Direi, como um dos Comentadores de Jaime Nogueira Pinto : “Que
texto extraordinário”! De uma perfeita visão analítica sobre as divergências
que pontuaram fascismos e comunismos ao longo da História do século passado e
as deste século - sobretudo por cá – mais votado à visão grotesca sobre uma
direita, que a esquerda, enfim instalada e alardeante, se esforça por menorizar,
para varrer todos os sintomas de sensatez que ainda restassem num povo educado
para a submissão alarve aos que a manipulam. Como sempre, uma bela lição de
História, que nos deixa gratos.
A caricatura e o auto-retrato
Enquanto o retrato das esquerdas é
geralmente um lisonjeiro auto-retrato, o das direitas é quase sempre uma
grotesca caricatura.
JAIME
NOGUEIRA PINTO, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 05 nov 2021
Há
hoje na Europa e nos Estados Unidos muitas direitas e partidos de direita,
alguns até no governo e eleitos com maiorias substanciais. Mas se as direitas
são uma realidade tão vasta e complexa como as esquerdas, há uma diferença
importante: enquanto o retrato das esquerdas, entre nós senhoras da academia
e da comunicação, é geralmente um lisonjeiro auto-retrato, o das direitas é
quase sempre a grotesca caricatura de um “outro”, intencionalmente ignorado e
amalgamado.
Há uma boa mistura de má-fé,
maniqueísmo, arrogância, ignorância e estupidez na caricatura que as esquerdas
fazem da direita. Como nas velhas caricaturas racistas de negros ou judeus, a
individualidade, a diversidade ou até a humanidade são aqui anuladas, e os
traços “característicos da raça” grotescamente exagerados para que o
caricaturado surja no seu pior. E como o
pior à direita foi o hitlerismo, ligado ao etnocentrismo
genocida e fanático
que arrastou a Europa para a guerra e para a decadência, é isso que sai na
caricatura. Já no auto-retrato à esquerda, não há Maos ou
Estalines, Revoluções Culturais ou Goulags, capitalismos de direcção central ou
tomadas de assalto de novas “minorias” que ensombrem o rosto pleno de ideal,
ciência e progresso e o olhar generoso e justiceiro do auto-retratado.
Revolucionários
e conservadores
O fascismo italiano, que foi arrastado
na amálgama, era anterior e muito diferente do nazismo. E não tinha veleidades
racistas. Mussolini lançou o
movimento em Itália, em Março de 1919, quando os socialistas e comunistas
italianos, imitando os bolcheviques, tentavam o assalto ao poder. A partir dos princípios
nacionalistas-revolucionários do Manifesto de Piazza San Sepolcro, que iam das
reivindicações territoriais da “vitória traída” à nacionalização da Banca e ao
combate à influência do Vaticano, os fascistas italianos apareceram como
alternativa autoritária e violenta à violência da esquerda radical. E três
anos depois, com a neutralidade colaborante das forças conservadoras – Monarquia,
Exército, Igreja, Indústria –, chegaram
ao poder pela via mista, insurrecional e legal.
Esta direita revolucionária teve cópias
na Europa – a Falange,
em Espanha, os nacionais-sindicalistas, em Portugal, Oswald Mosley, em
Inglaterra, Léon Dégrelle, na Bélgica, a Guarda de Ferro, na Roménia.
Paralelamente a esta direita fascista ou fascizante surgiu, na
mesma linha de reacção ao “perigo comunista” (que era
um perigo real), uma direita nacional-autoritária, não-revolucionária e até reaccionária. Era uma
direita tradicionalista com raízes nas escolas francesas contra-revolucionárias
que, de Joseph de
Maistre a Charles Maurras e à Action Française, tinham desenvolvido uma teoria do Estado que se opunha
radicalmente aos princípios da Revolução Francesa, qualificada através do
Terror.
Estas duas direitas, uma totalitária e
outra autoritária, uma mais popular outra mais elitista, não eram liberais. Na Europa, os autoritários chegaram ao poder
através de ditaduras
militares – Pilsudsky,
na Polónia, Horthy, na Hungria, Primo de Rivera, em Espanha, Salazar, em
Portugal, Metaxas, na Grécia – e fundaram
regimes quase sempre apoiados
pelas Igrejas oficiais e pelas classes médias. Nem os
fascistas nem os nacionais-autoritários
aceitavam o liberalismo (excepto na economia) e muito menos a democracia
partidária.
Há
depois uma terceira
classe de direitas: as liberais-conservadoras ou conservadoras-liberais,
inspiradas em autores como Chateaubriand e Tocqueville e num conservadorismo à
inglesa. Mas nos
vinte anos entre as duas Guerras, esta direita liberal-conservadora, fiel aos
princípios constitucionais, foi sendo neutralizada na Europa, sobrevivendo
apenas em França, na
Grã-Bretanha e nas monarquias nórdicas.
A Segunda Guerra Mundial varreu os
regimes e os partidos fascistas e autoritários que se tinham aliado com o
Terceiro Reich e o comunismo veio com os exércitos soviéticos e ocupou toda a
Europa Oriental, erguendo a Cortina de Ferro. Para Ocidente, ficaram
democracias liberais e, na Península Ibérica, dois regimes nacionais-autoritários,
socialmente conservadores, que duraram mais ou menos o tempo de vida dos seus
fundadores.
Depois da Guerra Fria
Em
1989-1991, a URSS implodiu e libertou a Europa Oriental. O mundo
tornou-se, então, um vasto mercado, e o liberalismo económico dos
conservadores anglo-saxónicos – representado pela dupla Reagan-Thatcher e coincidente com a abertura do capitalismo de
direcção central na China de Deng Xiaoping – cresceu para a globalização.
As consequências económicas e sociais
desta nova globalização – a deslocalização de parte das indústrias da Europa e
dos Estados Unidos para a Ásia e as migrações para um Ocidente em queda
demográfica – romperam
o centrismo ideológico do mundo euro-americano da Guerra Fria.
À
direita, na Europa, os partidos conservadores e democratas-cristãos deixaram-se
dominar pelo europeísmo, desvalorizando os factores nacionais e identitários e
ignorando o progressivo descontentamento das massas populares. À esquerda,
as vanguardas radicais, numa recuperação nostálgica do libertarismo “soixante-huitard” com laivos de totalitarismo maoista e comunista, abandonaram a “luta de classes”, acomodaram o internacionalismo ao globalismo e dedicaram-se
à engenharia social e humana com a tentativa de imposição, por influência e por
legislação avançada, de causas ou micro-causas “fracturantes”. Gramsci
passou a contar mais que Lenine.
Tal
como, outrora, o perigo comunista, tudo isto provocou e provoca reacções. Numa
época de ofensiva e de radicalização disruptiva, os movimentos políticos
reagem sobretudo ao que percepcionam como o inimigo principal. Daí uma escalada
que já levou a soluções extremas, como o Brexit, ou a conflitos quentes, como o
da União Europeia com a Hungria e a Polónia.
Assim,
de uma ponta à outra da Euro-América, crescem muitas direitas: como, na Rússia, a direita de Putin,
nacionalista, popular, autoritária e aliada com a Igreja Ortodoxa; ou, nos
Estados Unidos, à volta de Trump e centrada no Sul e no Midwest, uma direita
também popular, conservadora e religiosa.
Na Europa Continental predominam duas
direitas: uma é
nacional-conservadora e popular, com uma agenda de combate político e cultural
à hegemonia de Bruxelas, às imposições da nova esquerda e à imigração
descontrolada, como a húngara e a polaca; a outra é mais popular ou populista, menos conservadora nos
costumes e mais radical na hostilidade às “elites dominantes”, na denúncia da
imigração indiscriminada e no apelo a factores nacionais e identitários. É a direita dos Fratelli d’Italia, de
Giorgia Meloni, do Rassemblement National, de Marine Le Pen e da AFD alemã. Os seus apoiantes têm características sociais próximas
dos que, no passado, apoiavam os movimentos de direita revolucionária; tal como
os partidários dos nacionais-conservadores de agora e aproximam, em perfil
social, dos antigos apoiantes dos modelos autoritários.
A
diferença profunda
de todas estas direitas em relação aos movimentos fascistas e autoritários de
há 100 anos, que tinham uma agenda anti-democrática ou pelo menos
anti-democracia partidária e concorrencial, é o facto de não proporem uma teoria de legitimação do
poder que exclua eleições livres e justas.
O exotismo português
Em Portugal, porque a esquerda tem o quase monopólio da
interpretação e da comunicação, persiste a absolvição
generalizada do radicalismo dos descendentes de Lenine, Trotsky e Estaline, que
também contamina a direita, a par da tentativa, por parte da esquerda no poder,
de absorver as extremas-esquerdas absolvidas para se instituir como uma só
entidade, democrática e de “rosto humano”.
Entretanto,
qualquer esboço de resistência à direita, qualquer tentativa de saída do gueto
do centrismo obediente, são logo catalogados como perigosas revivescências do
“nazi-fascismo de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar”, para usar o célebre
“mantra” de Álvaro Cunhal. Ou seja,
a direita tanto é amalgamada em bloco como uma hidra fascista de uma só cabeça
– a fim de unir as esquerdas –, como é encorajada a dividir-se por linhas
vermelhas, demarcando-se dos seus veios “iliberais”, a fim de que reine “a
Esquerda”, legítima detentora do “regime democrático”. E, dado o panorama, não parece que isto
vá mudar.
COMENTÁRIOS:
King Size: Que texto extraordinário Pontifex Maximus: A última frase do texto é pura
e simplesmente arrasadora: “E, dado o panorama, não parece que isto vá mudar.”
Assim sendo, é esperar mais uma vez que o vento mude de feição… Theodor Adorno: Caro intelectual saudosista: a
sua ideologia foi derrotada. Grato pela atenção! maldekstre estas kaptilo: Mas acabamos por chegar à
conclusão de que a caricatura, mesmo grotesca, é infinitamente melhor do que o
mais aprimorado dos retratos. João Afonso: Não é só a CS que branqueia a
esquerda Trotskista-Leninista-Estalinista-Maoísta. A Universidade idem. A
"escola pública" idem idem aspas aspas. E assim se torpedeia a democracia,
enquanto se promove a ignorância e o sectarismo políticos. Paulo SilvaJoão Afonso: Meu caro, aqui pode não ter
sido assim, mas lá fora, onde o fenómeno começou, a Universidade foi a origem,
não a CS. Porque é a Universidade que forma os profissionais e as elites. A
Revolução começa na sala de aula. Este foi o grande ensinamento de Antonio
Gramsci, um dos principais gurus do marxismo cultural. josé maria: o das direitas é quase sempre
uma grotesca caricatura. E não é que alguma vez havia de concordar consigo, ó
Jaime... Portugal,
que Futuro: JNP, Ao que designou de "exotismo
português", eu acrescentaria o iliberalismo convergente em tantas
matérias de IL e BE. E não estou a falar só de costumes (e os chamados temas
fracturantes) onde um diz "mata" e
o outro diz "esfola". Estou a
pensar também em matérias do foro económico como a TAP, em que sectores de
ambos defenderam a nacionalização da empresa. Paulo Silva: Caro colunista JNP, pertinente
e bem a propósito vem este texto. A Esquerda nunca foi à barra de um Tribunal
de Nuremberga, (e bem o merecia por todos os crimes hediondos que cometeu
contra a humanidade em nome das suas falaciosas ideias), mas essa é uma grande
diferença. Existem outras, mas tenho para mim que essa marca histórica marca o
consciente e o inconsciente colectivo das sociedades contemporâneas. Ainda
ontem assisti atónito a um excelente exemplo da má-fé, do maniqueísmo, da
arrogância, da ignorância e da estupidez que o articulista refere, a juntar à
ingenuidade mais confrangedora, à cobardia mais reles e à mediocridade que
grassam… em especial entre as elites de bem-pensantes deste pobre país pobre.
Para meu grande espanto, e de quem tem algum conhecimento, (não é preciso
muito, basta ter os olhos abertos), ouvi ontem um tal Pedro Marques Lopes, que
se diz de direita, ou centro-direita, (deve ter cá uma noção), a dizer que
colocava em paralelo o PCP e a IL nos extremos do espectro político aceitável.
Isto é, dos partidos democráticos. O «Chega!» ficava de fora porque não era
democrático. Ao que o sr. Daniel Oliveira anuiu, com o silêncio neutral, ou
cúmplice, dos outros dois comentadores de painel. Absolutamente patético.
Comentários destes são o lixo do lixo. O grau zero da consciência… Mas desde quando
o marxismo-leninismo é democrático?!?… Será que estas alminhas iluminadas só vêem
a pele de cordeiro que lhe colocaram em cima???… O BE, onde pontuam ex-FP 25,
são outros quinhentos... Gil Santos > Paulo Silva: Muito bem dito. Resposta
perfeita a essa gente toda que tratam o CHEGA e seus simpatizantes como
leprosos... Paulo
Silva > Gil Santos: Caro comentador, o CHEGA! é um
agrupamento político recentíssimo que sofre dos naturais problemas do
crescimento, mas os cínicos não se compadecem com isso. Pode ter muitos
defeitos e incongruências, mas não tem medo da palavra Direita. O que sempre
faltou à nossa democracia coxa. Para mim isso é fundamental. Além do mais
querer ver o PCP e a IL como espelho um do outro, é uma ideia completamente
abstrusa. O único espelho do PCP à direita seria um partido nazi ou fascista. O
CHEGA! não é uma coisa nem outra, muito menos a IL… que aliás até é de largo
espectro; vai do liberalismo económico, (caro à Direita), ao liberalismo dos
costumes, (apanágio da extrema-Esquerda radical). A comparação que o sr. Lopes
fez não tem o mínimo sentido. Só serviu para anatemizar o CHEGA!, e branquear o
PCP... Se há partidos anti-democráticos na sua essência são os partidos
comunistas. Os vários experimentos pelo mundo fora são a prova. Manuel Antoni: óptima análise. assino por
baixo. Maria Alva: Sempre muito didáctico e
esclarecedor. Parabéns JNP👏 Mamador
Chulo dos Tugas: Mais uma lição de história, não esquecer os comunas do
presente, Venezuela, Coreia, onde continuam a semear fome e tortura pelo povo.
A cs nada diz sobre isso, importante é o que se passa na Polónia e Hungria em
relação aos lgbt. Fenix
Europa: Nazismo foi
crime? Foi!!!! Comunismo foi e continua a ser crime? Também!!! Então por que
razão os iluminados da comunicação social insistem em branquear o comunismo?
São cúmplices do crime?
Hipo Tanso: Muito bom, como sempre. Radiografia certeira da
estrutura vertebral da política portuguesa. E infelizmente os ossos são precisamente o mais
difícil de roer. Sabemos que não vai ser fácil, mas bom será que não deixemos
de acreditar. bento
guerra: A direita é má,a
esquerda é boa e os portugueses são de "esquerda",a que distribui o
dinheiro dos frugais da Europa João Afonso > bento guerra: " A direita é má, a
esquerda é boa..." e os portugueses são pobres, obviamente. Fernando E: Muito bem. Raramente se fala
dos genocídios perpetrados por Lenine, Estaline , Mao, e Pol Pot! Nem das
ditaduras dos regimes de Enver Hoxha , Ceausescu , da RDA E URSS! Etc etc João Floriano: Leio sempre com muito prazer as
crónicas de Jaime Nogueira Pinto. Aprendo sempre bastante. Esta crónica é
particularmente feliz na utilização da alegoria caricatura/auto retrato. O
controle da CS por parte da esquerda é fundamental para a construção do seu
auto retrato e não é por acaso que o Bloco de esquerda é enjoativamente feminino
e mais do que isso amazónico. A luta de classes de há anos, que se desenrolava
nas ruas, nas manifestações, passou agora para um patamar diferente, de gente
mais intelectual, mais letrada. É o caso das universidades dominadas pela
esquerda, ou mais prosaicamente a educação em geral. Resumindo: CS e Educação
são dois campos em que a Direita se terá de confrontar com a esquerda
para que não haja nem caricaturas grosseiras nem auto retratos lisonjeiros mas
completamente fora da realidade.
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