“Quanto pior melhor”, pensam alguns, pensava Bush, porque
do caos nasceria a ordem e outros caminhos mais sensatos. Mas Nasrim teme pelas
suas filhas, ela está lá metida, no sítio das ameaças nucleares, nós, as Narins
de cá também receamos pelas nossas e os nossos, e a loucura parece generalizada. Teresa de Sousa explica todas essas loucuras em muitas frentes, todos esses
jogos de rãs a esticarem a pele na pretensão de obterem estruturas bovinas para
melhor competirem, donos do mundo, o que é soez. Os comentadores de TS mostram que sabem mais coisas, felizmente que há quem saiba muito
de política e dos arranjinhos vários, que pouco são discutidos nos canais
televisivos, ainda bem que há quem narre e esclareça de verdade e não como o
Agildo, embora haja muitos Agildos também, de permeio, sem tanta qualidade, é
certo. Mas não tem razão a Nasrim iraniana, não a têm as Nasrins de todos os
tempos, para quê as queixas? «Pues el delito mayor del hombre es haber
nacido”, já o dizia um lastimoso Segismundo, no “La vida es sueño” de Calderón
de la Barca, coisa que muitos outros repetiram, até o nosso Gedeão,
como artifício de retórica niilista. Afinal, todos gostamos de viver, mas vivemos todos com
medo, hoje mais do que nunca, porque o mundo dilatou, como a vaidosa rã…
OPINIÃO
Trump em todas as frentes. Sinal de
força ou de fraqueza?
Irão, Coreia do Norte, Venezuela e China.
A degradação acelerada do soft power americano pode transformar-se na
sua maior fraqueza.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 12 de Maio de 2019
1.Os
correspondentes do Financial Times em Teerão dão conta de uma conversa
com uma iraniana de 40 anos da classe média, Nasrin, mãe de duas adolescentes,
que começa a chorar quando se põe a pensar no que o futuro pode
reservar às suas filhas. “Penso nelas
dia e noite. Como é que vão ganhar a vida quando crescerem? Tenho tanto medo da
guerra que decidi deixar de seguir as notícias.” Este é o
outro lado de um conflito que arrisca uma perigosa escalada entre o regime
teocrático do Irão e os Estados Unidos, que se prolonga há décadas, que chegou
a encontrar um caminho de pacificação e que hoje volta a ensombrar o Médio Oriente e o mundo.
Depois
de um longo processo de negociações, primeiro em total secretismo, depois
publicamente, o Presidente Obama, com o inestimável apoio da Europa,
conseguiu fechar um acordo, em 2015, para levar o Irão a abandonar o seu
programa nuclear a troco do progressivo levantamento das sanções económicas que
levam a que Nasrin tema pelo futuro das suas filhas. O regime
de Teerão é tudo menos fiável, mas os ayatollahs também se
dividem em facções mais ou menos radicais e são capazes de raciocinar em função
dos seus interesses imediatos e de longo prazo.
Obama, com os europeus, quebrou a política de George W. Bush, do “quanto pior melhor”, que visava uma mudança de regime, dando início a
outra, assente num compromisso com os sectores mais moderados do regime, que
minorasse os riscos para a paz mundial numa região que continua a ser um feixe
de conflitos e um barril de pólvora. Na
base desse acordo estava a garantia americana de não-ingerência e, sobretudo, o
progressivo levantamento das sanções económicas que sufocavam a economia
iraniana e a sua principal fonte de rendimentos (a exportação de gás e
petróleo), atingindo directamente uma vasta classe média farta de ver os seus
hábitos de vida postos em causa. A inflação atinge hoje os 40%. Ninguém quer
ouvir falar de guerra.
2. Como
sabemos, há precisamente um ano Trump rasgou o
acordo, classificando-o de “o pior de sempre” e regressando à lógica
do “quanto pior melhor”, só que exercida por uma diplomacia que se revela cada
vez mais incompetente. A
Europa ficou sozinha na defesa
do acordo, apesar das sanções secundárias decretadas pelos EUA às empresas
europeias (ou chinesas ou indianas) que continuassem a investir no Irão. E eram muitas, desde as petrolíferas aos
automóveis. Entre o mercado americano e o iraniano, algumas delas não tiveram
escolha. A Europa fez-se de forte até onde pode. Mas pode pouco, como quase sempre acontece quando age sem os
EUA. Viu há três dias o Presidente (moderado)
Hassan Rouhani dizer
que a República islâmica ia deixar de cumprir partes do
acordo de 2015, se os europeus não encontrassem maneira de
apoiar economicamente o Irão. Deu-lhes um prazo de 60 dias. Foi, como escreve o FT, a declaração mais dura do
Presidente iraniano sobre o acordo nuclear desde a sua assinatura.
As
potências europeias envolvidas no acordo – França, Reino Unido, Alemanha –
rejeitaram aquilo que consideraram um “ultimato”. Tentam agora convencer a
China e a Índia a continuar a comprar o petróleo e o gás iraniano. Sem grande
sucesso. Os ayatollahs gostam dos investimentos europeus mas não
temem a Europa. Os moderados do regime vêem-se obrigados a endurecer a
linguagem para tentar impedir que os duros denunciem o acordo como uma farsa.
“Considerando que os europeus não serão capazes de oferecer nada de tangível, os
duros preparam-se para atirar à cara do Presidente iraniano o seu fracasso”,
diz ao FT Javadi-Hesar, um político moderado de Teerão.
3. Entretanto,
os EUA fizeram deslocar para as águas internacionais vizinhas do Irão uma
poderosa unidade de combate liderada pelo porta-aviões Abraham Lincoln,
enquanto Mike Pompeo anulava à última hora uma visita a Berlim para
se deslocar a Bagdad. Regressou
a lógica da escalada. O regime
iraniano envolveu-se directamente na guerra da Síria ao lado do regime de
Bashar. Washington acusa-o de apoiar as milícias xiitas no Iraque e o Hezbollah
a partir do Líbano. Alguns analistas referem que o regime de Teerão pode
atingir tropas americanas na região, sobretudo na Síria e no Iraque, o que
levaria provavelmente a uma reacção de Washington. James Mattis já não está no
Pentágono desde Janeiro, as poucas vozes moderadas da Administração Trump
já saíram e só agora o Presidente tenciona efectivar a nomeação de Patrick
Shanahan para a Defesa, que veio da Boeing e que não tem particular compreensão
das questões militares.
4. Trump
acaba de adicionar à prova de força contra Teerão o endurecimento contra o
regime de Pyongyang – com cujo líder já realizou duas cimeiras, muito
mediáticas e cordiais, para tentar encontrar uma solução para a escalada
nuclear de Kim Jong-un, mas até agora sem qualquer eficácia. Kim continua a disparar mísseis. Desafiou
Moscovo a juntar-se ao complexo tabuleiro diplomático que envolve a Península
da Coreia. Trump mantém as sanções. Na sexta-feira, a marinha de guerra
americana aprendeu um cargueiro norte-coreano que transportava carvão.
Na Venezuela, apesar da retórica, o Presidente americano ainda não
conseguiu afastar Maduro, revelando uma inesperada derrota diplomática na sua
vizinhança directa, só explicável porque Moscovo resolveu interferir directamente no jogo de
forças em Caracas e a China está a fazer o papel de
“fornecedora” do regime. A natureza
errática da diplomacia americana sob a batuta de Trump perde a sua eficácia,
deixando como única arma, aliás a preferida do Presidente, a ameaça do uso da
força – ainda sem equivalente à escala mundial mas pouco eficaz na resolução de
conflitos de pequena e média dimensão.
Na frente chinesa, as coisas também não estão a correr pelo melhor.
Na semana passada, as negociações comerciais que deveriam estar a caminhar
para uma conclusão tiveram um inesperado revés, com Trump, mais uma vez, a recorrer à aplicação de novas tarifas (25%)
sobre importações chinesas no valor de 200 mil milhões de dólares. Os chineses ameaçaram retaliar. O efeito
desta montanha russa negocial entre as duas maiores economias do mundo na
economia mundial é devastador – ninguém sabe o que vai acontecer e a incerteza
é a pior inimiga dos mercados. A estratégia de Xi Jinping de
concentrar o poder nas suas mãos, neutralizando
as duas facções rivais do PCC – aquela que é fortemente nacionalista, apostando
no confronto, e a que defende uma maior abertura ao mundo –, não é infalível.
Um desaire nas negociações comerciais com os EUA seria
um sinal de fraqueza. Para a
Europa, a manutenção desta “guerra” sem desfecho à vista também não poderia ser
mais inconveniente, no momento em que se prepara para negociar com os EUA um
acordo comercial cujo objectivo, segundo Trump, é acabar com as “vantagens” que
as indústrias europeias tiram do mercado americano sem reciprocidade.
5. Durante
décadas, os Estados Unidos foram um dos maiores beneficiários do sistema
multilateral que eles próprios criaram depois da II Guerra. Hoje, a sua força
económica e militar pode parecer ainda avassaladora. Na realidade, a degradação acelerada do
seu soft power e a progressiva substituição do sistema multilateral por outro
onde impera a relação de forças entre grandes potências podem transformar-se na
sua maior fraqueza. O problema
é que, do mundo Ocidental, a Europa, sempre
atrás do sonho de se afirmar diante do império benigno americano, caminha quase
sem se dar conta para a irrelevância. Em
Teerão ou em Caracas. Dividida,
virada para dentro de si própria, às voltas com uma crise para a qual não
consegue encontrar um caminho de saída. À espera que passe o vendaval que sopra
do outro lado do Atlântico – o que está longe de ser uma certeza. Trump, no
meio das guerras internas com o Congresso e das “provas de força” no Médio
Oriente ou no Pacífico, regista o valor mais alto quanto
ao apoio dos americanos desde que foi eleito. Não é nada de especial (45%) mas
é, ainda assim, significativo.
COMENTÁRIOS
joorge, 14.05.2019: Este pobre coitado vai terminar o
mandato humilhado pela China, pelo Maduro, pelo Irão, etc. Quando a força
eleitoral de Trump se aperceber que está a ser alvo de um ataque económico preciso
e meticuloso por parte da China, é que vai ser rir! É verdade! Os chineses
fizeram um estudo (eles não brincam com palhaços) para se taxarem sobretudo os
produtos norte-americanos cultivados ou produzidos nos estados que
maioritariamente votaram Trump. Os 65.000.000 de USD de prejuízo que os EUA vão
ter serão quase todos pagos pelo dinheiro dos eleitores do Trump. O Ocidente
democrático começou nos Anos 80 com esta inteligente tendência para escolher
Reagans, Tatchers, Berlusconis, Trumps. Por esta altura começou também o
imparável crescimento da China. São coincidências. Ahahahahah.
Carlos Brígida, Alges 12.05.2019: Acho que a
dicotomia não se aplica; é ambos (força e fraqueza). Trump é um jogador nato,
que sempre joga em diferentes tabuleiros. Em cada um deles tem conselheiros
especializados que o servem ou dele se servem para a sua agenda própria. Há
interesses muito próprios, dele e da 'família alargada' que movem centenas de
milhões (pelo menos) e são dois os canais: Rússia e Arábia Saudita. A
família actua como proxy dos interesses russos na América e Trump actua como
proxy da Arábia Saudita contra o Irão. Há a China que é toda uma agenda
específica (como o é a política económica, fiscal e monetária). E depois há
vários jogos menores - Brexit, Coreia do Norte, Venezuela, etc - ... uns
podem correr mal mas 'uma mão lava a outra'. Forças e fraquezas são
envoltas na mesma nebulosa de opacidades.
rafael.guerra.www, 12.05.2019: E o representante
da intelectualidade portuguesa na Terra de Sonho, na sua psicose mal tratada, o
que pensa deste presidente javardo que dá lições à Europa?
Francis Delannoy, 12.05.2019: Trump em todas as frentes. Sinal de força ou de
fraqueza? Irão, Coreia do Norte, Venezuela e China. A degradação acelerada do soft
power americano pode transformar-se na sua maior fraqueza. ++++++ a América
é uma espécie de galinha louca a tentar comer grão em todas as áreas acessíveis
ao seu bico... o grande problema dessa galinha louca, é quando é mandada
por um galo louco.. este tipo de política de apanhar os grãos dos outros não é
boa politica, e quando há combate de galos, há sempre um que perde.. só que
hoje os povos é que são os reféns desses galos e do apetite dessas galinhas
loucas..
Joao Portugal 12.05.2019: A Teresa coloca a
maior parte dos dados na mesa, é verdade, mas depois regressa à narrativa
habitual. Em meu entender, como digo há anos, o Trump está desde o início a ser
chantageado e perseguido o que o faz fugir para a frente e criar tensões e
guerras que não estavam no seu programa. No seu programa estava o confronto
com a China, mas estava o alívio da guerra em Kiev por exemplo, de
cuja paz ele já foi forçado a desistir e aliás está a intensificar com mísseis
e retórica; também estava a paz na Síria de que ele também já desistiu e
todos os dias envia contentores com mísseis e blindados, estava o alívio das
tensões com os russos de que ele já desistiu e fomenta sanções, abandona
tratados, aumenta o número de bombas atómicas na Europa e nas fronteiras russas,
etc.
Rui Ribeiro, Bruxelas 12.05.2019: É óbvio que os
EUA perderam o soft power, porque pouca gente leva a sério a presidência Trump
em termos de fiabilidade. Um ignorante na presidência, secundado por outros
ignorantes, alguns dos quais com a vontade explícita de acabar com o sistema de
alianças posterior à segunda guerra mundial e que tão bons resultados deu à
Europa e aos EUA, tinha de resultar nisto. Acresce que uma administração que
falhou praticamente todos os grandes objectivos em termos políticos (com a
excepção do Supremo Tribunal e da baixa de impostos, mas com esta cada vez mais
percebida como um benefício apenas para os muito ricos), pode muito
bem usar o Irão como bode expiatório destes falhanços. Os riscos são sérios
e do atolambado cor-de-laranja na Casa Branca é de esperar o pior.
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