O mal é que muitos desses infantilismos
de que trata a crónica de Helena
Matos, são estimulados pelos naturais defensores dos preceitos da virtude,
bem contraditórios nos seus arremedos ideológicos pro bene, com muita mistura
de sangue novo, latejante, estuante de boas doutrinas mas igualmente dos bons prazeres
físicos segundo o propósito do “carpe diem” horaciano, e outros propósitos menos
clássicos, desvirtuantes dos equilíbrios e demonstrativos de acefalias em
progressão…
Os dias do parvoísmo /premium
OBSERVADOR, 12/5/2019
O perigo para o nosso tempo não está no comunismo nem no fascismo,
mas sim no parvoísmo, esse infantilismo cruel que se tornou a ideologia
triunfante dos nossos dias. De decadência, obviamente.
6
de Maio. Taliban chic
A semana começou com um parto real – o
nascimento do primeiro filho de Harry e Meghan Markle – tratado em termos tais
que de repente não se sabia se estávamos no século XIX, se num hospital do
Afeganistão ou da periferia de Paris que para o caso vai dar ao mesmo: diziam
os jornais que a mãe não queria homens a acompanhá-la durante o trabalho de
parto.
Não
faço a menor ideia se alguma vez Meghan Markle disse algo de semelhante nem é
sobre isso que escrevo. O que me surpreendeu ao ler as notícias é que pelos
vistos se tornou um adquirido que o facto de uma equipa obstétrica ser
constituída por homens pode tornar um parto menos natural. A invocação do
natural tornou-se uma falácia que justifica os maiores disparates, pois nada na
prática permite dizer que as mulheres acompanham os partos de uma forma mais
natural que os homens. De caminho convém lembrar que “o natural” nesta matéria
é muito relativo pois se o parto é sem dúvida natural também era natural morrer
de parto e sobretudo não era natural ter-se o primeiro filho depois dos trinta.
Para
mais sob a capa do feminismo e do natural normaliza-se o preconceito (excluir
um homem de uma equipa de obstetrícia é o quê senão preconceito?) criam-se
dificuldades aos serviços que terão de ter em conta estas e outras
idiossincrasias dos utentes (se uma parturiente pode rejeitar ser atendida por
um obstetra teremos de admitir que os homens também poderão recusar ser
acompanhados por uma urologista, ou não?) e, por fim, mas não por último,
baixamos os braços diante dos fundamentalistas que por todos os meios têm
impedido que as mulheres sejam observadas por médicos. Depois da esquerda
caviar estamos a entrar na fase do taliban chic.
7 de Maio. O
infantilismo. A comissão
parlamentar de Ambiente aprovou uma proposta para convidar Greta Thunberg a
discursar na Assembleia da República. Num sinal inequívoco da degradação a que
chegou o pensamento na AR nenhum dos membros daquela comissão votou contra este
convite. Greta Thunberg, transformada numa espécie de pitonisa de seita
apocalíptica, não tem qualquer conhecimento relevante sobre nada como é próprio
da sua idade e também consequência das muitas aulas a que tem faltado, pois vá
lá saber-se porquê entendeu Greta Thunberg que a salvação do planeta passa por
faltar às aulas e não por frequentá-las (muitos de nós na adolescência também
acharam que se salvavam a si mesmos ou ao mundo faltando às aulas mas
felizmente para nós e para o mundo, os nossos pais, ao contrário dos de Greta
Thunberg, não consideraram estar perante um ser especial). Tenho a certeza que
na família de Carlos César existe uma criança que saberá dizer umas coisas
sobre o planeta (e certamente que sobre todos os assuntos candentes na
actualidade e no futuro) ou se, por uma vez, quiserem os deputados não ser
acusados de nepotismo, podem pedir à primeira criancinha que encontrem na rua
que entre no parlamento e diga o que lhe aprouver sobre as alterações
climáticas: o resultado é igual, sem tirar nem pôr e sempre se poupava a
viagem. Coisa que como se sabe custa dinheiro e tem um impacto assinalável não
apenas no ambiente mas sobretudo na nossa sanidade mental.
8 de Maio. O plano da
sesta. Ia a semana a meio quando o PAN veio
recomendar “um plano individual de sesta” para cada criança. Na
cabecinha estatizante do PAN as crianças não fazem sestas porque não existe
plano de sesta nas escolas. Ora o problema das sestas nas escolas nunca foi a
ausência de um plano mas sim a profusão de planos e a sua imposição
burocrática: “as educadoras têm um determinado
plano de trabalhos e número de horas que têm de cumprir com as crianças. Se
estas forem dormir, ficam com um défice de horas cumpridas” –
explicava há alguns meses numa entrevista à MAGG a pediatra Maria Helena
Estêvão, membro da Associação Portuguesa do Sono. Por outras palavras, nos
jardins de infância as crianças não fazem sesta porque o quotidiano é
organizado em função dos planos lectivos/horários dos docentes, logo se as
crianças fazem sesta o plano lectivo atrasa-se. As crianças não precisam de
mais planos. Precisam sim é de adultos com juízo.
9 de Maio. A carne, o
osso e o cérebro. Resolveu o
deputado social-democrata Duarte Pacheco, secretário da mesa da Assembleia da
República, posar de camisa aberta, na capa da Men’s Health Portugal que
para o caso fez o seguinte título: “O deputado mais fit de Portugal”.
Questionado pelo PÚBLICO sobre esta sua performance declarou o deputado Duarte
Pacheco: “Não é uma coisa que se possa decidir de ânimo leve. Tenho
consciência de que a sociedade portuguesa é conservadora” e
enumera as razões que o levaram a tal prestação: “Em primeiro lugar, tentar
demonstrar às pessoas que os políticos podem ter vida além da política” e que “são
pessoas normais, de carne e osso”.
Deixando
de lado o cliché da “sociedade portuguesa é conservadora” com que as mais
desinspiradas criaturas procuram explicar o porquê do atolambamento das suas
opções, quero recordar que o nosso problema não é os políticos terem vida além
da política. O nosso problema é mesmo os políticos não terem vida política, não
terem pensamento político e sobretudo não terem um projecto político, como a
bancada do PSD provou à evidência nos últimos dias. Quanto à questão de os
políticos serem “pessoas normais, de carne e osso” creio que nunca alguém
duvidou de tal coisa. Umas carnes podem ser mais rijinhas e outras menos mas mais
tónus menos tónus vai sempre tudo dar ao mesmo. A questão do cérebro e
respectiva exercitação é que ainda está para ser apurada.
10 de Maio. A crueldade
festiva. «”Já chegou e é perfeito”,
afirmou a mãe ‘babada’, afirmando na mesma rede social que o filho é muito
parecido com a pequena Chicago, de um ano, que nasceu em janeiro do ano
passado. O nome do bebé ainda não foi revelado, mas os pais não podiam estar
mais felizes. Recorde-se que o menino foi gerado através de uma barriga de
aluguer, tal como aconteceu com Chicago. O casal tem mais dois filhos em comum
North, de cinco anos, e Saint, de três.» – De um lado a mãe
‘babada’, ou seja a estrela rica e célebre que encomendou a
criança. Do outro a barriga. A barriga que ficou grávida. A barriga que
viveu o parto. Como é que uma sociedade que hiperboliza a vivência emocional
da gravidez e do parto, aceita que simultaneamente algumas mulheres sejam
reduzidas à condição de barrigas? O medo de não parecer moderninho leva não só
a que se reproduzam em tom festivo notícias como esta mas também a que se
ignorem e subestimem os casos dramáticos que acompanham muitas das ditas
mulheres-barrigas. Um dia, não muito longínquo, vamos ter vergonha disto.
11 de Maio. Os queixinhas. Os jornais, revistas, televisões, rádios estão
cheios de pessoas que acusam os outros de ser anti. Na prática a
queixinha tornou-se uma forma de argumentação. Quem questiona o que se agora se
chama feminismo é apresentado como anti-direitos das mulheres. Quem se
interroga sobre a recusa dos valores das democracias ocidentais por muitos
muçulmanos passa a anti-Islão; quem questiona o impacto das políticas ditas de
apoio social torna-se anti-pobres… Em resumo, a queixinha substituiu-se à
discussão.
PS. A ida de
Berardo ao parlamento só me suscita um comentário: quando é que este homem
presta declarações diante de um tribunal?
COMENTÁRIOS
Helder Costa "A brave new
world": ...foi-nos dito
que em democracia todas as opiniões são válidas, durante 45 anos aprendemos a
ouvir de tudo e a respeitar, o que aconteceu foi que todo o idiota com uma
ideia em Portugal se sentiu então no direito de a partilhar...e cá estamos!
Cara Sapo: Os portugueses são peritos em promover a mediocridade
a excelência e em abordarem o acessório, descurando o principal. Até mesmo
Helena, às vezes. Bernardo no Tribunal? Não deveria antes estar o Conselho de
Administração dos bancos que fizeram os empréstimos sem garantias que cobrissem
os mesmos, nos Tribunais? Administradores remunerados principescamente (ah,
senão forem muito bem pagos vão para outras empresas) que levaram os bancos à
falência, falência que será suportada por várias gerações. Administradores que
circulam com um sentimento de impunidade mas com grande sentido da realidade,
já que vivemos num país em que a Justiça para além de lenta é fraca com os
fortes e…
Fly Man: "Um dia, não muito longínquo, vamos ter
vergonha disto": Gostaria de pensar que sim mas infelizmente não tenho
essa certeza. Iremos sobreviver a tanta infantilidade? Quando vejo outras
sociedades, outras civilizações, fico com a certeza contrária. Parabéns
HM pelo oásis de sanidade mental que nos proporciona semanalmente.
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