Mais um texto de Teresa de Sousa construído com muito saber e reflexão, a
partir de leituras que a maioria desconhece, por falta de apoio mediático, em análises
objectivas, as quais se encontram mais facilmente em canais televisivos
estrangeiros. Um texto que serve de referência para releitura cuidadosa, para
melhor informação acerca dos cenários que as eleições de ontem estabeleceram,
nesta velha Europa tantas vezes mexida e palco de ambiciosas incursões,
momentaneamente extintas, em projecto unionista de generosa fraternidade, mas
que os “tribalismos ideológicos” e ambições de partilha, logo esfarelam, sob a
aparência de virtudes de protecção ambiental e outras. Mas a desesperança na
reparação dos desgastes sobre a Terra, que o capital cada vez mais ajuda a
destruir e a desumanizar, vai-se avolumando no medo pelo que espera esta Terra,
que se vinga cada vez mais assustadoramente.
ANÁLISE
Haverá ondas de choque. Espera-se que
sirvam para alguma coisa
Os próximos dias voltam a ser
fundamentais. Mais do que a força dos nacionalismos, é a fraqueza do centro
político que fica em evidência nestas eleições.
TERESA DE SOUSA PÚBLICO,
26 de Maio de 2019
1- Não
haverá grandes surpresas logo à noite, quando finalmente foram conhecidos os
resultados das eleições
para o Parlamento Europeu. A abstenção foi certamente elevada – são
eleições de segunda ordem nas quais os governos nacionais não estão
directamente em causa. O universo de eleitores é, apesar de tudo,
impressionante – 460 milhões.
O
que já sabemos mesmo antes de fecharem as urnas é que as forças políticas
nacionalistas e populistas vão ganhar ainda mais terreno relativamente às
eleições de 2014. Nessa altura, conseguiram em conjunto um quarto dos lugares
no PE. Hoje, as previsões apontam para um terço. Com outra diferença significativa. Os partidos da
direita nacionalista fizeram um esforço notável para se apresentarem numa
frente unida, certamente mais coesa do que em 2014, o que faz prever que a sua
presença no hemiciclo de Bruxelas tenha mais influência no debate político e na
própria agenda europeia. Foi essa a grande aposta de Matteo Salvini,
o novo rosto da direita nacionalista europeia. O resultado que pode obter logo à noite (as urnas só
fecham na Itália às 23h locais, 22h em Lisboa) dar-lhe-á uma legitimidade acrescida. A
Liga deverá vencer as eleições com 30% dos votos, deixando muito atrás o Cinco
Estrelas (que venceu as legislativas de Março do ano passado) e ainda mais
longe os Democratas de Matteo Renzi e a Força Itália de Berlusconi. O que
fará com esta vitória? Talvez não resista a conquistar o seu lugar na mesa do
Conselho Europeu, onde se decide praticamente tudo o que é essencial.
2. É
fácil argumentar que, pela sua própria natureza, os nacionalismos dificilmente
se entendem uns com os outros. Há diferenças significativas entre os que, como
Salvini e Marine Le Pen, se dão bem com Putin e aqueles que nem podem ouvir
falar do Presidente russo, como os nacionalistas polacos ou até os populistas
suecos e finlandeses. A Rússia está
demasiado perto das suas fronteiras. Há divergências na forma como olham
para a economia – os nórdicos são mais
liberais e gostam de contas públicas em ordem; na França e na Itália têm uma visão bastante mais intervencionista da
política económica e uma particular aversão pelas regras de Bruxelas. Salvini queixa-se da Hungria ou da Polónia
porque se recusam a receber a sua quota-parte de imigrantes e refugiados,
chegados às centenas de milhares à costa italiana. Tudo isto é verdade, mas
não vale a pena tentar minimizar a importância política deste novo avanço das
forças nacionalistas e populistas, como há cinco anos – os sinais estavam lá
todos, pouca gente quis prestar atenção.
3. Alguns
resultados merecem particular atenção. Na França, Macron e Le
Pen estavam taco a taco nas últimas sondagens. Se a
União Nacional conseguir vencer o Em Marcha do Presidente francês, não tenhamos dúvidas: será um péssimo sinal para a
Europa. Macron
continuará no Eliseu, mesmo que mais enfraquecido. A França viverá mais um
choque politico, com repercussões muito para lá das suas fronteiras.
Na Holanda, que já
votou na quinta-feira passada, as sondagens à boca das urnas pareciam afastar
outro cenário de pesadelo: não foi o novíssimo partido nacionalista “Fórum para
a Democracia” a ganhá-las, como tudo parecia indicar. A grande
surpresa terá vindo dos Trabalhistas, arredados do poder e quase
desaparecidos nas sondagens, que terão ficado em primeiro lugar. Os liberais de
Mark Rutte aguentaram. Tinham perdido o Senado para o novo partido de Thierry
Baudet nas regionais de Março passado. Baudet é um Geert Wilders mais
sofisticado, embora defenda as mesmas ideias – contra a imigração, contra a
Europa, contra os “fundamentalistas” das alterações climáticas, conta os
“exageros” da igualdade de género e por aí adiante. Chegou a defender o
“Nexit”, propondo um referendo como o britânico. Atenuou a mensagem nos últimos
dias. De um modo geral, para a direita nacionalista, de Salvini
a Le Pen, a estratégia mudou: já não quer acabar com a União, quer “mudá-la”
por dentro. Tem condições para alterar os termos do debate europeu.
O
primeiro-ministro húngaro vai voltar a vencer com mais de 50% dos votos – a sua
“democracia iliberal” recomenda-se. A
dúvida é saber se sai de livre vontade do PPE – do qual foi
suspenso – para se juntar à nova aliança que Salvini quer
constituir no PE. Mas o sinal mais preocupante que vem dos países da
Europa Central e de Leste é, porventura, a sua total indiferença pelo destino
de uma Europa à qual, há 30 anos, todos queriam “regressar” e que, há apenas
15, ainda os fazia sonhar. Há países em que o nível de abstenção pode
ultrapassar os 80%.
A Polónia é um caso à parte. O
destino da Europa também se joga no maior país do alargamento de 2004, que
sonhou vir a juntar-se ao grupo dos “grandes”. Se as eleições
provarem que a alternância continuará a ser possível, nada estará perdido. O PiS, que governa em Varsóvia desde 2014,
continuava ligeiramente à frente da “Coligação Europeia”, que reúne vários
partidos de centro-direita e de centro-esquerda, democráticos e pró-europeus. A
sua vitória teria um efeito positivo nos países de Visegrado e abriria novas
possibilidades para as legislativas de Setembro.
4. A
Áustria tornou-se, entretanto, um caso exemplar.
O FPO do ex-vice-chanceler Heinz-Christian Strache terá um resultado mais
modesto do que se previa há uma semana, antes do escândalo
sórdido em que se envolveu e que o obrigou à demissão. Sebastian
Kurz, o chanceler da Áustria (conservador), viu-se
obrigado a convocar novas eleições. Mas as europeias serão o
primeiro retrato do país depois de um escândalo que tem todos os ingredientes
para desaconselhar alianças com a extrema-direita – desde as consequências da
“amizade” com Moscovo até à tentação irresistível de interferir na
independência dos media, dos tribunais ou das polícias. “Dá-se-lhes
um cheiro de poder e eles não resistem a tentar controlar a polícia, os serviços
secretos, os tribunais ou desvirtuar os sistemas eleitorais a seu favor”,
escreve o editor-chefe do Financial Times, Tony Barber. Kurz deu-lhes o Interior, os Negócios
Estrangeiros e a Defesa. “Ou esta lição é aprendida, ou aproximam-se tempos
perigosos para a Europa.”
De resto, o que a noite eleitoral
provará com toda a certeza é que as forças nacionalistas e populistas vieram
para ficar. Nos nórdicos, manter-se-ão provavelmente como a segunda ou terceira
força.
5. Nenhum
governo cairá na noite das eleições, para além do britânico. Theresa May
não esperou sequer pelos resultados para se demitir. O resultado
das eleições, a crer nas sondagens, traduz a profunda crise política que o país
atravessa. Farage volta a ser o grande vencedor –
ainda mais do que nas eleições europeias de 2014, de cuja vitória partiu para
impor o referendo ao Governo de Cameron. A derrota dos conservadores
pode ser catastrófica. O Labour pode não se ficar a rir – deverá ser
duramente castigado pelo eleitorado porque o seu líder, que defende o “Brexit”
ao contrário da maioria dos seus militantes, preferiu manter a ambiguidade até
ao fim. Abriu espaço para o renascimento dos liberais-democratas,
remetidos para o deserto desde que se aliaram aos Conservadores de Cameron em
2010, mas que sempre defenderam com convicção a permanência na Europa. As
sondagens dão-lhe o segundo lugar, à frente do Labour, algo de absolutamente
impensável há 15 dias.
Os próximos dias voltam a ser
fundamentais. Mais do que a força dos nacionalismos, é a fraqueza do centro
político que fica em evidência nestas eleições. Saberão os líderes europeus
tirar as lições dos resultados ou continuarão, como sonâmbulos, a seguir em
frente?
P.S.: Como o leitor reparou, abstive-me de falar das
eleições em Portugal. Uma lei anacrónica impede-me de o fazer,
embora não me impeça de falar sobre as eleições nos outros 27 países da União.
TP, Leiria: Até agora os países que já votaram foram
surpresas positivas e pro UE. Se os resultados se confirmarem, Holanda votou
pelos liberais e sociais-democratas, Eslováquia votou pelos liberais, Letónia
votou pelos liberais, Irlanda votou pelos verdes e centristas. E esqueci-me que
a Republica Checa votou pelos Liberais e Verdes!
José Amaral: Seriedade intelectual, conhecimento,
cultura, serviço público. Os meus cumprimentos à Srª Teresa de Sousa.
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