sexta-feira, 17 de maio de 2019

Águas passadas



Achei curiosa a referência ao Reino Unido, agora que este está prestes a retirar-se do panorama da unidade europeia, quebrando uma relação de coesão e disciplina que ajudava a ultrapassar receios, no conforto de uma “fraternidade” mais musculada, que permitiria vencer obstáculos em caso de cisões internas ou de ameaças externas. Certamente educado segundo princípios de sanidade ética, com respeito pelos valores que dignificam o Homem, escreveu João Carlos Espada um artigo sobre “a mais antiga aliança internacional ainda em vigor”, como vem escrito na wikipédia, artigo que transcrevo, juntamente com outro sobre o próprio João Carlos Espada, cuja homenagem à “velha Albion”, e aos seus princípios educativos e democráticos, referidos a propósito de Churchill, me despertaram curiosidade. É certo que o artigo da Wikipédia se não refere à oferta de Tânger e Bombaim aos ingleses, aquando do casamento de D. Catarina de Bragança com Carlos II, nem aos hábitos do “five o’clock tea” que aquela difundiu na corte inglesa, prova de que também não nos faltava chá na altura, nem terras para pagar serviços. Não sei como vai ser connosco, quando nos faltar o apoio inglês, nesta crise do Brexit. Mas penso sempre que não nos faltará o vinho do Porto para a continuação desse apoio, a acrescentar ao do requinte educacional de que trata João Carlos Espada, distinguido pela Coroa Britânica.
Concordo com ele na questão dos valores a imitar. E acrescento o meu receio sobre o futuro europeu, após o Brexit.

REINO UNIDO: Recordando o velho Aliado de 1386 /premium
JOÃO CARLOS ESPADA     OBSERVADOR, 13/5/2019
O sentido de Civilidade sustenta a tradição britânica de liberdade sob a lei — e reúne admiradores com diferentes, por vezes opostas, disposições políticas.
Na passada sexta-feira, 10 de Maio, tive o grato privilégio de receber do Embaixador do Reino Unido em Lisboa, HE Christopher Sainty, uma muito honrosa distinção atribuída pela Coroa britânica. Tratando-se de um tema que tem alguma dimensão pessoal, hesitei bastante antes de decidir abordá-lo aqui. Mas existe uma dimensão mais vasta e mais funda que não posso, em consciência, deixar de referir. Trata-se de recordar aquilo que o Reino Unido tem representado na história política europeia e mundial.
Este tema tem sido por vezes obscurecido pela recente novela do “Brexit” — embora deva ser reconhecido que a hostilidade anti-britânica no continente europeu, e sobretudo em Portugal, tem sido até agora relativamente moderada. Em contrapartida, na nossa cultura política nacional, receio ter existido e continuar a existir  uma certa ambivalência em relação à nossa “relação especial” com o Reino Unido — uma relação que está na base da mais antiga aliança bilateral do mundo, consagrada no Tratado de Windsor de 1386.
Não se trata de ocultar ou de esquecer as tensões que a aliança luso-britânica certamente atravessou. Todas as relações enfrentam momentos menos felizes. Não seria de esperar que esses momentos não existissem numa relação com mais de 600 anos. O que é notável é que a aliança luso-britânica tenha sobrevivido durante tantos séculos, apesar das expectáveis tensões e momentos menos felizes.
Uma primeira incontornável dimensão da aliança luso-britânica reside na natureza marítima dos dois países. Não é aqui possível resumir a imensa literatura existente sobre as diferenças entre culturas políticas marítimas e continentais. Mas vale a pena recordar que Karl Popper, na seu marcante livro de 1945 sobre A Sociedade Aberta e os seus inimigos, associou a democracia comercial ateniense de século V a.C. ao seu carácter marítimo — e a ditadura colectivista de Esparta ao seu carácter continental.
Este tema era caro a Winston Churchill, que tinha uma visão algo romanceada da história britânicao que terá sido um factor decisivo para se opor à aliança nazi-comunista emergente na década de 1930 e finalmente selada em 1939. Na verdade e em rigor, na década de 1930, qualquer simples cálculo racional apontava para que a oposição à aliança nazi-comunista estava destinada ao fracasso. Mas Churchill apelou à resistência com base em argumentos sobretudo morais. Num célebre discurso a 9 de Maio de 1938, ainda antes do início da II Guerra, disse Churchill:
“Não temos nós uma ideologia — se tivermos de usar essa horrível palavra, ideologia, — não temos nós uma ideologia própria na liberdade, numa Constituição liberal, na democracia e no governo parlamentar, na Magna Carta e na Petição de Direitos?”
Churchill entendia a história britânica na tradição Whig que o grande historiador Lord Macaulay tinha consagrado: a história de uma distintiva defesa da liberdade e de uma evolução gradual, alérgica a revoluções e contra-revoluções. Na resistência inglesa à Invencível Armada, a Luís XIV, a Napoleão, ao Kaiser, a Hitler e a Staline, Churchill via uma linha de continuidade na defesa da liberdade ordeira britânica.
Mas é importante recordar que Churchill não via essa tradição da liberdade britânica como exterior à tradição europeia, muito menos como oposta a ela. Pelo contrário, Churchill sempre entendeu a cultura política inglesa como parte integrante da civilização europeia e ocidental, fundada nos princípios da liberdade e responsabilidade pessoal, e enraizada em Atenas, Roma e Jerusalém.
Churchill simplesmente acreditava na especificidade da contribuição britânica, bem como dos povos de língua inglesa, para a civilização europeia e ocidental. Quando, a 6 de Setembro de 1943, recebeu um doutoramento honorário da Universidade de Harvard, Churchill descreveu essa especificidade dos povos de língua inglesa de forma particularmente tocante:
A lei, a língua, a literatura — estes são factores consideráveis. Concepções comuns sobre o que é certo e decente, uma preocupação marcante com fair play, especialmente em relação aos fracos e aos pobres, um forte sentimento de justiça imparcial, e acima de tudo o amor pela liberdade pessoal. […] Se estivermos juntos, nada é impossível. Se estivermos divididos, tudo irá fracassar. É por isso que eu defendo continuamente a doutrina da associação fraternal dos nossos dois povos… pelo serviço à humanidade e pela honra que advém aqueles que servem grandes causas.”
Esta ideia de relação especial anglo-americana e euro-atlântica esteve na base da criação da NATO — cujo 70º aniversário celebramos este ano, e celebraremos na próxima 27ª edição do Estoril Political Forum, com a presença de Randolph Churchill, bisneto de Sir Winston.
Mas estes valores ficaram inesquecivelmente evidenciados num pequeníssimo episódio do ano 1940 (quando Churchill foi nomeado primeiro-ministro, a 10 de Maio, e passou a liderar a resistência britânica e europeia ao nazismo). Nos Arquivos Churchill, em Cambridge, existe uma única carta a ele dirigida por sua mulher, Clementine, em todo o ano de 1940. Nessa carta, Clementine critica-o pela “deterioração das maneiras no tratamento dos secretários privados”.
É quase inacreditável que, num momento tão dramático e perigoso na vida da nação, a mulher do primeiro-ministro britânico lhe tenha escrito uma única carta para… o criticar por não ser suficientemente educado com os seus secretários. Mas é factualmente verdade e pode ser comprovado nos Arquivos.
É um pequeníssimo episódio que nos ensina uma grande lição sobre aquilo que Lord Macaulay chamava de Civility, ou a complexa associação entre liberdade e sentido de dever. Foi este sentido de Civilidade da cultura política britânica e dos povos de língua inglesa que eu fui ensinado a admirar, desde criança, em casa de meus pais e de minhas avós — sem que esse privilégio tivesse requerido qualquer mérito da minha parte.

NOTAS:
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

1 - JOÃO CARLOS ESPADA
João Carlos Mosqueira Mendes Espada GOM (Lisboa21 de março de 1955[1]) é um professor universitário português.
Foi membro da UDP - União Democrática Popular, um partido marxista surgido em Portugal em 1974.
É director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Professor Associado da Faculdade de Ciências Humanas e Professor Convidado da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais daquela universidade.
É doutorado em Ciência Política na Universidade de Oxford (1990-1994), onde foi orientado por Ralf Dahrendorf. Foi ainda Professor Visitante nas universidades de Brown (1994-96), Stanford (1996) e Georgetown (2000), além de Visiting Scholar no en:American Enterprise Institute for Public Policy Research (2004) e Senior Associate Member do St. Antony’s College, Oxford, em Oxford (2005).
Foi presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política (2002-2006).
Foi consultor para os Assuntos Políticos do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva (2006-2011), depois de ter exercido funções semelhantes junto do Presidente Mário Soares (1986-1991).
É editor da revista quadrimestral Nova Cidadania (desde 2007) e colunista semanal do diário i (desde 2009).
A 5 de Março de 1996, foi feito Grande-Oficial da Ordem do Mérito.
Obras [editar | editar código-fonte]: Livre iniciativa e participação (1989); Dez anos que mudaram o mundo : crónicas sobre o renascimento da ideia liberal (1992); Ensaios sobre a liberdade (2002); A tradição anglo-americana da liberdade : um olhar europeu (2008);

2 - Relações entre Portugal e Reino Unido
As relações entre Portugal e Reino Unido são as relações diplomáticas estabelecidas entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Esta relação data de 1373 com a Aliança Luso-Britânica, a mais antiga aliança internacional ainda em vigor, celebrada entre os reinos de Portugal e Inglaterra (à época não existia ainda o Reino Unido).
A aliança foi formalizada pelo Tratado de Windsor em 1386, e em 1387 Filipa de Lencastre, filha de João de Gante, casou com o rei João I de Portugal.
Não obstante, no livro do historiador Vítor Pinto estabelece-se o começo de uma ligação entre Portugal e Inglaterra em 1147, quando os cruzados ingleses ajudaram D. Afonso Henriques na conquista de Santarém e Lisboa.
Durante o final do século XVI, a Inglaterra viu-se envolvida numa luta com o Império Espanhol, que à época reunia a então extinta coroa portuguesa e os territórios espanhóis. A chamada Armada Inglesa foi lançada como parte deste conflito, e um dos seus objectivos era a tentativa de restaurar a independência portuguesa.
Outro importante casamento entre as famílias reais portuguesa e inglesa foi a união conjugal em 1662 de Carlos II de Inglaterra e Catarina de Bragança, filha de João IV de Portugal. Em 1703, Portugal aliou-se à Inglaterra e aos Países Baixos na Guerra da Sucessão Espanhola, contra a França e Espanha. Nesse ano Portugal e Inglaterra assinariam o e Tratado de Methuen.
No século XIX a aliança deu novamente impulso às relações entre Reino Unido e Portugal quando Napoleão invadiu Portugal. Em 1807 o exército francês atacou Lisboa e a família real portuguesa teve de fugir para o Brasil, ainda colónia portuguesa. O auxílio a Portugal por parte dos britânicos precipitou a Guerra Peninsular.
A época mais difícil nas relações entre os dois países foi o final do século XIX, quando se deu o episódio do Mapa Cor-de-Rosa, e que teria um efeito visível na degradação da aceitação da monarquia em Portugal.
Portugal e Reino Unido combateram juntos na Primeira Guerra Mundial.
Actualmente, ambos os países têm relações amigáveis no seio da União EuropeiaNATO, e outras organizações internacionais, existindo um significativo número de residentes de cada um dos países no outro.


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