a
ortografia antiga” (esquece-se que, em jornais como o Expresso, muitos são obrigados a usar a “nova” por prepotência)
porque “se virem com atenção, em muitos textos tal é indiferente porque não
mudariam uma letra”. Na
realidade, diz ele, “o que muda é 2%”. O argumento não é novo. Malaca
Casteleiro e Telmo Verdelho, dois bonzos do
AO, já o usaram em 2017, ao
escreverem que se tais criaturas (da “antiga ortografia”) “não o declarassem,
ninguém se aperceberia de tão grande heroicidade”. Isto pretende ser
engraçadinho, mas vira-se contra os seus autores: se é assim, se ninguém se
apercebe, se só mudou 2%, se tanto faz “nova” ou “antiga” ortografia que
ninguém repara, então para quê o acordo, não nos dizem? Para nada?
Má
vontade, é o que é. Porque, escreve H.M., “o idioma tem um valor
decisivo na nossa projecção internacional”. Tem? Deve ser por isso que há cada
vez mais Summits, Schools, Meetings, Businesses, Workshops and so on. É o português
internacional! H.M. fala
ainda da decadência do francês (uma ortografia “conservadora”), mas fazia-lhe
bem consultar o site Ethnologue – Languages of the World. Ontem, os
dados lá publicados eram, em milhões de utilizadores, estes (somando os que
usam cada idioma como primeira ou segunda língua): o inglês com 1132
em 135 países, o espanhol com 534 em 30 países, o “decadente” francês com 279
em 53 países e o português com 220 em 14 países. Chega?
Por
fim, dois argumentos que nunca deviam ser usados: se alguém “quer ficar com
a nossa língua” (título do artigo) é porque, afinal, a língua tem dono. Afinal
em que ficamos? Tem dono ou não tem? Somos nós? São eles? Somos todos? Querem
parar de delirar, por favor?
O
segundo, com que H.M. fecha o artigo, é: a língua “é um legado, um monumento da
Expansão portuguesa. Não brinquem com ela”. Pois, mas já brincaram, ignorando que
o “monumento da expansão” passou a fruto da independência. As variantes do
português, riquíssimas, merecem ser reconhecidas como partes de uma mesma
língua mas soberanas nos seus países e não desfiguradas em “unificações”. Este
é (para citar uma palavra cara a Marcelo) um “irritante” que persiste, para
incómodo geral. É mais que hora de removê-lo.
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