Para contrapor à “seca” do texto – que,
todavia, agradecemos, por nos abrir os olhos sobre o que por lá, pelos
Tribunais, serão regras importantes para a nossa cidadania – relembro o belo
conto dos “Serões da Província” de Júlio
Dinis, vista a necessidade em que andamos de recuperar os
belos contos de amor da nossa juventude e outras leituras do tal escritor magnífico, que «viveu de leve, escreveu de leve, morreu de leve»,
e
deixou obra imorredoira, que serve a todas as faixas etárias, assim o quisessem
elas ainda.
O que muda com as novas leis anticorrupção
Oposição do PSD determina fim dos
acordos de sentença e colaboração premiada menos ambiciosa. Avança
enriquecimento injustificado e aumenta prazo de prescrição de corrupção.
ANA MARTINGO: Grafismo
OBSERVADOR, 19
nov 2021
Foi
uma rara unanimidade aquela que se viveu na Assembleia da República esta
sexta-feira. O pacote anti-corrupção foi aprovado em plenário com o
voto a favor de todas as bancadas parlamentares e com importantes mudanças e
avanços legislativos.
É verdade que os chamados acordos de
sentença, que poderiam acelerar muito a resolução dos processos de
criminalidade económico-financeira (e não só), foram chumbados no Parlamento
por oposição do PSD, mas não é menos certo que a tão almejada criminalização do
enriquecimento injustificado avança.
E
os avanços não se ficam por aqui. Surpreendentemente, o PSD concordou (dando o dito por não dito)
que se alargassem os instrumentos do direito premial que existem na lei,
abrindo assim as portas à colaboração premiada entre arguidos e Justiça — numa
versão mais tímida do que a pretendida pela ministra Francisca Van Dunem, é certo.
Os prazos de prescrição de diversos
crimes de titulares de cargos políticos, como
a corrupção, foram alargados para 15 anos, reforçaram-se as penas
acessórias de proibição de exercício de cargos políticos e públicos em períodos
que podem ir até aos 10 anos e responsabilizam-se as empresas e outras
entidades por crimes de corrupção
ativa praticados pelos seus representantes.
Medidas
rejeitadas estão relacionadas com a chamada justiça negociada
Com
a dissolução da Assembleia da República no horizonte, PS e PSD acabaram por
acordar uma proposta conjunta que manteve o essencial do pacote anti-corrupção
proposto pelo Governo mas fez uma grande vítima: a justiça
negociada, uma das
medidas mais inovadoras da estratégia concebida pela ministra Francisca Van Dunem.
O
Governo queria que fosse possível a celebração
de acordos sobre a pena aplicável durante a fase de julgamento. Ou seja, no âmbito de uma audiência prévia, o
arguido ou arguidos poderiam acordar com o Ministério Público um limite máximo
e mínimo de uma pena a aplicar pelo tribunal de julgamento. Mas com duas
condições:
Teria
de fazer uma confissão livre, integral e sem reservas dos factos que lhe eram
imputados; E não poderia ser premiado se responsabilizasse outros arguidos. Só
poderia confessar (e ser premiado) sobre matérias que tivessem directamente a
ver com a sua acção.
▲ Deputada
Mónica Quintela foi a cara da oposição á proposta do Governo
JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
O
PSD sempre considerou esta matéria uma linha vermelha por entender que estava
em causa o “mercadejar de Justiça”. Na
prática, um negócio
jurídico — algo que a lei proíbe claramente.
Apesar
de o PS entender que o que estava em causa era um acordo sobre os factos, e
não uma negociação da culpa, esta matéria teve de cair para viabilizar uma
proposta conjunta. Aliás, nem todos os deputados socialistas estavam à vontade
com o conceito de justiça negociada.
Porta semi-aberta à colaboração premiada
Além
dos acordos de sentença, a outra grande divergência entre PS e PSD centrava-se
na chamada colaboração premiada. Isto é, os arguidos que denunciassem crimes ou
tivessem uma colaboração activa na descoberta da verdade material poderiam ser
premiados com uma dispensa ou uma atenuação especial da pena decidida por um
tribunal de julgamento.
Apesar
das críticas da deputada Mónica
Quintela,
coordenadora do PSD na 1.ª Comissão, certo é que a proposta conjunta PS/PSD acolheu uma parte importante da proposta da ministra Francisca Van Dunem. As mudanças são fáceis de explicar:
A dispensa de pena ou a atenuação
especial da pena passam a ser obrigatórias, quando hoje em dia são apenas uma possibilidade;
Suspeitos que tenham praticado crimes terão dispensa de pena ou atenuação especial de pena
desde que tenham denunciado os mesmos ilícitos antes da abertura do
respetivo inquérito; Aplica-se
a crimes de corrupção ativa e passiva e ao recebimento indevido de vantagem,
mas também foi aberta a porta para que seja aplicada a crimes conexos com
a criminalidade económico-financeira:
A lei actual tinha um prazo de 30
dias após a prática dos crimes para que as denúncias fossem feitas — o que
inviabilizava, na prática, a aplicação da dispensa de pena ou atenuação
especial. Tal prazo desaparece com a lei aprovada.
O que não foi acolhido acaba também
por afectar a eficácia destas medidas — que
visam romper os pactos de silêncio entre os diferentes participantes nos crimes
de corrupção. Tudo porque
a proposta da ministra Francisca Van
Dunem previa a aplicação destes
instrumentos logo na fase de inquérito e de instrução criminal com proposta do
Ministério Público e validação judicial de um juiz de instrução criminal.
Contudo,
face à oposição do PSD, estes instrumentos só serão aplicados na fase de
julgamento. Isto é, o
arguido que colabore com o Ministério Público (MP) durante a investigação ou
queira contribuir para a descoberta da verdade material não terá uma garantia
de que o tribunal de julgamento possa aplicar a dispensa de pena ou a atenuação
especial da pena — nem terá uma certeza de que o procurador que representa o MP
no julgamento concorde com o colega que fez a investigação.
Avança o
enriquecimento injustificado com alertas do PSD e o combate aos megaprocessos
Numa outra comissão parlamentar, a da
Transparência, foi consensualizada uma proposta para a criminalização
de enriquecimento injustificado.
Na prática, o novo crime é inspirado claramente na proposta apresentada pela
Associação Sindical de Juízes liderada pelo desembargador Manuel Ramos Soares.
Ao
contrário das outras propostas de enriquecimento ilícito chumbadas pelo
Tribunal Constitucional, a proposta que recebeu agora luz verde pretende criminalizar a violação das obrigações declarativas a que todos os titulares de cargos políticos e
titulares de altos cargos públicos estão adstritos.
▲ Ministra Francisca Van Dunem conseguiu a
aprovação da Estratégia Nacional Contra a Corrupção no final do seu mandato
MANUEL DE
ALMEIDA/LUSA
As linhas
mestras do novo crime são as seguintes:
Será
acusado deste crime qualquer político e titular de alto cargo público que não
declare todos os rendimentos a que estava obrigado; A aplicação do crime é independente do momento em que
os rendimentos ocultos forem descobertos. Isto é, os responsáveis abrangidos
pela lei têm obrigação de declarar todos os seus rendimentos durante o
exercício do respetivo mandato e num prazo máximo de três anos após saírem do
cargo que exerceram. Se os rendimentos ocultos só forem descobertos
cinco anos após a cessação de funções, o suspeito em causa poderá ser acusado à
mesma deste novo crime. Ou seja, os acréscimos patrimoniais passam a
ser criminalizados;
Desaparece
a obrigação da declaração prévia que actualmente a Entidade das Contas tem de
fazer, notificando o político faltoso para que rectifique os rendimentos. Basta
constatar a ocultação de rendimentos para que o crime possa ser imputado;
A
pena aumenta para um máximo de cinco anos de prisão;
O
titular de cargo político ou alto cargo público passa a ter a obrigação de
explicar a origem desses acréscimos patrimoniais.
Este
último ponto levou a deputada Mónica
Quintela (PSD) a alertar
que o Tribunal Constitucional pode voltar a chumbar a lei por inversão do ónus
da prova.
Uma
matéria que teve consenso entre PS e PSD desde o início foi o combate aos megaprocessos. O grupo de trabalho nomeado pela ministra Francisca Van
Dunem defendeu a alteração das regras de conexão dos processos, de forma a
evitar que o Ministério Público possa incorporar diversos inquéritos criminais
num só — uma prática regular nos casos da criminalidade económico-financeira
devido a interligação dos factos
Prazos de prescrição do crime de corrupção e de outros
passam para 15 anos
O pacote anti-corrupção aprovado no
Parlamento levará igualmente a aumentar o prazo de prescrição para 15 anos de
diversos crimes de titulares de cargos políticos, nomeadamente de corrupção
ativa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, violação das
regras urbanísticas, abuso de poderes, entre outros.
O
crime de associação criminosa relacionado com esta
criminalidade económico-financeira também está abrangido pelo alargamento
do prazo de prescrição.
O mesmo se passa com os crimes de
corrupção no comércio internacional e corrupção activa e passiva no setor
privado, crimes de corrupção e outros de natureza económico-financeira na
atividade desportiva. E outros ilícitos como fraude na obtenção de subsídio.
Por
outro lado, serão reforçadas
igualmente as penas acessórias de proibição de funções seja de titulares de
cargos políticos, seja de dirigentes ou funcionários da administração pública e
equiparados.
Isto
é, os arguidos que sejam condenados por crimes de corrupção activa e passiva e
de recebimento indevido de vantagem com penas de prisão efectiva acima dos três
anos passam a estar sujeitos a penas acessórias reforçadas:
No
caso dos políticos, podem ser proibidos de exercer cargos políticos até a um
prazo máximo de 10 anos (neste momento é de oito anos) — equivalente às sanções de inibição
banqueiros no sector financeiro, por exemplo.
No
caso dos funcionários, a proibição do exercício de cargos públicos pode ir até
a um prazo máximo de 8 anos (agora é de cinco anos)
Estas
penas acessórias passam a ser aplicadas a gerentes e administradores de
sociedades comerciais.
Por último, há duas últimas
alterações relevantes:
As
pessoas colectivas, nomeadamente as sociedades comerciais e instituições
financeiras, passam a ser responsabilizadas pelo crime de corrupção activa de
titular de cargo político e de oferta indevida de vantagem;
O
mecanismo de suspensão provisória do processo passa a ser aplicado à oferta de
recebimento indevido de vantagem. Isto é, as
empresas e outras entidades do sector privado passam a poder beneficiar da
suspensão do processo desde que cumpram determinadas injunções.
Para
que a Estratégia Nacional Contra a Corrupção seja aplicada na sua globalidade,
falta igualmente que o Presidente da República promulgue o decreto-lei que vai
instituir o Mecanismo Nacional Anticorrupção, a nova entidade de fiscalização e
prevenção da corrupção por parte do setor público e do setor privado — que, com
a versão final da estratégia, passa a ter as mesmas obrigações que as entidades
públicas.
As reacções à aprovação do PS e do PSD
No
final das votações, o grupo parlamentar do PS, através da deputada Cláudia Santos,
que coordenou os trabalhos dos socialistas na Comissão de Assuntos
Constitucionais, quis “sublinhar a importância histórica da aprovação por
unanimidade”, acrescentando que não tem “memória de ter sido aprovado antes um
pacote tão extenso” e que estas alterações permitem “afirmar que o governo
cumpriu as promessas feitas em matéria de combate à corrupção”.
Entre
as principais alterações, Cláudia
Santos destacou a
pena acessória que impede a candidatura a cargos políticos ou as “novas e
exigentes soluções de direito premial”, que, sublinhou, “nunca passam pela
delação premiada”.
Entre as principais alterações, a deputada Cláudia Santos (PS)
destacou a pena acessória que impede a candidatura a cargos políticos ou as
"novas e exigentes soluções de direito premial", que sublinhou,
"nunca passam pela delação premiada".
Do
lado do PSD, Mónica Quintela viu “com
grande satisfação” a aprovação de muitas das medidas propostas pelos
sociais-democratas, mas também “o
abandono de medidas que eram linhas vermelhas, como a negociação das penas e a
delação premiada”. A deputada
do PSD diz que não entende “que o reforço do direito premial seja uma porta de
entrada para a delação premiada” e destaca ainda “os avanços feitos no combate
aos mega-processos, onde era possível ter ido ainda mais longe”.
Mónica
Quintela mostrou-se também satisfeita com a aprovação unânime destas medidas e
referiu ainda que entende que “as penas acessórias não são inconstitucionais”
por não serem “normas de funcionamento automático”. “O tribunal terá sempre que
fazer um juízo sobre esta perda”, referiu a deputada, que é também advogada de
profissão.
JUSTIÇA FRANCISCA VAN
DUNEM POLÍTICA CORRUPÇÃO
COMENTÁRIOS:
JS M: Tudo o que
seja impedir que Rui Pinto ponha a boca no trombone é bom para a corrupção e
mau para Portugal. Esta legislação não o protege.
António Soares:
Rio não se cansa de dar tiros nos pés! Vai-te embora Rio!
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