terça-feira, 21 de maio de 2019

Uma limpeza


“Quanto pior melhor”, pensam alguns, pensava Bush, porque do caos nasceria a ordem e outros caminhos mais sensatos. Mas Nasrim teme pelas suas filhas, ela está lá metida, no sítio das ameaças nucleares, nós, as Narins de cá também receamos pelas nossas e os nossos, e a loucura parece generalizada. Teresa de Sousa explica todas essas loucuras em muitas frentes, todos esses jogos de rãs a esticarem a pele na pretensão de obterem estruturas bovinas para melhor competirem, donos do mundo, o que é soez. Os comentadores de TS mostram que sabem mais coisas, felizmente que há quem saiba muito de política e dos arranjinhos vários, que pouco são discutidos nos canais televisivos, ainda bem que há quem narre e esclareça de verdade e não como o Agildo, embora haja muitos Agildos também, de permeio, sem tanta qualidade, é certo. Mas não tem razão a Nasrim iraniana, não a têm as Nasrins de todos os tempos, para quê as queixas? «Pues el delito mayor del hombre es haber nacido”, já o dizia um lastimoso Segismundo, no “La vida es sueño” de Calderón de la Barca, coisa que muitos outros repetiram, até o nosso Gedeão, como artifício de retórica niilista. Afinal, todos gostamos de viver, mas vivemos todos com medo, hoje mais do que nunca, porque o mundo dilatou, como a vaidosa rã…

OPINIÃO
Trump em todas as frentes. Sinal de força ou de fraqueza?
Irão, Coreia do Norte, Venezuela e China. A degradação acelerada do soft power americano pode transformar-se na sua maior fraqueza.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 12 de Maio de 2019
1.Os correspondentes do Financial Times em Teerão dão conta de uma conversa com uma iraniana de 40 anos da classe média, Nasrin, mãe de duas adolescentes, que começa a chorar quando se põe a pensar no que o futuro pode reservar às suas filhas. “Penso nelas dia e noite. Como é que vão ganhar a vida quando crescerem? Tenho tanto medo da guerra que decidi deixar de seguir as notícias.” Este é o outro lado de um conflito que arrisca uma perigosa escalada entre o regime teocrático do Irão e os Estados Unidos, que se prolonga há décadas, que chegou a encontrar um caminho de pacificação e que hoje volta a ensombrar o Médio Oriente e o mundo.
Depois de um longo processo de negociações, primeiro em total secretismo, depois publicamente, o Presidente Obama, com o inestimável apoio da Europa, conseguiu fechar um acordo, em 2015, para levar o Irão a abandonar o seu programa nuclear a troco do progressivo levantamento das sanções económicas que levam a que Nasrin tema pelo futuro das suas filhas. O regime de Teerão é tudo menos fiável, mas os ayatollahs também se dividem em facções mais ou menos radicais e são capazes de raciocinar em função dos seus interesses imediatos e de longo prazo.
Obama, com os europeus, quebrou a política de George W. Bush, do “quanto pior melhor”, que visava uma mudança de regime, dando início a outra, assente num compromisso com os sectores mais moderados do regime, que minorasse os riscos para a paz mundial numa região que continua a ser um feixe de conflitos e um barril de pólvora. Na base desse acordo estava a garantia americana de não-ingerência e, sobretudo, o progressivo levantamento das sanções económicas que sufocavam a economia iraniana e a sua principal fonte de rendimentos (a exportação de gás e petróleo), atingindo directamente uma vasta classe média farta de ver os seus hábitos de vida postos em causa. A inflação atinge hoje os 40%. Ninguém quer ouvir falar de guerra.
2. Como sabemos, há precisamente um ano Trump rasgou o acordo, classificando-o de “o pior de sempre” e regressando à lógica do “quanto pior melhor”, só que exercida por uma diplomacia que se revela cada vez mais incompetente. A Europa ficou sozinha na defesa do acordo, apesar das sanções secundárias decretadas pelos EUA às empresas europeias (ou chinesas ou indianas) que continuassem a investir no Irão. E eram muitas, desde as petrolíferas aos automóveis. Entre o mercado americano e o iraniano, algumas delas não tiveram escolha. A Europa fez-se de forte até onde pode. Mas pode pouco, como quase sempre acontece quando age sem os EUA. Viu há três dias o Presidente (moderado) Hassan Rouhani dizer que a República islâmica ia deixar de cumprir partes do acordo de 2015, se os europeus não encontrassem maneira de apoiar economicamente o Irão. Deu-lhes um prazo de 60 dias. Foi, como escreve o FT, a declaração mais dura do Presidente iraniano sobre o acordo nuclear desde a sua assinatura.
As potências europeias envolvidas no acordo – França, Reino Unido, Alemanha – rejeitaram aquilo que consideraram um “ultimato”. Tentam agora convencer a China e a Índia a continuar a comprar o petróleo e o gás iraniano. Sem grande sucesso. Os ayatollahs gostam dos investimentos europeus mas não temem a Europa. Os moderados do regime vêem-se obrigados a endurecer a linguagem para tentar impedir que os duros denunciem o acordo como uma farsa. “Considerando que os europeus não serão capazes de oferecer nada de tangível, os duros preparam-se para atirar à cara do Presidente iraniano o seu fracasso”, diz ao FT Javadi-Hesar, um político moderado de Teerão.
3. Entretanto, os EUA fizeram deslocar para as águas internacionais vizinhas do Irão uma poderosa unidade de combate liderada pelo porta-aviões Abraham Lincoln, enquanto Mike Pompeo anulava à última hora uma visita a Berlim para se deslocar a Bagdad. Regressou a lógica da escalada. O regime iraniano envolveu-se directamente na guerra da Síria ao lado do regime de Bashar. Washington acusa-o de apoiar as milícias xiitas no Iraque e o Hezbollah a partir do Líbano. Alguns analistas referem que o regime de Teerão pode atingir tropas americanas na região, sobretudo na Síria e no Iraque, o que levaria provavelmente a uma reacção de Washington. James Mattis já não está no Pentágono desde Janeiro, as poucas vozes moderadas da Administração Trump já saíram e só agora o Presidente tenciona efectivar a nomeação de Patrick Shanahan para a Defesa, que veio da Boeing e que não tem particular compreensão das questões militares.
4. Trump acaba de adicionar à prova de força contra Teerão o endurecimento contra o regime de Pyongyang – com cujo líder já realizou duas cimeiras, muito mediáticas e cordiais, para tentar encontrar uma solução para a escalada nuclear de Kim Jong-un, mas até agora sem qualquer eficácia. Kim continua a disparar mísseis. Desafiou Moscovo a juntar-se ao complexo tabuleiro diplomático que envolve a Península da Coreia. Trump mantém as sanções. Na sexta-feira, a marinha de guerra americana aprendeu um cargueiro norte-coreano que transportava carvão.
Na Venezuela, apesar da retórica, o Presidente americano ainda não conseguiu afastar Maduro, revelando uma inesperada derrota diplomática na sua vizinhança directa, só explicável porque Moscovo resolveu interferir directamente no jogo de forças em Caracas e a China está a fazer o papel de “fornecedora” do regime. A natureza errática da diplomacia americana sob a batuta de Trump perde a sua eficácia, deixando como única arma, aliás a preferida do Presidente, a ameaça do uso da força – ainda sem equivalente à escala mundial mas pouco eficaz na resolução de conflitos de pequena e média dimensão.
Na frente chinesa, as coisas também não estão a correr pelo melhor. Na semana passada, as negociações comerciais que deveriam estar a caminhar para uma conclusão tiveram um inesperado revés, com Trump, mais uma vez, a recorrer à aplicação de novas tarifas (25%) sobre importações chinesas no valor de 200 mil milhões de dólares. Os chineses ameaçaram retaliar. O efeito desta montanha russa negocial entre as duas maiores economias do mundo na economia mundial é devastador – ninguém sabe o que vai acontecer e a incerteza é a pior inimiga dos mercados. A estratégia de Xi Jinping de concentrar o poder nas suas mãos, neutralizando as duas facções rivais do PCC – aquela que é fortemente nacionalista, apostando no confronto, e a que defende uma maior abertura ao mundo –, não é infalível. Um desaire nas negociações comerciais com os EUA seria um sinal de fraqueza. Para a Europa, a manutenção desta “guerra” sem desfecho à vista também não poderia ser mais inconveniente, no momento em que se prepara para negociar com os EUA um acordo comercial cujo objectivo, segundo Trump, é acabar com as “vantagens” que as indústrias europeias tiram do mercado americano sem reciprocidade.
5. Durante décadas, os Estados Unidos foram um dos maiores beneficiários do sistema multilateral que eles próprios criaram depois da II Guerra. Hoje, a sua força económica e militar pode parecer ainda avassaladora. Na realidade, a degradação acelerada do seu soft power e a progressiva substituição do sistema multilateral por outro onde impera a relação de forças entre grandes potências podem transformar-se na sua maior fraqueza. O problema é que, do mundo Ocidental, a Europa, sempre atrás do sonho de se afirmar diante do império benigno americano, caminha quase sem se dar conta para a irrelevância. Em Teerão ou em Caracas. Dividida, virada para dentro de si própria, às voltas com uma crise para a qual não consegue encontrar um caminho de saída. À espera que passe o vendaval que sopra do outro lado do Atlântico – o que está longe de ser uma certeza. Trump, no meio das guerras internas com o Congresso e das “provas de força” no Médio Oriente ou no Pacífico, regista o valor mais alto quanto ao apoio dos americanos desde que foi eleito. Não é nada de especial (45%) mas é, ainda assim, significativo.

COMENTÁRIOS
joorge, 14.05.2019: Este pobre coitado vai terminar o mandato humilhado pela China, pelo Maduro, pelo Irão, etc. Quando a força eleitoral de Trump se aperceber que está a ser alvo de um ataque económico preciso e meticuloso por parte da China, é que vai ser rir! É verdade! Os chineses fizeram um estudo (eles não brincam com palhaços) para se taxarem sobretudo os produtos norte-americanos cultivados ou produzidos nos estados que maioritariamente votaram Trump. Os 65.000.000 de USD de prejuízo que os EUA vão ter serão quase todos pagos pelo dinheiro dos eleitores do Trump. O Ocidente democrático começou nos Anos 80 com esta inteligente tendência para escolher Reagans, Tatchers, Berlusconis, Trumps. Por esta altura começou também o imparável crescimento da China. São coincidências. Ahahahahah.
Carlos Brígida, Alges 12.05.2019: Acho que a dicotomia não se aplica; é ambos (força e fraqueza). Trump é um jogador nato, que sempre joga em diferentes tabuleiros. Em cada um deles tem conselheiros especializados que o servem ou dele se servem para a sua agenda própria. Há interesses muito próprios, dele e da 'família alargada' que movem centenas de milhões (pelo menos) e são dois os canais: Rússia e Arábia Saudita. A família actua como proxy dos interesses russos na América e Trump actua como proxy da Arábia Saudita contra o Irão. Há a China que é toda uma agenda específica (como o é a política económica, fiscal e monetária). E depois há vários jogos menores - Brexit, Coreia do Norte, Venezuela, etc - ... uns podem correr mal mas 'uma mão lava a outra'. Forças e fraquezas são envoltas na mesma nebulosa de opacidades.
rafael.guerra.www, 12.05.2019: E o representante da intelectualidade portuguesa na Terra de Sonho, na sua psicose mal tratada, o que pensa deste presidente javardo que dá lições à Europa?
Francis Delannoy, 12.05.2019: Trump em todas as frentes. Sinal de força ou de fraqueza? Irão, Coreia do Norte, Venezuela e China. A degradação acelerada do soft power americano pode transformar-se na sua maior fraqueza. ++++++ a América é uma espécie de galinha louca a tentar comer grão em todas as áreas acessíveis ao seu bico... o grande problema dessa galinha louca, é quando é mandada por um galo louco.. este tipo de política de apanhar os grãos dos outros não é boa politica, e quando há combate de galos, há sempre um que perde.. só que hoje os povos é que são os reféns desses galos e do apetite dessas galinhas loucas..
Joao Portugal 12.05.2019: A Teresa coloca a maior parte dos dados na mesa, é verdade, mas depois regressa à narrativa habitual. Em meu entender, como digo há anos, o Trump está desde o início a ser chantageado e perseguido o que o faz fugir para a frente e criar tensões e guerras que não estavam no seu programa. No seu programa estava o confronto com a China, mas estava o alívio da guerra em Kiev por exemplo, de cuja paz ele já foi forçado a desistir e aliás está a intensificar com mísseis e retórica; também estava a paz na Síria de que ele também já desistiu e todos os dias envia contentores com mísseis e blindados, estava o alívio das tensões com os russos de que ele já desistiu e fomenta sanções, abandona tratados, aumenta o número de bombas atómicas na Europa e nas fronteiras russas, etc.
Rui Ribeiro, Bruxelas 12.05.2019: É óbvio que os EUA perderam o soft power, porque pouca gente leva a sério a presidência Trump em termos de fiabilidade. Um ignorante na presidência, secundado por outros ignorantes, alguns dos quais com a vontade explícita de acabar com o sistema de alianças posterior à segunda guerra mundial e que tão bons resultados deu à Europa e aos EUA, tinha de resultar nisto. Acresce que uma administração que falhou praticamente todos os grandes objectivos em termos políticos (com a excepção do Supremo Tribunal e da baixa de impostos, mas com esta cada vez mais percebida como um benefício apenas para os muito ricos), pode muito bem usar o Irão como bode expiatório destes falhanços. Os riscos são sérios e do atolambado cor-de-laranja na Casa Branca é de esperar o pior.




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