Inegavelmente. O mundo adapta-se, como é
seu dever. Chafurdando, com maior ou menor resignação. Até à próxima mudança
insectívora, explicitada por novas “Diana Soller”, necessárias como o foram os
historiadores de todos os tempos, para o esclarecimento e a compreensão. Na
massificação ou na revolta.
Quando três ou quatro anos
abalam o mundo
Não consigo
deixar de fazer um paralelo entre o início da Guerra Fria e o início do
conflito pela transição de poder entre os Estados Unidos e a China.
DIANA SOLLER, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 27 nov 2021, 00:10
Desde que
comecei a escrever sobre a arquitetura de segurança e defesa dos Estados Unidos
no Indo-Pacífico sou interpelada muitas vezes com as perguntas: e
em que é que isso muda a nossa vida, aqui do outro lado do mundo? E a Europa?
As duas perguntas tem respostas diferentes, ainda que
interligadas. Na segunda questão não me alongo muito, porque é tema que já debati
neste jornal algumas vezes. Os
estados europeus terão de tomar decisões que poderão ser facilitadas pelo novo
governo alemão, que parece mais resoluto em relação à China, até à prcondição inultrapassável para reforçar
e selar as relações transatlânticas.
Também há sinais mistos da
parte da administração Biden. Por um lado, um convite aberto à Europa como
comunidade de segurança democrática para pertencer a esta ordem americana que
opõe democracias a autocracias. Por outro, momentos diplomaticamente
desajeitados como o diálogo pouco claro sobre a retirada do Afeganistão e a
ausência de aviso prévio à França sobre o AUKUS. Talvez o elemento mais
importante da relação transatlântica seja mesmo o Conselho de Comércio e Tecnologia, lançado este verão, que
pretende estreitar os laços entre os aliados dos dois lados do Atlântico ao
nível tecnológico, uma área que vai ter uma importância determinante no futuro
como uma das razões de conflito entre os rivais na transição de poder. Este
Conselho promete uma transição tecnológica “com valores”, que se opõe
evidentemente à China já classificada por muitos – por boas razões – de
“autocracia tecnológica”.
Mas a
primeira pergunta – o que temos nós, cá tão longe, a ver com a arquitetura de
segurança no Indo-Pacífico – parece-me crucial e só muito vagamente respondida. Não consigo
deixar de fazer um paralelo entre o início da Guerra Fria e o início do conflito
pela transição de poder entre os Estados Unidos e a China. No final dos anos 1940, como
hoje, em muito pouco tempo, houve uma mudança abrupta na geometria de alianças,
na deslocação de capacidades, na diplomacia relativamente a um inimigo comum e na
retórica de liderança por parte dos Estados Unidos.
A
reconstrução da Europa sob a liderança americana com tudo o que isso implicou – a edificação de um conjunto de estruturas
institucionais de defesa contra a União Soviética; uma ordem normativa e de segurança
do mundo livre; e a deslocação das capacidades norte-americanas para as
fronteiras da Cortina de Ferro – foi, efetivamente, uma
mudança significativa, não só para os actores mais diretos como para o mundo. Da mesma forma, a
securitização da China por Donald Trump, a reconstrução multilateral
das relações no Indo-Pacifico e o reforço das linhas de defesa com antigo e
novos aliados (por esta
administração e pela anterior) e, agora, com Biden, a reconstrução de uma ordem
separada muito mais internacionalizada – devido à natureza do mundo que se
globalizou – mudaram, num ápice, a forma como o sistema internacional
funcionará daqui para a frente.
Hoje, como nos
anos 1940, poucos poderão ficar de fora destas transformações. E a Europa, se
quiser continuar a ser competitiva, menos ainda.
Há fases na
história que três ou quatro anos são o que basta para que a política
internacional mude de direcção. Este tempo é determinante para as décadas que se
seguem, porque é definidor de uma reestruturação sem paralelo. É aqui que
estamos. Quando me perguntam que
diferença nos faz esta mudança no Indo-Pacífico a resposta é esta: três ou quatro anos podem,
silenciosamente, abalar o mundo. E estes últimos três ou quatro anos estão
nessa categoria.
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