sábado, 11 de maio de 2019

“Somos um povo que cerra fileiras”



Partimos “à conquista do pão e da paz”. E assim avançamos, argutos, ao sabor dos ventos, que Eolo previdente ora desencadeia ora doma, os mais lúcidos apenas mostrando as pistas, denunciando os truques, todos numa boa, afinal, no país do faz de conta.
CRISE POLÍTICA:    Dar o dito por não dito /premium
MANUEL VILLAVERDE CABRAL      OBSERVADOR, 9/5/2019
O Presidente da República, habitualmente tão loquaz, nem piou. Calculou que o «bando dos quatro» não se aguentaria, como não se aguentou, borregando antes de a semana findar.
Toda a gente sabe que a mania da coerência é mais um mito do que uma realidade e ainda bem. Seria bem pior se as pessoas, em nome de uma coerência ideológica, nunca emendassem os erros. Desde que os reconheçam e, já agora, que expliquem por que razão mudaram de opinião. O que não vale é dar o dito por não dito e pretender esconder que se mudou de ideias. No limite, isso chama-se mentir. Foi o que fizeram o primeiro-ministro e os líderes do CDS e do PSD. O primeiro-ministro fê-lo com óbvias intenções eleitoralistas e os líderes da presumida oposição à «geringonça» não confessaram que mudaram de ideias mas fizeram o mesmo cálculo eleitoral. Estou a referir-me, como é óbvio, ao falso alarme da demissão do governo caso as proclamadas «esquerda» (PCP+BE) e «direita» (PSD+CDS) se juntassem para aplicar ao PS o golpe da «coligação negativa», muito usado na vida partidária portuguesa. Pelas minhas contas, seria a quarta vez, o que se percebe num sistema partidário fechado a sete chaves em que apenas dois partidos estão autorizados a chefiar o governo. O governo PS seria então indirectamente derrubado por essa «coligação negativa» a pouco mais de duas semanas das eleições europeias e a escassos meses das legislativas. Não gozem connosco!
O que aconteceu foi uma série de tacticismos eleitorais consecutivos da parte dos cinco partidos da cena parlamentar portuguesa a propósito do badalado drama nacional das reivindicações dos professores do primário e do secundário, que estão, segundo os dados internacionais, entre os funcionários mais bens pagos do país. Ao de cimo, acabou por vir, como era expectável, esse «centro» que o PS conseguiu personificar com a ajuda da armadilha em que o PCP+BE tinham conseguido fazer cair o PSD+CDS ao prometerem em conjunto à CGTP uma recuperação salarial que ninguém tinha tido fora da Madeira (PSD) e dos Açores (PCP), cujos funcionários constituem uma grande parte dos eleitores… Se a «esquerda» e a «direita» pensavam que iam embaraçar o PS, obrigando-o a assumir perante o eleitorado nacional a recusa de aumentar os professores no presente contexto, António Costa serviu-se da «coligação negativa», com que os extremos do hemiciclo imaginavam arrebanhar votos dos professores, para desarmar ambos os grupos de demagogos e, em contrapartida, recuperar os votos de todos aqueles que nunca estiveram pelos ajustes de mais esse presente pecuniário aos funcionários públicos. Muito haveria a dizer sobre as causas deste comportamento mas hoje limitar-nos-emos a sublinhar, no final, os efeitos de longo prazo da crise do sistema de educação.
Em suma, tratou-se de uma oportunidade oferecida de bandeja ao contra-golpe eleitoral do primeiro-ministro, o qual não hesitou em agitar imediatamente a ameaça de demissão. O Presidente da República, habitualmente tão loquaz, nem piou. Calculou que o «bando dos quatro» não se aguentaria, como não se aguentou, borregando antes de a semana findar. A «direita» ficou eleitoralmente desfeita e a «esquerda» provavelmente também vai pagar caro a demagogia ao responsabilizar-se penosamente pelo seu duplo fracasso, como se queixa o BE.
Com efeito, desdenhando a situação real do país e as medidas adequadas a propor ao eleitorado, a «esquerda» e sobretudo a «direita» não só perderam o pouco crédito eleitoral que pudessem ter ganho nos últimos meses como passaram a permitir que o PS alimentasse a esperança de recuperar as perdas indicadas pelas sondagens e vir, eventualmente, a atingir a maioria absoluta, o que seria um desastre. A situação do país é, efectivamente, muito pior do que o ministro das Finanças tem por ofício anunciar, como demonstra a dívida pública. Esta não parou de aumentar desde que Portugal entrou para a UE devido ao défice sistemático; ultrapassou o PIB em 2011 – ano da bancarrota iminente – e nunca mais baixou, estando hoje 25% acima do PIB.
Há, porém, algo de tão grave e revelador como a dívida, porque estrutural e condicionante do futuro a longo prazo. É a produtividade do trabalho em baixa há cinco anos seguidos. Segundo o Banco de Portugal, “Portugal tem divergido face à área do euro” devido ao crescimento do emprego de baixo valor acrescentado. O aumento do turismo e da construção civil são bem-vindos mas sempre foram actividades de baixa produtividade. A escolarização e a formação profissional, assim como a saúde – em crise sem equivalente desde a criação do SNS – são os factores que definem o chamado «índice de desenvolvimento humano». É disto e não das intrigas eleitorais que os partidos deviam ocupar-se. A última delas arrisca-se a ser mais uma receita para a abstenção, tanto nas eleições europeias como nas legislativas!
COMENTÁRIOS
Luís Faria: Você acha que os partidos estão preocupados com o desenvolvimento de Portugal? Tornaram-se clubes a disputar quem vence o campeonato mais vezes. O resto que se lixe. Há sempre a UE para pôr a mão por baixo.
William Smith. Boa análise. Mas não concordo que esta p-a-lhaçada leve o P-S à maioria absoluta, Para a semana já só se vai falar do campeonato que o Benfica irá ganhar ou, caso perca em Rio Ave, do escândalo que será não ganhar esse mesmo campeonato.
Manuel Cabral > William Smith: Eu não prognostiquei que o PS teria a maioria «absoluta». Precisaria pelo menos de 45% dos votos e mesmo assim não é certo (Guterres teve 45% e não conseguiu). Se porventura conseguir, é graças ao PSD e ao CDS, sobretudo à absoluta falta de visão política de Rui Rio, antes e depois da jogada do 1.º ministro ameaçando a demissão. Imagino que alguns dos novos pequenos partidos recuperem parte dos votos habituais do PSD (e do CDS), como a «Aliança» e a «Iniciativa Liberal», em Lisboa e porventura no Porto.  
Pedro Ferreira: Adrien; acredite que foi um dia feliz para mim o 25 de Abril de 1974, mas como teve oportunidade de constatar, pela recente polémica dos professores, os partidos de uma ponta à outra, são problema e não solução. A alteração constitucional poderia ser feita passando para um regime presidencialista, mas não  acredito que os partidos colaborem numa saída, portanto, resta-lhe viver num regime injusto, que empobrece as pessoas e os  nossos filhos e netos terão de pegar na "mala de cartão" como fizeram os nossos antepassados no século XIX, XX e estão a fazer no XXI. Por que sacrilégio teremos de ser pobres? Ainda sobre um regime musculado, a pós-modernidade está a abrir caminho a soluções dessas, tal como o racionalismo e a modernidade abriu caminho a fascismos e comunismos. Existe um conflito permanente, entre segurança e liberdade e como a globalização gera insegurança, as pessoas vão sacrificar a liberdade pela segurança.
victor guerra: Outro que não leu o que o partido dele e do governo, escreveu sobe o caso dos professores. E tão pouco, o do seu querido Marcelo.
J M > victor guerra: Qual é o "partido" do mvc? Pelo texto, ele distribui "mimos" da "esquerda" à direita! 
Manuel Cabral > J M: Muito obrigado pela sua resposta ao provocador de cima! Já no 25 de Abril não tinha partido e, desde então para cá, votei em quase todos os partidos conforme as eleições e as candidaturas. Com o tempo, fui-me abstendo cada vez mais frequentemente dada a inutilidade do voto para eleger representantes capazes de promover as reformas profundas que venho propondo nos meus artigos, incluindo o sistema constitucional, político e fiscal, para não falar das políticas públicas que tenho estudado ao longo do tempo (educação, saúde, envelhecimento, reforma, etc.).    Manuel Cabral > victor guerra: Essa do Marcelo é boa!
Pedro Ferreira > Excelente artigo. Tal como o regime anterior ficou bloqueado por não ter capacidade para resolver o problema colonial, a democracia da hodiernidade é incapaz de resolver o nosso empobrecimento crónico. Falando para o comum dos mortais e como uma linguagem mais rasca, não vamos lá com empregos de bandeja na mão e a fazer camas aos estrangeiros, por outro lado, o peso da dívida (pública, privada e das empresas) e o peso da despesa do Estado no PIB(quase 50%) implica a maior carga fiscal de sempre, como tal, vamos ter uma "Japonização" da nossa economia com crescimentos, desde 2000, quase nulo em média.  Reitero, o regime está bloqueado e já não saímos deste estado sem uma democracia musculada.
Adrien Silva Santos > Pedro Ferreira: Democracia Musculada!??  Isso é eufemismo para ditadura. Não, obrigado!!
Ana Maia > Pedro Ferreira:  Como em tudo parece-me ser necessário mais que “democracia musculada” que não me parece convergir para o significado de democracia como a população em geral a entende, a democracia é como as empresas, não existe realmente, quem a faz são as pessoas e nesse campo das pessoas na vida política estamos muito mal servidos. Já se disse que todos os grandes estadistas morreram mas não duvido que por esse país fora, e mundo em geral, haja muita gente competente e com capacidade para dar a volta, mas não são garantidamente os políticos de hoje que afugentam qualquer pessoa de valor ao tornar a política um foco de mentira, falsidade, demagogia e palhaçadas como o que temos visto por cá nos últimos tempos com especial incidência nos últimos meses. Arranjem alguém que arraste multidões como um Sá Carneiro ou um Mário Soares e com um projecto definido que não seja as promessas vazias que nunca são cumpridas do “baixar os impostos” que nunca baixam (o IVA baixou para 16% em 1992 e desde então é sempre a subir, já lá vão 27 anos) e os eleitores vão atrás. Já não somos o povo estúpido de 1974 e temos expectativas e ambições que os políticos nitidamente não conseguem sequer reconhecer dada a distância a que se encontram do eleitorado em especial daquele que não faz parte do grupo dos empregados do estado, que não são quem cria riqueza para o país.
Manuel Cabral > Pedro Ferreira: Concordo plenamente com a primeira parte. Porém, o problema da sucção do PIB pelo orçamento de Estado não está necessariamente nos 50% que nos come (e já comeu mais no tempo do Sócrates, sempre para comprar votos um a um e em grosso, através dos «fornecedores» do Estado). Em certos países como a França e alguns dos escandinavos, a % da despesa estatal é tão grande ou maior do que a nossa. A grande diferença está na miserável produtividade das políticas e dos funcionários públicos, cujos custos se perdem pelo caminho quando não é pela corrupção individual e/ou colectiva. Um exemplo esclarece tudo: a progressividade do IRS diminui efectivamente alguma coisa em Portugal a desigualdade dos rendimentos líquidos perante os brutos, mas muito pouco: muito menos do que nos países citados, pois a receita que nos é cobrada (a menos de 50% da população) «perde-se nos «serviços». Ou seja, a diferença entre a desigualdade de rendimento antes e depois do imposto progressivo é muito maior nos países bem governados do que em Portugal (o IVA não é progressivo e fica portanto mais barato a quem ganha mais…)! Dei este exemplo óbvio para descartar a necessidade de um «regime musculado» (já tivemos um e não ganhámos nada com isso): o que tem de ser feito pode sê-lo em democracia. Mais: se a democracia funcionasse melhor, teria mais apoio e participação.

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