sábado, 11 de maio de 2019

Também me parece

Que AG não deve ter férias. Eu não sabia que estava de férias, as férias são lá para Agosto, pensei que estivesse doente e toda a semana espreitei para saber da “alta”, e se o artigo de sábado já fora postado. É claro que a gente se ri das suas graças, e dos seus saberes fortes, e nem nos importamos que nos inclua a quase todos nós, e só ele escape ao labéu de manso carneirismo. O certo é que, como dizem os seus comentadores, a sua presença na escrita nacional constitui lufada de ar fresco, que ele transporta na sua bagagem, de metáforas ousadas de altivo desprezo pelo nosso atraso, e cito em lugares civilizados o assunto nunca passaria das secções dedicadas ao insólito, ao lado de ameixas siamesas e da velhinha que desceu nove andares pendurada em varandas”. Não, não deve ter férias. Por conta das nossas depressões do dia-a-dia, na passividade obediente de rebanho, ao apito do pastor, ainda que, eventualmente, aspirando a sacudi-lo de si.
ANTÓNIO COSTA: Obviamente, não se demitiu /premium
ALBERTO GONÇALVES    OBSERVADOR, 11/5/19
À semelhança dos cachorros da lenda os profissionais do comentário ouvem as campainhas e reagem em conformidade, no caso em auxílio do dono que ameaçava repetir o trágico resultado eleitoral de Seguro
Foi a pior decisão desde que a Decca rejeitou os Beatles. Ou desde que os fundadores do Burundi olharam em redor e anunciaram que sim, senhor, aquilo daria uma nação próspera e impecável. Escolhi mal a semana de férias e vi-me privado de elogiar a interpretação do dr. Costa na já célebre rábula da “demissão”. Felizmente, não faltou quem elogiasse. Nas televisões, nas rádios, na “net” e, dizem-me, nos jornais tradicionais, cerca de 97% dos comentadores nativos souberam homenagear devidamente o grande estadista que nos tocou em sorte. E que sorte! Segundo a opinião geral, o dr. Costa teve uma prestação brilhante. O dr. Costa é um estratega raro. O dr. Costa frequenta a vizinhança do génio absoluto. De brinde, apurou-se que, em parelha com a risonha figura das Finanças, o dr. Costa é um modelo de escrúpulos contabilísticos.
Por sorte, o Observador é um espaço de liberdade que me permite, mesmo com imperdoável atraso, juntar a minha modesta voz a vozes respeitadíssimas do calibre de um Marques Mendes ou de dois José Miguel Júdice. Por azar, não sou capaz. A escassa atenção que dediquei ao assunto sugeriu-me que em lugares civilizados o assunto nunca passaria das secções dedicadas ao insólito, ao lado de ameixas siamesas e da velhinha que desceu nove andares pendurada em varandas: “Governante com 9 anos de idade mental presume que os eleitores têm 8”. Naturalmente, tratou-se apenas de uma golpada baixa, tosca e digna do dr. Costa, que, apavorado com as perspectivas para as “europeias” e munido do domínio da língua que Deus lhe deu e os professores (lá está) não lhe deram, convocou os “media” para fingir, muito mal, uma birra.
A patranha era a de que, em nome do rigor orçamental, o governo apresentaria a demissão se se visse obrigado a largar 800 milhões – ou 600, ou 300, que a ciência dos números é fluida – para “descongelar” professores. O dr. Costa, o exacto dr. Costa que não saiu após a derrota de 2015, dos incêndios (excepto para uma praia espanhola), de Tancos, da rede de nomeações familiares e, consta, na juventude se viu arrastado de uma associação estudantil que perdera nas urnas, iria abdicar de mandar nisto por causa de 800 milhões fatalmente roubados ao contribuinte? É menos do que, ainda há pouco, o Estado prometeu “investir” em “acessibilidades”, “passes” e transportes, incluindo bicicletas. É menos do que o custo estimado do novo aeroporto do Montijo. É menos do que o que se despeja com regularidade na banca (cujos senhores, com divertido descaramento, se apressaram a louvar a “estabilidade política” logo que os efeitos da rábula se dissiparam). E é mais, bastante mais, do que o cidadão com dois neurónios devia estar disposto a engolir.
Estranhamente, ou, para quem conhece as tradições locais, nem por isso, os profissionais do comentário engolem o que calha. É possível que alguns só possuam um neurónio. Os restantes talvez tenham colocado todos os neurónios em sabática, a fim de disponibilizar a totalidade do córtex para a exaltação do Supremo Líder. Não importa perceber como é que essa gente consegue dormir à noite. A pergunta adequada é: como é que permanecem acordados de dia? Não se envergonham do papel que desempenham à vista desarmada? Não sentem um pingo de embaraço? Sequer um nozinho na garganta? E as respostas são não, nada e nem por sombras. À semelhança dos cachorros da lenda, os profissionais do comentário ouvem as campainhas e reagem em conformidade, no caso em auxílio do dono que ameaça repetir o trágico resultado eleitoral do dr. Seguro, que Deus guarde. A conveniência, o estipêndio directo e a mera rotina condicionam de facto os reflexos. A natureza é fascinante.
E os profissionais do comentário não se limitaram a canonizar o dr. Costa, um profissional da irresponsabilidade que, à imagem de certo “irrevogável”, usa o poder que lhe caiu em cima para artimanhas e chantagens reles. Dado que lhes falta em vergonha o que lhes sobra em método, lançaram-se em simultâneo na excomunhão do dr. Rio, acarinhado diariamente enquanto o PSD afocinhava nas sondagens. O dr. Rio é um desastre desde a primeira hora? É. Por isso convinha promovê-lo a título de “moderado”, por oposição (real) a Pedro Passos Coelho e para oposição (nula) ao PS. Assim que os inúmeros parentes do sr. César, os enxovalhos da economia e um candidato inacreditável sugeriram estragar a festa de 26 de Maio, o dr. Rio tornou-se o protagonista da chacota colectiva.
Diga-se que o dr. Rio, que junto com o CDS acabou por ceder à miserável encenação do dr. Costa, merece a chacota. Diga-se que o prof. Marcelo, que aproveitou a “crise” para sumir durante uma semana, merece o descanso. Diga-se que os professores, que confiaram num sindicato movido por interesses alheios aos assalariados que representa, merecem a desfeita. Diga-se que os portugueses, cuja maioria parece apoiar o “ultimato” do dr. Costa, merecem o dr. Costa. E diga-se que os profissionais do comentário, que alimentaram a anedótica “demissão”, mereciam ser demitidos.
Nota de rodapé
O parlamento aprovou por unanimidade o convite a uma criança sueca preocupada com as alterações climáticas. Há meses, a criança celebrizou-se ao declarar greve à escola para combater o capitalismo, a suposta causa das referidas alterações e a causa comprovada dos confortos de que a criança usufrui. A criança inspirou milhares de crianças em todo o mundo a fazerem greve à escola, uma impossibilidade logística: à escola, faz-se gazeta. A criança, que é autista, chegará a Portugal de comboio para não poluir muito o ambiente. De seguida, a criança discursará na AR sobre os males que a consomem e a urgência de um mundo melhor. Até porque pior é impossível.
COMENTÁRIOS
Cipião Numantino:"Só há duas coisas infinitas, o universo e a est up idez humana", foi assim que um homónimo do Alberto, neste caso de apelido Einstein, relativizou o que pensava sobre as pessoas. Já tenho por aqui aflorado várias vezes a profunda surpresa que me causa tão ínfrene seguidismo em relação a certas pessoas. Refiro-me obviamente ao Dr. Costa, um espécimen rasteiro endeusado e glorificado por tanta gentinha tão rasteira ou mais do que ele. Um homem que sendo jurista tem de tal forma um conflito insanável com a retórica que faria bem mais sentido ou lógica ser um sargentão formando recrutas, onde a semântica estaria mais ao nível básico do vernáculo popularucho e o seu vozeirão cavernoso e tonitruante faria bem mais amplo sentido. Maquiavel no seu famoso livro "O Príncipe" que alguns historiadores afirmam ter sido baseado no nosso fascinante D. João II, explica-nos sucintamente onde  a intriga política, convenientemente manejada por pessoas disformes ética e intectualmente, nos pode conduzir. E sendo certamente o Dr. Costa um sub-produto em relação ao nível mental e de inteligência do nosso excelso D. João terá, como todos os manobristas convencidos, algumas das artes da artimanha deste, sem, nem por aproximação, possuir um simples pingo da sua genialidade. No Dr. Costa tudo me parece ser improviso. Uma espécie de raposa matreira que canta odes ao galinheiro que lhe deram para administrar, enquanto promete velar e cuidar zelosamente das galinhas confiadas à sua guarda. Não é só este povo que merece o Dr. Costa. E penso mesmo que se juntará a fome à vontade de comer, quando se pode perfeitamente inferir que é de bom tom proclamar que também o Dr. Costa merece este povo. Estão bem um para o outro. E penso até que vão "ter em conjunto muitos meninos" que não escapem à substância do conceito.
As jotas irão parir certamente outros mostrengos éticos iguais a ele. Numa espécie de zombies algures saídos de uma ilha do Dr. Moreau ou com trepanação a condizer de frankesteinezinhos que hão-de levar este glorioso país para uma espécie de Venezuela implantada no ku de Judas da Europa e onde este mesmo, há já muito tempo, perdeu as botas!... Pois sim, parece que vem por aí a Greta (parece que é assim que a catraia se chama). E parece também, que virá numa espécie de cruzada, contra as alterações climáticas obviamente causadas pelo capitalismo já que, como se sabe, a comunada seria incapaz de desestabilizar o planeta. No limite, porque a vida nos países dos amanhãs que cantam seria de tal forma a favor do ambiente e a pobreza obscena que sempre acarretam as suas desastradas políticas, que antes de contaminarem o planeta, massacrariam metade da humanidade e, a outra metade, viveria de uma maneira tão pobre que acabaria daqui a uns séculos por naturalmente se extinguir. Sei bem que o que chateia no meio de tudo isto é que a recalcitrante e estulta comunada não arreda pé do capitalismo. Fogem de Cuba, fogem da Venezuela e não fogem da Coreia do Kim porque são todos mortos quando tentam fugir. Pelo contrário, nunca tive conhecimento que alguém da comunada tenha ultimamente fugido para um destes países "paradisíacos". Donde me pergunto, por que será? Será do guaraná?...
José Ramos: Alberto Gonçalves não veio retemperado após a sua semana de férias porque isso seria impossível. Já estava temperadíssimo antes e, comentadores desta têmpera são raros - mesmo entre aqueles poucos que não fazem parte dos suspeitíssimos "profissionais do comentário" do costume. Bem haja.
Ahfan Neca: Parece que voltámos à civilização. O sentimento que tenho ao ler esta crónica do AG é a de que uma lufada de civilização voltou a entrar pela janela dentro. Os quinze dias de ausência foram uma espécie de regresso à idade média em que habitualmente afocinha o país. Uma idade das trevas em miniatura. Homem, você devia ser proibido de tirar férias. Nem uma semanita.
palavras ao vento Fantástico texto. Parabéns! A melhor é esta: "Diga-se que os portugueses, cuja maioria parece apoiar o “ultimato” do dr. Costa, merecem o dr. Costa. "
António Marques Mendes: Finalmente um pouco de lucidez neste país do faz de conta!

Nenhum comentário: