Na desordem de uma construção atamancada, culpa de
todos nós, talvez, que vivemos de fogachos…
A história dos vencedores
Quarenta e seis anos depois, é fazendo as contas ao
estado deste país adiado que se deve olhar, lembrar e julgar o 25 de Novembro.
JAIME NOGUEIRA PINTO, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 26 nov 2021
Os vencedores têm geralmente o cuidado
de escrever a História. Pelo menos nos tempos que se seguem à vitória.
Depois, com o passar de outros tempos e depois das desilusões dos vencedores
que vão ficando pelo caminho, esboça-se uma visão alternativa, uma “revisão
histórica”, uma outra verdade ou realidade.
Sempre assim foi: os homens, mesmo os
tiranos, sempre souberam a importância da fama, boa ou má, e sempre cuidaram da
própria história, para que ela inspirasse a História ou até para que ela se
pudesse vir a misturar indistintamente com a História.
Talvez por isso Marx nos tenha
alertado para a importância da história de quem conta a História, a história do
historiador – pesando-lhe os preconceitos, os interesses, as afinidades, as
devoções e as dependências ideológicas, sociais e familiares, a relação com os
acontecimentos, os protagonistas e as situações.
Um exemplo clássico da influência na
História dos interesses do historiador é a famosa De Vita Caesarum, de Suetónio, que
viveu na transição do primeiro para o segundo século da nossa Era. Pertencendo à classe dos equites,
uma espécie de classe média romana, entre a aristocracia senatorial e a plebe, Suetónio
foi protegido por membros da classe senatorial, e traduziu, nos seus escritos,
algum do rancor dos seus protectores pelos imperadores. Uma das
vítimas dessa damnatio
memoriae foi Domiciano, que, por
sua vez, vitimou muitos cristãos e não seria grande peça. De qualquer
modo, Suetónio retratou-o de forma exacerbada e interessada como sedento de
protagonismo, impulsivo, imaturo e em guerra permanente com seu irmão mais
velho, Tito, contra
quem nunca parara de conspirar. Uma
vez no poder, fora um Domiciano hipócrita, corrupto e sanguinário que
perseguiria a classe senatorial com “uma crueldade selvagem”, esbanjando o
erário público em grandes espectáculos de massas. O cristãos também foram
grandes vítimas de Domiciano que, de qualquer modo, não seria grande peça.
A Vida dos Doze Césares, a principal
fonte da percepção futura dos primeiros imperadores de Roma, viria assim a
basear-se no testemunho interessado de Suetónio. E a maioria das histórias fixadas para a posteridade vinham de um
anedotário hostil, fruto do “pensamento correcto” então dominante na sociedade
romana.
Estas
histórias da História e a facilidade com que hoje uma opinião pública cada vez
com mais informação e menos formação as recebe obrigam à revisão crítica das
fontes: documentos e pessoas, fake news e polígrafos, noticiadores e
comentadores ditos “objectivos”.
Na Europa, à volta dos grandes movimentos da
Modernidade, da Reforma à Revolução Francesa e às revoluções totalitárias do
século XX, surgiram inúmeras lendas negras. Os ingleses, na sua
rivalidade com a Espanha dos Áustrias,
construíram e disseminaram uma imagem tenebrosa dos povos católicos do Sul,
detentores de retrógrados “impérios pré-industriais” que, na versão interessada
dos novos imperialistas, por pertencerem à Idade das Trevas, por lá deviam
ficar enterrados. Napoleão foi persistentemente exaltado como um génio militar e
da governação e atacado como um oportunista que semeou a guerra e a destruição
na Europa durante um quarto de século.
Polémicas portuguesas
A História de Portugal é também fértil
nestas polémicas, sobretudo a partir do Liberalismo e do século XIX: o julgamento da acção de Pombal, que
ainda hoje decorre e que divide até campos ideológicos opostos; os
escritos de Herculano sobre a Igreja e a Inquisição; a revisão histórica pessimista do constitucionalismo
liberal, feita por
Oliveira Martins no Portugal
Contemporâneo.
Não será, assim, de estranhar que o século XX e a História do século XX continuem
pródigos em polémicas
versões oficiais. O Estado Novo, chegado pela via militar, tal como o
Liberalismo e a República, incorporou
o espírito do tempo – o nacionalismo autoritário e anticomunista. O nacionalismo revolucionário fascista já tinha, em Itália, pactuado com as
forças conservadoras; e num
país agrário da periferia europeia, com o peso da Igreja e das classes médias
tradicionais, a balança pendeu claramente para o nacional-conservadorismo
e não para o fascismo. Através da solução do problema financeiro – a dívida
pública externa que tornava o país refém dos credores estrangeiros – Salazar venceria
a competição pelo investimento militar na chefia civil. E seria
também o teorizador
político e institucional do novo regime, que era um híbrido, em termos de
política institucional.
O
Estado Novo fez a crónica do regime anterior, acentuando a
fragmentação partidária da Primeira República, a hegemonia dos Democráticos
apoiados nos “activistas” de rua, a desordem, os constantes pronunciamentos, a
“balbúrdia sanguinolenta”. Tal garantiu-lhe trinta anos de relativa
hegemonia nos espíritos e nas ruas.
Em 1958, a candidatura
de Humberto Delgado marcou a mudança,
pelo menos entre as classes médias urbanas de Lisboa e Porto. O peso do tempo
ideológico euroamericano e o fim da era dos Impérios fariam o resto.
De Abril a Novembro
O 25 de Abril foi uma
revolução corporativa, na origem e no desenrolar das suas fases mais agudas,
com incipientes clientes políticos lutando pelo favor dos pretorianos, também
sempre condicionados e limitados pela conjuntura exterior, que era a Guerra
Fria.
Quem
conheceu e viveu a resistência ao PREC não pode deixar de ler a maioria dos
relatos oficiais desse período, entre
25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, como uma fábula interessada, composta para
uso e consagração dos príncipes. E sobre o 25 de Novembro, a narrativa maniqueísta é ainda
dominante: desloca protagonismos e
chefias, minimiza o pessoal no terreno – as companhias de Comandos convocados –
e exalta grandes chefes e cérebros estratégicos. E é sobretudo omissa quanto ao
papel das forças sistémicas, internas e externas, no controlo do que poderia
ter sido uma viragem na revolução portuguesa, caso tivesse sido politicamente
explorada.
Assim, foi um Thermidor em que,
em nome da pacificação e da moderação, se congelou o PREC e o seu contrário,
iniciando-se a consolidação do regime sob uma ideologia de esquerda
antifascista, com uma classe política de centro-esquerda – o Centrão PS-PSD – e
uma marginalização das direitas, sempre carregando as culpas do
anterior regime.
Quarenta e seis anos depois, é fazendo
as contas ao estado deste país adiado que se deve olhar, lembrar e julgar o 25
de Novembro, o esforço e sacrifício dos seus combatentes e o modo como os
derradeiros vencedores contaram e contam a História.
COMENTÁRIOS:
Alberto Pires: 46 anos após o
"golpe" do 25 de Novembro, é perfeitamente patético que ainda não se
tenha percebido que foi um golpe da esquerda para simular (e substituir) o
verdadeiro golpe que estava na calha e que os "abrilistas" recearam
lhes fizesse perder totalmente o controlo. Até um historiador com nível,
como JNP, alinha nas interpretações do "golpe", assumindo a versão
que convém à esquerda, de que foi um golpe da "direita" (só que não
se sabe de quem!!!!). O grupo dos 9 que assumiu o controlo, com o inenarrável
Melro Antunes à cabeça (foi aí que ele teve de dar a cara, às claras), cozinhou
um "golpe perfeito" onde até houve "derrotados", no caso o
Otelo e a sua extrema esquerda "operária", para convencer os
incautos. Era um tipo muito incómodo e
aproveitaram para o "queimar"...Foi
a altura em que a esquerdalha percebeu que ou mudava de velocidade,
aparentando que metia uma marcha atrás, ou saía de cena. Na altura usaram, bem
usado, o Cor. Jaime Neves, que nada sabia da tramóia e quando ele disse; -
agora vão os comunistas...Alto e para o baile, interveio o Melro a dizer que o
PC era importante para a "democracia". E os comandos
recolheram ao quartel e para evitar repetições, os Comandos foram pouco depois
desactivados. A base ideológica continuou a ser a mesma, a velocidade
passou a ser a "conveniente". Só não vê quem não quer. Os
espanhóis tentaram o mesmo no "23 F", mas o Tejero Molina deu-lhes a
volta. Américo
Silva >Alberto Pires: Com
os meus cumprimentos, não andará longe da verdade. Falta abordar o papel de
Carlucci, e as ordens vindas de Moscovo para que o PCP cedesse. Ping PongYang: Belíssima crónica sobre o 21 de
Novembro de 2013. O meu amigo Mendes até costuma
dizer que para a próxima vez em que seja preciso interpor corpo e prestígio
pessoal para evitar "males maiores" que se arranjem com outros gajos
quaisquer. Ele está à beira da reforma. (Se ele soubesse o que sabe hoje...) Fernando E: Deitou-se fora o bébé com a água do banho. Foi o que
sucedeu depois do 25 de Abril. Estava
tudo mal para a esquerda. E destruiu- se muito do que estava bem.
Ainda hoje muita gente tem vergonha de
se assumir de direita, e a esquerda considera quem vota na direita democrática
e centro direita são pessoas incultas e/ou beneficiários de privilégios.
E gostam de dizer que a direita não
apoia a cultura. Por exemplo
, quando há governos da “ direita” exigem 1% para a cultura , mas não reclamam
a mesma percentagem do OE quando há governos do PS e da geringonça - que
nunca atribuíram esse montante. Sempre
a narrativa da esquerda…
Antes pelo contrário: Hoje, não podemos falar contra
o "politicamente correcto", nem contra a esquerda, nem contra as
teorias de "género", nem contra as alterações climáticas, nem ser a
favor do petróleo - que feitas as contas ainda é a energia mais limpa - ou a do
capitalismo, da lei e da ordem, ou da defesa das nossas fronteiras, etc. Não podemos fazer
transferências bancárias de mais de 2.500 euros sem justificar porquê, somos
fiscalizados pelo fisco, pela EMEL, temos de dar o NIF em todo o lado, mais uma
quantidade de números, não apenas no Estado, mas nas empresas privadas, e somos
controlados em todos os nossos passos. No caso do 25 de Novembro, a teoria desmorona-se, os
vencidos conseguiram impor a sua narrativa, ou, pelo menos, calar a narrativa
dos vencedores. Mais,
o vencedor passou-se de armas e bagagens para o lado dos vencidos e colabora
activamente no silenciamento da verdade. No entanto, ainda estamos vivos e sabemos a verdade,
sabemos que sem Soares, mas também sem Eanes, e mesmo sem os brutamontes
do Jaime, teríamos suportado uns meses ou uns anos de férrea ortodoxia
cunhalista, que nada ficaria a dever a Fidel ou a Lukachenko. Essa é a verdade e ainda não passaram
séculos para que se possa distorcer. Por mais que jornais e televisões tenham passado pela
data como cão por vinha vindimada .....
maldekstre estas kaptilo: Nas mãos da Esquerda, qualquer
país está condenado a ser eternamente adiado.
advoga diabo: Já cá faltava a lágrima no canto do olho de um qualquer saudosista amargurado pelo 25 de Novembro nunca ter passado de nota de rodapé na irreversibilidade desse dia inteiro inicial e limpo que foi o 25 de Abril! josé maria : O 25/11 repôs o 25/4, é verdade, mas não repôs o 24. Custa a aceitar a democracia pluralista, JNP ? A ausência do Tarrafal e de outras indignidades salazaristas ? José Miranda > josé maria: Sem vergonha, Zézinho Maria... João Floriano > josé maria: O José Maria leu o mesmo que eu li? A minha visão do texto não coincide com a sua. Se o PCP tiver tempo e poder, não sei se não veremos nascer um gulag ali nas Berlengas. O que basicamente JNP nos está a demonstrar sobre um facto histórico é que as «verdades» dependem do ponto de vista de cada um dos historiadores. Tão simples quanto isso! Lino Oliveira: JNP é um erudito comentador político difícil de acompanhar. O 25 de Novembro travou a paranóia do PREC, mas não conseguiu impedir o caminho obrigatório para o socialismo na constituição, imposto pela força militar aos partidos, e esse é o resultado do "estado a que isto chegou". Estarei correcto na interpretação do seu pensamento? Nuno Fonseca: O escriba deste artigo pergunte a qualquer lavrador idoso o que acha dos tempos do antigamente e ele falará da fome, da doença, da miséria. O escriba não tem essas referências. Devia ter. Lino Oliveira > Nuno Fonseca: Sem dúvida, mas antes era pior. Quando Salazar foi a votos depois de morto , ganhou a todos, mesmo sem fazer campanha. Porque terá sido? Vitor Batista > Nuno Fonseca: Já fiz essa pergunta centenas de vezes, e aqueles agricultores que conheciam um pouco da realidade, diziam que era assim por toda a Europa, e não tinham redes sociais e existia a censura, agora existe censura existem redes sociais e uma grande maioria ainda vive igual ou pior que no tempo do António, e não vai melhorar. Nuno Fonseca > Vitor Batista: Obrigado pelos comentários. Na Europa dos anos 60 os agricultores não eram paupérrimos como por aqui. bento guerra: Ganhou o Eanes e o Vasco Lourenço, com Soares como mentor. Assoem-se Jorge Carvalho: Obrigado, JNP. A Portugal cabe o privilégio de ter no marquês de Pombal um dos primeiros estadistas no mundo a dar-se conta do valor da propaganda, fazendo publicitar por toda a Europa os seus feitos, de tal modo que mesmo descobrindo a crueldade do seu despotismo, continuou a ser apreciado e elogiado, ao revés do que realmente sucedeu no reinado de D. José. Geralmente a propaganda resiste à verdade histórica, e é até ampliada. Vitor Batista: 25 de Novembro sempre! Abaixo os abrileiros comuna-fascistas -xuxalistas! Eliberto Sá > Vitor Batista: 25 de Novembro graças aos militares que também estiveram no 25 de Abril, Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pedro de Pezarat Correia, Manuel Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves, Vítor Crespo e ainda Jaime Neves e Ramalho Eanes. E a participação de políticos, como Mário Soares e Sá Carneiro... Vitor Batista > Eliberto Sá: Camarada! eu só condeno os fascistas que se aproveitaram da deriva ideológica do nosso querido Cunhal, para instalar uma ditadura do proletariado que iria prestar vassalagem aos Bolcheviques, entendeu? pode não concordar comigo mas ao menos tenha a hombridade de reconhecer o que esteve prestes a acontecer. O 25 de Abril hoje, só representa os mesmos de sempre, aqueles que o aproveitaram para uso pessoal. Viva o 25 de Novembro sempre!!! Vitor Batista: 25 de Novembro sempre! Abaixo os abrileiros comuna-fascistas -xuxalistas! Conta calada: Apenas um ensaio, de um derrotado de Abril.
A Crise de 25 de
Novembro de 1975 foi uma movimentação militar conduzida por partes
das Forças
Armadas Portuguesas, cujo resultado
levou ao fim do Processo
Revolucionário em Curso (PREC) e
a um processo de estabilização da democracia
representativa em Portugal.
Local |
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Desfecho |
Derrota dos sublevados e vitória
dos moderados Fim do Processo
Revolucionário em Curso
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