Boa síntese de dados, por Diana Soller. Dados que convém termos presentes, para
percebermos o porquê das andanças dos chefes que vão intervindo nas políticas
mundiais, neste enigma constante do futuro, as ambições dos poderosos - a sua consciência
também – originando descalabros inesperados, como tantas vezes sucedeu e
continua - por enquanto, em doses apenas parciais…
O primeiro ano Biden
Para os EUA se posicionarem de forma
firme contra a China, a Europa tem de estar no barco. Caso contrário, Pequim
terá sempre uma saída.
DIANA SOLLER, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 06 NOV
2021
Completou-se
esta semana um ano sobre a longa noite eleitoral americana inconclusiva, mas em
que todos ficámos convencidos de que Joe Biden tinha ganho. Ainda tivemos de
esperar alguns dias pela confirmação. Hoje sabemos que, com sucessos e
fracassos, os Estados Unidos têm um presidente muito ativo em política externa.
Salientam-se aqui cinco pontos
da agenda e das posições políticas de Joe Biden, em jeito de balanço de um ano muitíssimo
atribulado.
Uma nova visão para o sistema internacional
Desde
a campanha eleitoral que Joe Biden
bipolarizou o conflito de transição de poder entre os Estados Unidos e a China. Do ponto de vista retórico não se tem cansado de dizer
que estamos perante um cenário em que os valores e os interesses das
democracias e das autocracias são divergentes e as primeiras têm de se unir
para derrotar as últimas. Os Estados
Unidos voltam a assumir o papel de líderes de mundo livre, ordenadores
internacionais e de centro de gravitação de um conjunto de alianças mais global
que no passado.
Há
vários campos de
disputa sendo os mais
importantes o político, o económico, o diplomático, o tecnológico
e o ciberespaço. Até agora,
como veremos a seguir, a ordem Biden tem tido alguns sucessos e fracassos. Fica
por perceber se esta divisão é benéfica ou contraproducente. Se por um lado contextualiza
e “arruma” a casa, por outro tem provocado na China um mal-estar significativo,
que pode saldar-se numa escalada, numa conjuntura de equilíbrio já ténue.
A diferença entre a China e a Rússia
Muito
subtil, mas muito importante, foi a forma como Joe Biden fez a distinção entre a Rússia e a China, os rivais autocráticos por excelência. No
encontro entre o presidente norte-americano e Vladimir Putin, em Genebra, em
junho, Biden afirmou que a Rússia era uma “grande potência” que, se não pisasse
linhas vermelhas, nomeadamente relacionadas com a disrupção
cibernética, gozaria da aceitação dos Estados Unidos.
Em
linguagem diplomática isto quer dizer que se Moscovo cumprir as regras do
jogo estará livre de constrangimentos – da parte dos Estados Unidos – para
desenvolver a sua política externa da forma que bem entender. Poderá
manter a sua esfera de influência, que hoje se estende ao Médio Oriente, sem a
interferência de Washington. O preço que Putin tem de pagar – nunca ninguém disse,
mas subentende-se – é uma certa distância de Pequim.
Se
isto parece vulgar, basta pensar que a China não tem o mesmo direito, nem
o mesmo estatuto. É o rival que, por colocar um “desafio sistémico” aos
EUA, terá de ser vigiado e contido por todos os meios disponíveis. Incluindo
militares.
A política de segurança para o Indo-Pacífico
O
que nos leva ao ponto “Indo-Pacífico”. Não é só uma nova designação geográfica é também uma estratégia
que começou a ser desenhada e posta em prática por Donald Trump e que Biden tem incrementado. Trata-se da securitização da China perante os
americanos – que hoje acreditam que Pequim constitui a maior ameaça ao seu país
– e a mobilização de meios para aquela região onde, mais uma vez, os EUA
assumem o papel da potência do Pacífico.
Desta
vez fazem-no com um conjunto de aliados
bilaterais, a Coreia do Sul
e o Vietname, por exemplo.
Mas também através de
instituições multilaterais. As mais
importantes são o “informal” Diálogo Quadrilateral de Segurança, que
envolve Washington, Tóquio, Nova Deli e Camberra e o recente pacto de segurança
assinado pelos Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália. Esta rede de segurança está empenhada em conter
Pequim e comprometida a usar a força se necessário, ainda que
em operações pontuais. Esta tem
sido, até agora, a política mais bem-sucedida do presidente Biden, ainda que o
primeiro grande teste – a
manutenção do status quo em Taiwan –
ainda não esteja completamente superado.
As relações com a Europa
Já com a Europa a
tentativa de restabelecimento de relações privilegiadas anunciadas na
Conferência de Munique e ratificadas em junho quando o presidente veio à
Cimeira da NATO e declarou que o artigo
V “era sagrado” não têm corrido de feição. A isto não
é alheio o comportamento europeu – resistente ao plano antichinês forjado pela
América – mas também se deve aos comportamentos da Casa Branca, nomeadamente na
pouca atenção dada aos aliados na
retirada do Afeganistão (um fracasso
do ponto de vista do planeamento) e da não auscultação da França, que
deveria ter vendido os submarinos à Austrália e foi apanhada de surpresa com o
anúncio do pacto de defesa AUKUS.
Os
europeus, que muitas vezes critico, têm razões de sobra para desconfiarem dos
Estados Unidos nos dias que correm. E sem grande trabalho diplomático de ambos
os lados, as relações transatlânticas correm o risco de se manterem num limbo. E se há uma
década a dependência estava toda do lado europeu, os pratos da balança
inclinaram um bocadinho. Para o EUA se posicionarem de forma firme contra a
China, a Europa tem de estar no barco. Caso contrário, Pequim terá sempre uma
saída.
A polarização norte-americana
Voltamos
ao primeiro ponto: a
bipolarização do sistema internacional entre democracias e autocracias só
resultará plenamente se houver uma paulatina diminuição da polarização
americana. Os indícios
não apontam para isso. A popularidade de Biden vai decrescendo, e os
republicanos têm tido vitórias importantes – como esta semana na Virgínia – sem
abandonarem o seu discurso nativista e anti Partido Democrata. Curiosamente este é, até agora, o maior fracasso do
presidente norte-americano. E se não
é uma derrota na política externa, já tem e terá ainda mais consequências no
posicionamento americano no mundo.
JOE BIDEN
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