Rui Ramos esclarece bem, a respeito de
um governo – este – de arranjinhos para se manter e de desinteresse real pelos
valores da decência. Mas as sondagens mostram que estamos bem assim, por
conveniência própria. Há muito que nos inspiramos na conveniência própria, no “salve-se quem puder” do nosso conforto
espiritual, no seguimento do respectivo conforto material qb, ainda que de
aparência. É nosso fado, é nosso, o fado.
Salve-se quem puder /premium
OBSERVADOR, 24/5/2019
É este o
governo que temos: não tem nada a dizer ao país, enquanto conjunto dos
cidadãos, mas tudo para dizer aos lóbis e grupos de interesse que lhe parecem
importantes para continuar a mandar.
Já
sei que as sondagens não são as eleições. Também sei que os únicos resultados
que contam são os que saírem das urnas na noite de domingo. Sei tudo isso, e
ainda que não têm faltado, nos últimos anos, votações com surpresas. No
entanto, as sondagens tendem, em geral, a significar alguma coisa, sobretudo no
seu conjunto, e no caso destas eleições europeias, as previsões vão todas no
mesmo sentido: o PS com uma percentagem frequentemente medíocre, mas distante
do PSD, e o BE e o PCP com as percentagens de sempre, mas a par ou à frente do
CDS. Se for assim, ou mais ou menos assim, teremos o resultado que mais
naturalmente decorre do que os partidos parlamentares fizeram nos últimos anos.
O
governo de António Costa e a sua maioria com o BE e o PCP não parecem ter
convencido o país. Outra coisa não seria de esperar de partidos que, depois da
rejeição das suas ideias nas eleições de 2015, nunca mais tiveram nada para
propor, a não ser a mera defesa da situação existente contra a intenção de
reformas atribuída a Pedro Passos Coelho. É, a esse respeito, significativo o
recorrente esforço da maioria parlamentar para pintar os seus adversários como
“radicais”, e decorar-se a si própria com prudências conservadoras. Em vez
das bravuras keynesianas, das saídas do Euro ou dos repúdios da dívida, a
geringonça fez outra coisa: segmentou o país, dividindo-o entre filhos e
enteados, e usando o Estado para favorecer uns à custa dos outros. Um exemplo: para ontem, esteve marcada
mais uma greve dos inevitáveis camionistas de matérias perigosas. Não
aconteceu, porque o ministro Pedro Nuno Santos reuniu
rapidamente com quem precisava de reunir. É este o governo que
temos: não tem nada a dizer ao país, enquanto conjunto dos cidadãos, mas tudo
para dizer aos lóbis e grupos de interesse a que convenha ceder para continuar
a mandar. Isto não dá para gerar entusiasmos, mas
chega provavelmente para interessar certas tranches do eleitorado num voto que
pareça garantir as vantagens obtidas.
O problema do PSD e do CDS é que
nunca descobriram como reagir à política de segmentação. As noções de bem público e interesse comum, dos
primeiros tempos de oposição, não pareceram eficazes. Por isso, a direita
deixou-se atrair fatalmente para o jogo da geringonça. É esse o sentido da
votação parlamentar sobre as reivindicações do sindicato dos professores. Não
sei se o episódio serviu para persuadir alguém de que Costa e os seus ministros
ardem em zelo por um Estado viável. O que serviu certamente foi para convencer
muita gente de que também o PSD e o CDS, tal como já antes as esquerdas,
deixaram de acreditar no que quer que fosse, e estão dispostos a tirar partido
de qualquer oportunidade para se aproximarem do poder. Foi esse precisamente o
estado de espírito com que se fez a geringonça em 2015. O que quer dizer que,
quatro anos depois, temos um parlamento em que ainda se distinguem as cores dos
partidos, mas já quase não se distinguem as suas orientações. A direita
parlamentar contribuiu dessa maneira para deixar o eleitorado sem outra bússola
que não seja a da sua eventual dependência do Estado. O que naturalmente teria
de favorecer quem, neste momento, está no poder.
Por toda a Europa, estas foram
eleições em que os partidos dos regimes europeístas sentiram necessidade de
fazer grande alarido com a ameaça de movimentos “anti-sistema”. Aqui, os quatro
partidos do costume puderam dar-se ao luxo de nem dar pela existência de outros
concorrentes. A geringonça reduziu o país a isto: cada um por si, e o BCE por
todos. Nunca a sociedade portuguesa foi tão medrosa e egoísta.
UM COMENTÁRIO: Tulius
Detritus: A dar crédito
às sondagens, depois dos mais de 100 mortos nos incêndios florestais, das
cativações na saúde, na educação e nos transportes, do nepotismo socialista, de
facto nunca a sociedade portuguesa foi tão merdosa e acéfala.
Nenhum comentário:
Postar um comentário