Subscrevo as palavras de mzeabranches que naturalmente estranha a referência
a “cultura” omitindo-se a gravidade do desprezo pela “língua”, que fere quem
ama a lógica e o seu país e não embarca nessas traições, afinal cometidas pelos
intelectuais que a dominam, como dominam os temas culturais sobre que se
debruçam. Leio Frederico Lourenço,
por exemplo, que tão bem nos esclarece sobre a Gramática Latina e tão
primorosamente traduz obras clássicas em belas edições encadernadas, livros que
lemos com verdadeiro empenho e prazer, mas (o raio da adversativa) de facto
sentindo as pedradas do seu desprezo pela língua do Acordo antigo, indiferente
aos desconchavos do novo Acordo Ortográfico que nos tornam o escárnio de todos
quantos respeitam a congruência. O mesmo diremos da escrita de Clara Ferreira Alves que há
muito admiramos como intelectual arguta e boa escritora, mas cuja escrita, segundo
os novos padrões aparentemente acordados, constitui mero pedantismo de
progressista na berra, para se fazer tolamente salientar, desprezando os
parolos não aderentes e a pátria a que pertence, cheia de “gentinha” sui generis. A cultura deveria traduzir
modéstia na consciência do “quod nihil scitur” da condição humana, e respeito,
mas como é isso possível num povo desde sempre pisando o atoleiro da sua
condição de incúria intelectual? Os que sobressaem não se importam com tais
balelas de desrespeito ortográfico, daí, que relevância pode ter a cultura, senão
favorecer o progresso no que ele implica de lucro imediato, ruído,
indisciplina, para onde caminhamos? Religiosamente, ouvimos os programas de José Hermano Saraiva, em reposição, e
achamos que ele ajudou a defender o património nacional, chamando a atenção
para a incúria do abandono, mas também para os valores do nosso progresso
possível. A situação de desleixo moral em que o país se encontra, que
gradualmente se vem descobrindo, é mancha que não permite que se avance
positivamente. O “miserável estado
da Cultura em Portugal” de que trata o texto de JMT é consequência da mancha.
Somos um povo condenado. Vamos andando. Temos o sol que brilha, embora também
amoleça.
OPINIÃO
O miserável estado da Cultura em
Portugal
Passados
cinco anos, a Cultura, de facto, recebeu de volta o seu ministério – mas não
recebeu mais do que isso.
PÚBLICO, 16 de Maio de 2019
A
direita em Portugal tem a fama – e o proveito – de não dedicar a devida atenção
à Cultura, e de estar convencida de que os dinheiros públicos da área só são
bem gastos se forem usados para a preservação do património. Esta visão
míope do que deve ser uma política cultural tem como consequência uma postura
filisteia que é desprezada por praticamente todo o sector, e com bons
argumentos. É por isso que António Costa, ao contrário de Rui Rio, consegue
encher o Mercado da Ribeira com centenas de artistas felizes e ululantes, como
aconteceu em Julho de 2014, quando prometeu que a Cultura iria ter de volta o seu
ministério, desaparecido nos tempos de Passos Coelho.
Passados
cinco anos, a Cultura, de facto, recebeu de volta o seu ministério – mas não
recebeu mais do que isso. O
ministro João Soares não teve tempo para aquecer o lugar, graças às
bofetadas que prometeu dar a Augusto M. Seabra e a Vasco Pulido Valente;
Luís Filipe Castro Mendes passou pelo ministério com a leveza de um soneto
bucólico; e Graça Fonseca pode ser uma técnica competentíssima, mas percebe
tanto de Cultura como eu percebo de bilhar às três tabelas. Os resultados estão
à vista: a Cultura portuguesa está tão comatosa como nos tempos da troika,
e o sector só está calado por preconceito ideológico – Costa e a “geringonça”
são de esquerda, a esquerda é suposto ser amiga da Cultura, donde, apesar de
não mexerem uma palha (tal como os outros), sempre combinam melhor com o
mobiliário do Palácio da Ajuda.
E,
no entanto, uma política cultural de direita era possível, se começasse por
proporcionar aquilo que algumas das melhores pessoas que trabalham no sector
reclamam há anos sem fim: autonomia. Apesar de o país precisar de bons
quadros nesta área como de pão para a boca, aquilo a que se assiste é a um
confrangedor desprezo pelo talento, e a um verdadeiro incómodo em relação a
todos aqueles que têm a coragem de fazer ouvir a sua voz, em defesa do trabalho
que gostariam de realizar – mas que não podem, devido ao estrangulamento das
cativações e à absoluta dependência de uma orgânica burocrática que asfixia
toda a ambição.
No
passado fim-de-semana, o director do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA),
António Pimentel – que, já desesperado, abandona o cargo no próximo mês –, deu
uma entrevista ao El País sobre o estado do MNAA. Por seu lado, José Manuel
Costa, director da Cinemateca Portuguesa, deu uma entrevista ao Expresso sobre
o estado da Cinemateca. Pimentel e Costa são duas pessoas de que o
país se deveria orgulhar pela paixão que devotam à área em que trabalham e pela
sua indiscutível competência. Vale a pena comparar os dois artigos.
Um
queixa-se do “abandono
do Estado”; o outro diz que “a Cinemateca foi esquecida”. Um
declara que nem sequer consegue ficar com as receitas da bilheteira e da loja
(vão todas para o ministério); o outro fala em “inferno burocrático” e garante
que se tivesse “liberdade administrativa” para vender “serviços com agilidade”
poderia ter “uma actividade sustentável”. Ambos pedem o mesmo, e não é mais
dinheiro – é apenas mais autonomia para obter receitas e poder desenvolver as
suas instituições. Sejamos claros: é um escândalo que o Estado não
consiga dar uma resposta a estas pessoas. E é uma absoluta tragédia que
elas acabem por desistir, cansadas de anos e anos de lutas inglórias, para depois
acabarem substituídas por pessoas muito menos competentes, apenas porque sabem
estar muito mais caladas.
COMENTÁRIOS
trosario51: A arte na sua essência , não precisa de politica para a
cultura ,nem de dinheiro do estado , para existir, que o digam grandes
criadores, como Picasso, Pablo Neruda ou mesmo Vieira da Silva, até Pedro Mexia
e, tantos outros. Tavares ,tal como Cristas, em desespero , pasme-se! passam da
direita radical, para a extrema esquerda, na defesa dos valores. O Povo
Português, pode não ser de cultura elevada, mas não é estúpido, sabe distinguir
os que são credíveis e os outros.
Colete Amarelo, Aqui mesmo 16.05.2019:
Já Camões dizia, no Canto V, que os portugueses não
valorizavam a cultura. Enfim, não houve forte Capitão Que não fosse também
douto e ciente, Da Lácia, Grega ou Bárbara nação, Senão da Portuguesa tão
somente. Sem vergonha o não digo: que a razão De algum não ser por versos
excelente É não se ver prezado o verso e rima, Porque quem não sabe arte, não
na estima.
Inês R. Bruxelas; Porto 16.05.2019: Subscrevo a análise de JMT, ressalvando a qualidade da
Cultura produzida por entidades totalmente autónomas do Estado. Mas é
lamentável o funcionamento das nossas instituições, não por culpa própria, mas
devido aos constrangimentos administrativos. Uma nota a Carla Moreira:
"personagem" é um substantivo feminino e masculino, com duas acepções
totalmente distintas, consoante o género do respectivo artigo. Fala-se
"numa personagem" em obras de arte de ficção (romance, novela,
teatro, poesia, etc.). "Um personagem" é uma pessoa do mundo real,
frequentemente com traços peculiares ou caricaturais ou que é retratada nesses
termos. Infelizmente, a maioria das pessoas desconhece esta distinção e chega
mesmo a confundir e trocar os dois conceitos, utilizando-os de forma errada.
Leitor atento, Coimbra 16.05.2019: Já alguém falou na "maldição da cultura",
que nunca mais teve ministro desde que Manuel Maria Carrilho bateu com a porta,
há quase 20 anos...Ele fez de tudo: bibliotecas e cineteatros por todo o país,
a criação do museu de Serralves, a renovação de vários museus (o de Etnologia
em Lisboa, o Machado de Castro em Coimbra, o Grão-Vasco em Viseu, etc), o
Porto/ Capital Europeia da Cultura, a salvação do agora Património Mundial do
Côa, a aposta na arte contemporânea sem descurar o património, a renovação da Biblioteca
Nacional e da Cinemateca, a criação dos telefilmes com a SIC, o lançamento da
Casa da Música, a criação da Orquestra do Porto, o maior apoio de sempre ao
teatro, à dança, à música e aos festivais, a presença da cultura portuguesa no
mundo, em Frankfurt, Nova York, Paris, etc.
Gastão Clemente, Custóias 16.05.2019: E ainda patrocinou programas de rádio, na Antena 1,
para a Bárbara Guimarães.
Nuno Silva, 16.05.2019 : Sem cultura nem ciência, o ser humano transforma-se
numa planta carnívora.
mzeabranches, 16.05.2019: "O miserável estado da Cultura em Portugal":
estranho que, com este título, e embora o autor escreva com a ortografia
correcta, não seja referido o "miserável estado" em que se encontra a
língua de Portugal! E não há Cultura sem língua: é indispensável «reconhecer o
conteúdo cultural fundamental de cada língua, tomar consciência do facto de que
toda a língua é portadora duma filosofia do mundo, dum imaginário, e até de
utopias que estão inscritas no tecido da sua gramática, na estrutura das suas
palavras e na organização das suas frases.» ("Contre la pensée
unique", Cl. Hagège, que traduzi). Devemos ser o único povo que despreza a
própria língua, permitindo aos políticos que dela se apropriem, sem nunca se
discutir - inclusivamente em época de eleições - o seu estado e o seu destino!
Gastão Clemente, Custóias 16.05.2019: Se bem entendi, JMT defende para as instituições
culturais públicas uma liberdade de gestão e procedimentos que não defende para
outras instituições administrativas. Para museus e cinemateca, liberdade de
contratação e despesas sem freio nem burocracias; para a restante administração
pública, restrições na contratação de funcionários, procedimentos burocráticos,
controle financeiro e orçamental. Em que ficamos? Fazer um concurso público
custa - mas a todos! Pergunte ao seu amigo Pedro Mexia, que esteve na
Cinemateca, por que fugiu de lá a sete pés. Terá sido porque escrever uma
crónica domingueira ou um trecho lírico é bem mais fácil e dá menos trabalho do
que tomar conta de um procedimento concursal ou contratar um funcionário com
meia dúzia de tostões (sempre excessivos, para JMT)?
Carlos Cunha, 16.05.2019: é por isso que tantos intelectuais têm que viver como
"jornalistas", "comentadores políticos / analistas
políticos", circulando por aí enquadrados nas conjunturas conjecturadas
pelos próprios, e acabam conhecidos e reconhecidos do grande público por essa
via. A propósito: será que o JMT já teve curiosidade em verificar, na página
oficial do CC do PCP, a quantidade de membros deste CC identificados como
"intelectuais"? É a vida.
Ludwig Popov,
UE 16.05.2019 : Cultura? Tive de
mudar de cidade e lá fui eu ao centro de saúde do novo local para efectuar a
transferência, disseram-me que médico de família não tenho e que estão 900
pessoas à espera, e a funcionária muito inteligentemente disse-me "e há
também muitos estrangeiros aqui sabe?" e eu pensar, "bichos de sete
cabeças tipo parasitas como eu que sempre trabalhei em Portugal e paguei
impostos" mas nem disse nada óbvio. Quando se faz isto ao SNS, que esperar
da Cultura? Mas não acaba aqui, disseram-me que a minha filha de 2 anos tem
direito a médico (wow) mas que depois me ligavam para confirmar a consulta,
continuo à espera, uma semana, nada mau, só um pequena violação da Carta da ONU
em relação aos direitos das crianças. Cultura num país destes na UE só pode ser
miserável.
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