quinta-feira, 2 de maio de 2019

“Posso esclarecer?”



Mais uma vez me sirvo de uma expressão do “Agildo”, do seu programa em reposição “Isto é o Agildo”, desta vez para comentar o esclarecimento que nos vem dar o Primeiro Ministro António Costa, a respeito dos SNS e interferência das PPP. Agildo falha nos seus compromissos para com os vários intervenientes da engrenagem representada e vai justificando os sucessivos erros do seu percurso de enviado para um qualquer recado gorado, com um “posso esclarecer?” velhaco, seguido do “Então esclarecerei”, responsável e delicado mas sucessivamente mais embrulhado, atestando, todavia, a impecabilidade da sua inocência e velhacaria. Não é o mesmo caso, contudo, o PM não está a esclarecer, sobre algo a que atribui mérito – o SNS e as PPP reservadas estas para o caso em que aqueles falhem, julgo. Os comentadores esclarecem melhor a questão.
Quanto ao PM, ele anda em campanha em causa própria, daí o seu aparecimento em crónica, para esclarecimento das nossas incompreensões, pois diz-se que os SNS não cumprem capazmente, por falta de verba. Trata-se, pois, em meu entender, de um trunfo oportunista justificativo, este seu artigo saído no Público, facilitador da sua vitória eleitoral.

OPINIÃO
Não perder a oportunidade de avançar
O Governo defende e privilegia a regra da gestão pública, assumindo que apenas pode recorrer à gestão privada em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas, supletiva e temporariamente.
ANTÓNIO COSTA
PÚBLICO, 1 DE MAIO DE 2019,
Comemoram-se este ano os 40 anos do SNS. A aprovação da Lei n.º 56/1979 concretizou o direito constitucional à saúde através da criação de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito.
Ao longo destes 40 anos, o SNS afirmou-se como uma das principais conquistas sociais de abril, cobrindo progressivamente mais território e mais serviços. Nestes 40 anos o SNS resistiu à tentativa de revogação pelo Governo da AD, que o Tribunal Constitucional inviabilizou, e à tentativa de descaracterização que a Lei de Bases da Saúde (LBS) em vigor prossegue ao considerar o apoio do Estado ao “desenvolvimento do sector privado da saúde (…) em concorrência com o sector público” (Base II, n.º 1, al. f) da Lei de Bases da Saúde de 1990).
Não se confunda o essencial com o acessório. O principal objectivo de celebrar os 40 anos do SNS com a aprovação de uma nova Lei de Bases é precisamente o de pôr termo a esta descaracterização, afirmando claramente que o recurso à contratualização com o sector privado e social da prestação de cuidados de saúde estão “condicionados à avaliação da sua necessidade”.
Na proposta de Lei de Bases da Saúde que o Governo apresentou na Assembleia da República assumem-se três prioridades:
Em primeiro lugar, aprovar uma Lei de Bases da Saúde para o século XXI, capaz de enfrentar os novos desafios da transversalidade da política de saúde, que reafirme o princípio da saúde em todas as políticas, que aposte na prevenção da doença e na inovação tecnológica, centrando-se nas pessoas e na sua participação.
Em segundo lugar, é uma proposta de lei que fortalece, inova e moderniza o SNS, promovendo a inovação e os níveis de autonomia, apostando na maior responsabilização da gestão e criando condições para uma crescente dedicação plena ao exercício de funções públicas.
Mas é, principalmente, uma Lei que reforça o papel do Estado e clarifica as relações deste com os sectores privado e social, afirmando a responsabilidade do Estado no garante e na promoção da protecção da saúde através do SNS e assumindo que a contratação de entidades terceiras é condicionada à avaliação da necessidade. Com esta clarificação, afastamo-nos dos princípios da concorrência entre público e privado que a direita fez aprovar em 1990 e que diluíram nos últimos anos os princípios estabelecidos na Constituição.
Depois de meses de trabalho sobre a nova LBS e a poucos dias de se iniciar a discussão das propostas dos partidos em sede de Comissão Parlamentar da Saúde, toda a controvérsia parece agora reconduzida a um único tema: o da admissibilidade das parcerias público-privadas (PPP) na gestão clínica dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde do SNS. Mas a redução de todo o debate a este tema é errada por três motivos fundamentais:
Em primeiro lugar, porque diminui a importância do caminho que foi possível fazer durante este processo e dos compromissos a que havíamos chegado em temas fundamentais como “responsabilidade do Estado”, “descentralização de competências”, “taxas moderadoras”, “apoio ao cuidador informal”.
Em segundo lugar, é fundamental ter a noção da dimensão do tema que aqui estamos a debater. Num universo de 49 centros hospitalares e hospitais do SNS, quatro são geridos em regime de PPP (o contrato do Hospital de Braga termina no futuro 31 de agosto). Estes hospitais representaram, em 2018, menos de 5% do total da despesa em saúde. É efectivamente uma pequena parte do que todos os dias o SNS representa, mesmo na relação com o sector privado, onde as convenções atingem os 11.,6%.
Por fim, porque também neste tema da gestão pública, há compromissos alcançados que não podem ser desperdiçados. A proposta do Governo já era clara ao estabelecer que o “a gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública”, apenas prevendo que ela pudesse ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato com entidades privadas ou do sector social. Ou seja, o Governo defende e privilegia a regra da gestão pública, assumindo que apenas pode recorrer à gestão privada em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas, supletiva e temporariamente.
Esta é aliás a posição coerente com o que se estabelece no programa de Governo.  Foi assim que o Governo não criou - nem pretende criar- novas PPPs e das actuais 4 e únicas o ponto de situação é o seguinte:
A PPP de Braga terá gestão pública a partir de 1 de setembro; a PPP de Cascais teve o seu contrato prorrogado em janeiro de 2019 e está em desenvolvimento o concurso para uma nova parceria; as PPP de Vila Franca de Xira e de Loures estão em avaliação, no que toca ao desempenho do parceiro privado, e o Estado terá que tomar uma decisão sobre a sua manutenção, respectivamente em maio de 2019 e em janeiro de 2020.
Estão em causa situações em que não seja possível garantir a gestão pública, por exemplo, no caso em que não seja possível responder à internalização simultânea dos quatro contratos de gestão actualmente existentes. Porque para o Governo há um elemento que se sobrepõe a todos os outros:  a decisão de não renovar os actuais contratos de gestão em regime de PPP depende da capacidade que o SNS tenha de, em cada momento concreto, gerir um determinado hospital em condições pelo menos iguais, senão superiores, às que foram asseguradas pelo parceiro privado. O direito dos cidadãos à saúde deve ser a nossa prioridade.
Entretanto, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em proposta de alteração, procurou ainda densificar o sentido da proposta de lei, defendendo: a gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública, podendo ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato de direito público, quando devidamente fundamentada.
Os processos negociais são de aproximação e de afastamento. E só estão concluídos quando estão concluídos. Não sendo impossível uma redacção ainda mais clara quanto à natureza pública da gestão.
Os compromissos que já alcançámos no âmbito da Lei de Bases contribuem para um SNS mais forte e resiliente, e essa seria a melhor forma de assinalar o seu 40.º aniversário, com medidas como a da exclusão do pagamento de taxas moderadoras nas prestações prescritas por profissional de saúde do SNS ou a criação de mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas. Com uma lei progressista, centrada nas pessoas e no seu acesso a cuidados de saúde de qualidade. Ninguém nos perdoará se perdermos esta oportunidade, mantendo em vigor a lei que PSD/CDS aprovaram em 1990. 
Primeiro-ministro
COMENTÁRIOS
AndradeQB, Porto 01.05.2019: Se eu tiver um pneumotórax, prefiro ter um hospital que me atenda, do que uma promessa de garantia virtual. Atendendo ao argumento do neocomunismo (a caminho do comunismo, mas só quando o Estado tiver condições de correr com todos os privados da face da terra) do primeiro-ministro, o que me vai esperar é a garantia no papel e a ausência de resposta na prática. Segundo esse princípio neocomunista, já aplicado ao ensino, e agora à saúde, os privados investem em infraestruturas e admitem trabalhadores para fazer de backup ao Estado. No intervalo da requisição do Estado nas alturas que este precisa, vai tudo para o congelador. Quando o Estado deixar de precisar definitivamente, desliga-se a corrente das arcas, mas com as portas fechadas, de maneira a acabar com essa subespécie de gente.
Fernando Costa, Lisboa 01.05.2019: Deve ser por isso que o primeiro ministro que criou o SNS (Mario Soares) nunca utilizou os serviços do SNS, e sempre que foi internado fê-lo nos hospitais “dos grandes grupos que fazem da saúde um negócio”. Também era um coerente defensor do ensino público contra o privado, mas fez fortuna com o elitista e privadíssimo Colégio Moderno, propriedade da sua família. E a esquerda caladinha.....
Fernando Costa, Lisboa 01.05.2019  Que eu saiba, a gestão “pública” é feita por indivíduos afectos ao PS (hipoteticamente, alguns do PCP e BE), que são tudo entidades privadas. Pior: são entidades privadas que não pagam impostos e legislam em causa própria.
A. Luís Fernandes Edmonton AB Canada 01.05.2019 : Fala do SNS, “forte e resiliente” mas irresponsável. O A. Costa não nos diz que as nossas PPP, mal definidas e geridas, são uma espécie de capitalismo sem risco pagas pelos impostos de todos, tenham elas bons ou maus resultados! Infelizmente os “maus” têm sido a norma! Assim, o nosso malabarista-mor embrulha-nos dizendo que o lado mau das PPP é da culpa do PSD e o lado bom do PS, que quer reformar sem realmente nos dizer como! E, à semelhança da burocracia irresponsável estatal, sem instituir mecanismos independentes avaliadores das mesmas! Entretanto na sua função principal e despercebida o seu governo comporta-se qual cavalo de Tróia da China vendendo infra-estruturas, recursos, e o futuro de Portugal aos novos patrões do mundo: o capitalismo do estado chinês!
mzeabranches, 01.05.2019 15:38: «Não perder a oportunidade de avançar»... Efectivamente Portugal não 'perde a oportunidade de avançar' rumo ao abismo, no que toca à sua língua! Insensível aos pareceres dos especialistas, ao sentir dos cidadãos e ao desleixo notório em que se encontra a nossa língua, este Governo mantém a imposição do AO90, sem inquietações, sem experimentar a menor dúvida (na linha de Cavaco Silva), seguindo acriticamente as opções de José Sócrates e de Passos Coelho! Devemos ser o único povo que despreza a própria língua! 'Quousque tandem, abutere patientia nostra?'
Nuno Silva, 01.05.2019 12:51: As PPPs da saúde são como as outras PPPs, ou seja, são buracos negros a prazo (e mais uma armadilha da direita, para acusar a esquerda de despesista no futuro). Se houver alguns ganhos de eficiência e poupança ocasionais na gestão privada, esta deve-se ao exclusivo cumprimento do contrato, mandando os doentes problemáticos e caros para os hospitais públicos. Além das regras de contratação promíscuas e de outros negócios por trás da cortina. Por isso não estamos a falar de ideologia nas PPPs, mas sim de astronomia (buracos negros).
Fernando Costa, Lisboa 01.05.2019: Então mas o cumprimento das contratualizações é a base das USF, unidades de saúde familiar, criadas pelo PS, apoiadas pelo PCP e BE, e até pelos outros partidos, altamente elogiadas e promovidas por toda a esquerda como sendo o maior avanço nos cuidados de saúde primários, desde o inicio do SNS. Se for ver a uma USF, SÓ se atendem os utentes contratualizados em lista e SÓ no número de consultas contratualizadas para cada horário. Era bom que falasse de assuntos que conheça.
Jorge Manuel da Rocha Barreira, V.N.Gaia01.05.2019: Quando se pergunta a um cidadão a sua opinião sobre este tema, a resposta que invariavelmente recebe é a de que " o que eu quero é ter serviços de saúde capazes e na hora" O SNS foi, de facto, uma das maiores conquistas de abril, mas ele tem que ser ajustado em cada momento, à real situação do país. Quero com isto dizer que terá de ser melhorado e complementado quando e com quem isso for possível. Agora quanto às PPP acho que são espúrias neste âmbito.


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