Sobre um extraordinário gesto de sensibilidade
e amor, que resultou de bondade e despojamento de si, talvez, mais do que de
doutrina, por muito bela que esta seja. Mas sentimo-nos gratos ao P: Gonçalo Portocarrero de Almada pelo exemplo
que nos trouxe de uma bondade humana jamais imaginada.
Uma epifania de Graça na desgraça
Dos primeiros cristãos, os pagãos
diziam: ‘Vede como se amam!’. E Jesus disse: ‘Nisto conhecerão todos que sois
meus discípulos, em que vos ameis uns aos outros’.
P. GONÇALO
PORTOCARRERO DE ALMADA
OBSERVADOR, 13
nov 2021, 00:1928
Foi
no dia 5 deste mês, pelas 17h e 30m, em Madrid. Maria, quando foi buscar os
seus filhos ao Colégio Montealto, em Mirasierra, pensando que estava a travar o
carro, de facto acelerou, atropelando três alunas. As mais velhas, de 10 e 12
anos, ficaram feridas em estado grave, mas a mais pequena, de 6 anos, faleceu
pouco depois.
Infelizmente,
situações desta natureza acontecem com alguma frequência e, por isso, alguma
indústria automóvel reagiu a este acontecimento anunciando o propósito de
estudar formas que permitam evitar, no futuro, este tipo de acidentes. De
facto, uma tragédia de que resulta a morte de uma criança é sempre terrível.
Pouco
haveria a dizer deste caso se não fosse a reacção dos pais da menor falecida,
que se chamava Maria, como a sua mãe e também a condutora do carro que a
atropelou mortalmente. Com efeito, a mãe da pequena Maria ainda a encontrou
com vida, mas quando já nada podia fazer pela sua filha, foi consolar a mulher
que, involuntariamente, ocasionara a sua morte, abraçando-a carinhosamente.
Não
sei quem seria capaz de um tal gesto, mas sei, com absoluta certeza, que
só um cristão a sério reagiria deste modo. Outra pessoa teria culpabilizado a
condutora porque, mesmo agindo de boa-fé, devia saber conduzir o seu carro,
sobretudo num lugar onde, dada a abundância de crianças, todos os cuidados são
poucos. É sabida a
confusão que, em geral, se estabelece à porta dos estabelecimentos de ensino,
pouco antes de começarem aulas ou logo depois de terminarem. Portanto, era de
esperar uma especial prudência por parte desta mãe, sobretudo naquela hora e
lugar.
Mesmo
que a mãe da vítima mortal conseguisse ter o suficiente sangue-frio para não
culpabilizar a condutora pela morte da sua filha, teria sido compreensível que,
desfeita pela dor, fosse incapaz de olhar para quem ocasionara o acidente, ou
de se dar conta do sofrimento em que se encontrava. E, contudo, não só a
procurou como a consolou, quase como se fosse ela a vítima e não o contrário.
Que exemplo extraordinário!
No
Twitter, o Arcebispo de Madrid, Cardeal Carlos Osoro, não ficou indiferente a
esta tragédia, dando prova de uma proximidade verdadeiramente pastoral: “Uno-me
ao sofrimento das famílias afectadas pelo acidente no Colégio Montealto, com
uma oração por todas elas e, muito especialmente, pela que perdeu uma filha.
Estendo o meu afecto a toda a comunidade educativa.”
Também
o fez a directora do colégio, Araceli Barea: “Estamos muito tristes pelo
trágico acidente ocorrido ontem à tarde, à saída do colégio. Fazemos nossa a
imensa dor dos pais da Maria. Com a serenidade que nos dá a fé, nós e todas as
famílias de Montealto acompanhamo-los com a nossa oração e carinho. Também
estamos a rezar pelas melhoras das outras duas nossas alunas. É impressionante
constatar como todo o colégio Montealto – famílias, professores, alunas e
alumni [ou seja, ex-alunas] – estão a apoiar as famílias afectadas. Hoje, mais
do que nunca, Montealto é uma família
de famílias.”
Ante
a avalanche de reações de solidariedade, os
pais da pequena Maria, na
impossibilidade de responderem a cada uma das mensagens, optaram por fazê-lo
colectivamente, através de uma carta cujo conteúdo é também impressionante:
“Estamos
esmagados por tantíssimas manifestações de afecto, mas de momento estamos fechados
em casa, tentando-nos ajudar uns aos outros. Não é possível imaginar sequer a
centésima parte do que todos estão agora a rezar por nós! Não podemos ler todas
as vossas tão carinhosas mensagens porque, se o fizéssemos, ficaríamos todo o
dia a chorar, o que não podemos fazer, porque temos mais cinco filhos pequenos
para cuidar. As vossas mensagens são, todas e cada uma, extremamente carinhosas
e cheias de fé e de amor. São as vossas orações que, vos asseguramos, agora nos
sustentam.”
Embora
em grande sofrimento, como só quem passou por igual luto pode imaginar, os pais
da pequenina Maria não esqueceram as outras duas crianças feridas, nem a
condutora que provocou o trágico acidente: “Sabemos que já o fazem, mas pedimos
a todos que rezem muito pelas outras duas famílias e pela Maria, a mãe a quem
lhe correspondeu, na nossa opinião, a pior parte do acidente, e a quem mais uma
vez pedimos que confie em Deus e se dê conta que não teve culpa nenhuma.
Decerto, o acidente é incompreensível, mas de certeza que Nosso Senhor o
permitiu para alcançar maiores bens.”
Bens
que, pelos vistos, não tardaram a chegar: “Na capela mortuária contaram-nos
vários episódios de pessoas que estavam afastadas da fé e que, graças à
nossa pequena Maria, foram rezar o terço às igrejas e se sentiram muito
confortadas. A essas pessoas pedimos que continuem a fazê-lo, que continuem à
procura do Senhor, para que o cheguem a conhecer, o amem e se deixem amar por
Ele. O amor humano é finito, mas o Amor de Deus é infinito e por isso a
todos convidamos a beber da fonte do amor que nos pode dar uma verdadeira vida
na plenitude e, depois, a vida eterna.”
É
também significativo que, não obstante a aflição pela perda da sua filha, os
seus pais não culpabilizaram ninguém e até agradecerem a colaboração
prestada pelos profissionais que ocorreram ao local e tentaram, sem êxito,
salvar a vida da pequena Maria: “Também queremos agradecer aos
profissionais de Samur [o Serviço de Assistência Municipal de Urgência e
Resgate], da polícia e dos bombeiros da Câmara Municipal de Madrid, que nos
socorreram com tanto profissionalismo e carinho e que nos fizeram sentirmo-nos
muito orgulhosos do nosso país, a nossa querida Espanha. O mesmo digo também
dos nossos colégios de Fomento: Montealto e El Prado, e muitos outros que
demonstraram, com obras, o espírito cristão que fomentam. E também, decerto, o
mesmo podemos dizer da nossa Mãe a Igreja, porque na nossa diocese de Madrid e
em muitas outras, estiveram sempre em oração e manifestaram-nos todo o seu
apoio.”
Apesar
de que, nestas tão dolorosas circunstâncias, seriam razoáveis sentimentos de
dor e de revolta, os pais da Maria só têm palavras de agradecimento:
“Damos graças a Deus por todos os nossos amigos e pela nossa grande família.
Como é importante cuidar dos amigos e da família também, sobretudo agora que,
ao que parece, alguns querem fazê-la desaparecer.”
O
parágrafo final foi escrito pelo pai, Alex: “A Maria” – sua mulher – “e eu,
para conseguirmos dormir, partilhamos […] a certeza de que a nossa ‘Mariquilha’
está felicíssima no Céu, porque já aqui na terra era muito feliz. Pensamos que
ela sabia que só lá podia ser ainda mais feliz, com o seu verdadeiro Pai e a
sua verdadeira Mãe. Consola-nos saber que fizemos tudo para que à nossa
‘Mariquilha’ não faltasse nada e fosse sempre muito acarinhada. E damos
muitas graças a Deus por nos ter dado estes cinco maravilhosos anos com ela.”
Por
uma curiosa coincidência, este drama envolve três Marias: a vítima
mortal, a sua mãe e a condutora. Não é, decerto, uma ironia do destino, mas uma
graça de Deus, que convida a olhar para Maria de Nazaré, que foi capaz de
perdoar e de acolher como mãe a Pedro que, por três vezes, negou o seu divino
Filho, e aos restantes discípulos, que também o abandonaram na sua paixão e
morte na Cruz. Dos primeiros cristãos, os pagãos diziam: “Vede como eles se
amam!” (Tertuliano, Apolog., 39). E Jesus disse: “Nisto conhecerão todos que
sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13, 35).
CRISTIANISMO RELIGIÃO SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
Paulo Alexandre : Ateu: O "amor" dos discípulos de Jesus, pelos outros foi tão lindo que,
escassos anos depois de Jesus bater a bota, já eles andavam à bofetada uns aos
outros e, passados poucos séculos, já se andavam a matar uns aos outros. Desde
então, nunca mais os discípulos de Jesus deixaram de se amarem uns aos
outros" matando-se uns aos outros. Aliás, o amor dos discípulos de
Jesus pelos outros é muito fácil de constatar: basta ler os comentários
semanais dos ditos cujos e logo se vê como é grande o "amor" que eles
nutrem pelos outros. Principalmente por aqueles que se atrevem a discordar
deles! Um "amor" carreado de ódio, de insultos pessoais, de maldade,
de primarismo, de mentira descarada. Como são "amorosos" os
discípulos de Jesus. Aliás, amoroso era Jesus, principalmente quando fazia a apologia descarada
ou encapotada de... a) do genocídio; b) do sadismo; c) da crueldade; d) do
julgamento e da condenação de inocentes por actos praticados por outras
pessoas; e) do crime de pensamento... Jesus, que defendeu tudo isso, só pode
ser considerado um "amor" de pessoa! Vashny Karpouzis > Paulo Alexandre : Ateu:
O que eu leio na
‘minha’ Bíblia é ‘um bocadinho’ diferente das afirmações aqui feitas sobre o
carácter do Enigmático e Admirável Mestre de Nazaré, da Galileia. Por isso Ele
preveniu, ‘bem cedo’: “Nem todo o que me diz ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino
dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos Céus. Muitos me
dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizámos nós em Teu Nome? E em Teu
Nome não expulsámos demónios? E, em Teu Nome, não fizemos muitas maravilhas? E,
então, lhes direi abertamente: ‘nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós, que
praticais a iniquidade’.” Anastácio Rocha > Paulo Alexandre : Ateu: Faz melhor … cuida de ti e dos
outros e faz o bem … o bem contagiante. Theodor Adorno:
O amor cristão:
guerra, pedofilia, intolerância, escravatura, machismo atraso
cientifico, pobreza moral e material. Carminda Damiao:
Este texto
mostra-nos a verdadeira fé e o verdadeiro cristianismo. Ser Cristão é isto:
Amar na dor como Jesus amou. Obrigada, Pe. Gonçalo por nos trazer este caso. Paulo Alexandre : Ateu > Carminda Damiao: O vosso "amoroso"
exemplo tem sido tão belo, que até dá vontade de "chorar por mais". AAA First:
Obrigado por tão
belo texto. Que privilégio este de ter uma fé destas!!! Ricardo Lacerda:
Parabéns ao autor
por usar finalmente um artigo para nos lembrar como é bom sentirmo-nos Cristãos. João Paulo Reis: Ao ler este artigo chorei de
tristeza pelo sucedido e de alegria e gratidão por ver que afinal no nosso
mundo ainda há sinais de esperança no bem. Obrigado Marias! M. Nunes da Serra: Que extraordinário texto e exemplo, Pe. Gonçalo. Faz lembrar as memórias da
Condessa de Atouguia, numa espiritualidade que parecia (a mim) totalmente
extinta neste Mundo Américo
Silva: Muito obrigado
padre Gonçalo, por partilhar este caso com os leitores.
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