domingo, 12 de maio de 2019

Talvez mereçamos


Eu também ouvi um pouco, e fiquei abismada, para não dizer “siderada”, signo que reflecte mais amplo espaço etéreo. Perante a estratégia que escolheram, ele, Berardo, e o seu advogado, de troçar de todos. Mas JMT e os seus comentadores traçam, melhor do que eu, os pormenores do desplante perante uma assembleia provavelmente tão envergonhada como eu. Enfim, “faz parte”, era o que dizia um qualquer actor humilhado, que tenho na memória já das indistinções.
OPINIÃO
Joe Berardo, o homem que não tem dívidas
Aquilo que na sexta-feira se passou no Parlamento, durante a audição de Berardo na comissão de inquérito à CGD, é verdadeiramente grave.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 11 de Maio de 2019
O facto de Joe Berardo ser disléxico, pouco articulado e ter a seu lado um advogado a papaguear-lhe as respostas ajuda a compor a figura de um senhor patusco e meio atoleimado, muito propício a sketches humorísticos. Mas aquilo que na sexta-feira se passou no Parlamento, durante a audição de Berardo na comissão de inquérito à CGD, é verdadeiramente grave, e não apenas por o comendador ter passado cinco horas a gozar com a nossa cara e com a cara dos deputados que o inquiriam – é grave, sobretudo, por demonstrar as barbaridades que foram cometidas à época por bancos e investidores, e as barbaridades que continuam a ser cometidas hoje em dia por o sistema permitir a Joe Berardo viver à grande e à francesa, apesar de dívidas de quase mil milhões de euros. Como o próprio disse, numa frase que merece ficar para a História dos anos 2005-2011: “Eu, pessoalmente, não tenho dívidas.” Aliás – acrescentou ele –, até “tenho tentado ajudar [os bancos]”
Sendo tamanha lata inconcebível, há uma parte da intervenção em que Berardo tem toda a razão, e que traça um retrato arrasador daquilo que foi a concessão de crédito do sistema financeiro português durante a primeira década do século. Foram anos de excesso de liquidez, e bancos como o BCP, o BES, e depois a Caixa deram aos grandes investidores condições de financiamento extraordinárias.
Como o próprio Berardo explicou, essas condições “incluíam como única garantia as próprias acções das empresas integrantes do PSI20, sendo que só exigiam um grau de cobertura de 100% do valor constituído pelas próprias acções a adquirir”. Em bom rigor, não se percebe sequer como se dá a isto o nome de “garantia”, porque não é garantia nenhuma – o risco ficava todo do lado dos bancos, como se viu.
Aliás, uma das partes mais pitorescas da audiência foi mesmo a indignação de Berardo em relação aos bancos, como se ele próprio fosse um lesado do BES (e da Caixa, e do BCP), por ter sido empurrado (diz ele) para um investimento desastroso. Imagino que essa postura lhe sirva também como um mecanismo psicológico para justificar todos os esquemas e tramóias que tem tentado (e, pelos vistos, conseguido) praticar desde então, com o objectivo de – e cito – “defender os meus interesses”.
Esses esquemas incluíram alterações de estatutos à margem dos credores e uma operação de aumento de capital da associação que detém a Colecção Berardo que acabou por retirar margem de manobra aos bancos para executarem a penhora. Neste momento, a coisa está assim: a associação está penhorada, mas as obras que são propriedade da associação não estão, porque não podem, devido ao acordo com o Estado (renovado em 2016). Quando perguntaram a Berardo se a CGD sabia disso quando aceitou os títulos da associação como penhora, ele disse que sim: “Nunca iria dar a colecção aos bancos.”
Estamos nisto. Caixa, BCP e Novo Banco reclamam a Joe Berardo 962 milhões de euros, e ele continua a mostrar a Quinta da Bacalhôa – que não é dele, claro está – a Manuel Luís Goucha, nas manhãs da TVI. Há um mês, na mesma comissão, Eduardo Paz Ferreira disse não acreditar que a garantia da Caixa sobre a colecção algum dia conseguisse ser executada. Agora percebi porquê. O Estado ostenta com grande prestígio no CCB o nome de um dos maiores devedores do Estado; e o Estado contribui (via acordo da colecção) para que o Estado não possa recuperar o dinheiro que lhe é devido. Giro, não? Senhoras e senhores, bem-vindos a Portugal.
COMENTÁRIOS
R Figueiredo Jacinto, Lisboa: O Padrinho Bernardo rouba o Povo português com a cobertura de políticos e banqueiros! Será que tem razão? É que a crise financeira foi um jogo montado pela UE para empobrecer ainda mais os países em desenvolvimento, vejam quais os países mais afectados. Como recompensa àqueles que podiam rebelar-se e pôr a nu a acção dos políticos deu este resultado, os Padrinhos Bernardes ou Salvados, entre outros, foram pagos com milhares de milhões pela representação para salvar a face dos Constâncios, Santos ou Tavares. Mas isso a mim e a si não nos empobrece, qualquer dinheiro recuperado apenas serve para aumentar um banquete que não o nosso, quem os defende, já está sentado à mesa.
Ceratioidei, Oceanos 11.05.2019: O que é uma comenda? Um comendador? Quem é Joe Berardo? Que actividade profissional exerce? Uma reportagem biográfica sobre JB seria muito bem-vinda. Joe Berardo é intocável?
Fernando, Coimbra 11.05.2019: Caro J M Tavares, passando ao lado do caso em si, (ie, o que era a Banca e quem a dirigia, aos mais diversos níveis), o que me espanta é que não o espante e vexe que os senhores e senhoras Deputados/as se sujeitem, passivamente, a comportamentos daquele tipo. É indigno e um desrespeito evidente às atribuições e poder da CI. Não haver ninguém naquela sala, a começar pelo presidente da Comissão de Inquérito, que se vire para o digníssimo advogado e lhe diga: - ou o senhor aconselha o seu cliente de imediato, ou o substitui no prestar de declarações, ou esta sessão termina já aqui, e os senhores serão "expulsos" desta sala, por comportamento indigno e desrespeito à AR e ao Povo Português, é algo que lamento que deixe passar em claro, quando já o vi indignado por coisas bem menos graves!
albergaselizete: Bem observado. Afinal onde pára a autoridade das comissões da Assembleia da República? Não é a 1ª vez que assisto a um espectáculo destes, basta recuar à comissão do ceo do BESA, a mentir descaradamente. É esta a autoridade da chamada casa da democracia? Se a autoridade ali é o que se vê, como se pode confiar em governações ali situadas? Fundações que não o são, sentadas à mesa do Orçamento de Estado, que mensagem transmitem ao povo português? Não existem pseudo-fundações ás centenas, a gastar por conta dos pagantes de impostos?
Raquel Azulay, 11.05.2019: Ele tem razão. Ele não tem dívidas porque somos nós que vamos pagar as dívidas dele.
mário borges, 11.05.2019: A crónica de hoje até seria uma boa crónica se não fosse um pequeno grande pormenor. Se o Joe Berardo tivesse qualquer ligação umbilical ao PSD/CDS eu duvido que o JMT dissesse dele 33% do que disse hoje. Mas ok... Fica a bravata contra um ex banqueiro e actual dono do Centro Cultural (ou será Comercial) de Belém que de facto foi gozar com os deputados à Assembleia da República. Na verdade anda há décadas a gozar com o país inteiro. Vejam o Sexta à Noite na RTP3 de ontem. Os banqueiros fazem do país gato sapato.
FzD, Almada 11.05.2019: O "Se"...(permite tudo). Mas a ver se percebi. M. Borges é de esquerda, certo? E, como tal, acha-se superior moral e intelectualmente a toda a gente que se afirme de direita. E ainda não percebeu por que é que a direita está a ganhar terreno em todo o lado?
Tiago Vasconcelos, Amsterdam11.05.2019: O Borges é um esquerdista radical que ainda não parou para reflectir sobre a estranha coincidência de todos (sublinho, todos) os regimes esquerdistas radicais terem redundado num fracasso económico e num cerceamento de direitos, liberdades e garantias.
Jose, 11.05.2019: Obviamente que JMT sabe o que é e como funciona o Capitalismo mesmo em Portugal onde os capitalistas são de pendor feudal. Obviamente JMT sabe bem que a banca empresta dinheiro a quem lhe merece confiança de classe sem garantias. Obviamente que JMT sabe que o Estado português injectou na banca mais de 20 mil milhões de euros recentemente e continua, por ser assim que funciona o Capitalismo. Obviamente que JMT sabe que as pessoas comuns só trabalham, sobrevivem, mal ouvem notícias, não lêem livros ou notícias, menos as suas crónicas e apesar de saber tudo julga-se na obrigação de dar explicações. A explicação que JMT dá para as consequências da crise do Capitalismo de 2008 é a dislexia e a dificuldade de falar português do Sr. Comendador Bernardo que obviamente não deve nada a ninguém. Só
Jose, 11.05.2019: JMT tem o encargo de dar corpo a um "bode expiatório" para a decapitação do Capitalismo português encostado ao Estado e falido. Para construir esse "bode expiatório" afunila a catástrofe do Capitalismo para uma pessoa só que aos 13 anos era emigrante, não teve tempo de aprender português, passou a vida distante da pátria onde não faz parte da "Corte" do derrotado império e, por isso, não tem onde se acolher. É a vítima fácil, é o saco de pancada eleito pelos que querem esconder e preservar a cúpula que dirigiu e dirige o desastre português. É uma cobardia com consequências de prazo. A diabolização do investimento, em lugar do esclarecimento profundo, afastará por décadas o investimento privado em Portugal. Ninguém vai ser "cristão no coliseu de roma", só por muita distracção.
Arménio Luís Alves dos Anjos, ÁguasSantas11.05:  Quem gozou com os contribuintes foram os banqueiros não foi o Berardo. Ele aproveitou as excelentes condições que lhe deram para fazer negócios. As guerras pelo poder deram nisto. Os bancos são livres de pedir as garantias que entenderem. Nós portugueses que nada temos que ver com isso é que não devíamos ser chamados a pagar os desmandos dos bancos. Deviam falir como as outras empresas que são mal geridas! Sendo os portugueses a acorrer em caso de má gestão qualquer empresário é um ás da gestão, podendo arriscar muito
Nuno Silva, 11.05.2019: Alguém lhe andou a dar comendas. A ele, mas também à anterior clic da Opus Dei que também sacou e muito do BCP, e dos outros bancos. A esperança pode vir quando acabar o mandato do Carlos "Cego" Costa, à frente do Banco de Portugal, mas até lá e depois de lá, há que ter olheiras atentas e nunca confiar em auditorias externas nem em banqueiros que as comendam.


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