sexta-feira, 26 de novembro de 2021

E assim vamos andando


Na desordem de uma construção atamancada, culpa de todos nós, talvez, que vivemos de fogachos…

A história dos vencedores

Quarenta e seis anos depois, é fazendo as contas ao estado deste país adiado que se deve olhar, lembrar e julgar o 25 de Novembro.

JAIME NOGUEIRA PINTO, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 26 nov 2021

Os vencedores têm geralmente o cuidado de escrever a História. Pelo menos nos tempos que se seguem à vitória. Depois, com o passar de outros tempos e depois das desilusões dos vencedores que vão ficando pelo caminho, esboça-se uma visão alternativa, uma “revisão histórica”, uma outra verdade ou realidade.

Sempre assim foi: os homens, mesmo os tiranos, sempre souberam a importância da fama, boa ou má, e sempre cuidaram da própria história, para que ela inspirasse a História ou até para que ela se pudesse vir a misturar indistintamente com a História.

Talvez por isso Marx nos tenha alertado para a importância da história de quem conta a História, a história do historiador – pesando-lhe os preconceitos, os interesses, as afinidades, as devoções e as dependências ideológicas, sociais e familiares, a relação com os acontecimentos, os protagonistas e as situações.

Um exemplo clássico da influência na História dos interesses do historiador é a famosa De Vita Caesarum, de Suetónio, que viveu na transição do primeiro para o segundo século da nossa Era. Pertencendo à classe dos equites, uma espécie de classe média romana, entre a aristocracia senatorial e a plebe, Suetónio foi protegido por membros da classe senatorial, e traduziu, nos seus escritos, algum do rancor dos seus protectores pelos imperadores. Uma das vítimas dessa damnatio memoriae foi Domiciano, que, por sua vez, vitimou muitos cristãos e não seria grande peça.  De qualquer modo, Suetónio retratou-o de forma exacerbada e interessada como sedento de protagonismo, impulsivo, imaturo e em guerra permanente com seu irmão mais velho, Tito, contra quem nunca parara de conspirar. Uma vez no poder, fora um Domiciano hipócrita, corrupto e sanguinário que perseguiria a classe senatorial com “uma crueldade selvagem”, esbanjando o erário público em grandes espectáculos de massas. O cristãos também foram grandes vítimas de Domiciano que, de qualquer modo, não seria grande peça.

A Vida dos Doze Césares, a principal fonte da percepção futura dos primeiros imperadores de Roma, viria assim a basear-se no testemunho interessado de Suetónio. E a maioria das histórias fixadas para a posteridade vinham de um anedotário hostil, fruto do “pensamento correcto” então dominante na sociedade romana.

Estas histórias da História e a facilidade com que hoje uma opinião pública cada vez com mais informação e menos formação as recebe obrigam à revisão crítica das fontes: documentos e pessoas, fake news e polígrafos, noticiadores e comentadores ditos “objectivos”.

Na Europa, à volta dos grandes movimentos da Modernidade, da Reforma à Revolução Francesa e às revoluções totalitárias do século XX, surgiram inúmeras lendas negras. Os ingleses, na sua rivalidade com a Espanha dos Áustrias, construíram e disseminaram uma imagem tenebrosa dos povos católicos do Sul, detentores de retrógrados “impérios pré-industriais” que, na versão interessada dos novos imperialistas, por pertencerem à Idade das Trevas, por lá deviam ficar enterrados. Napoleão foi persistentemente exaltado como um génio militar e da governação e atacado como um oportunista que semeou a guerra e a destruição na Europa durante um quarto de século.

Polémicas portuguesas

A História de Portugal é também fértil nestas polémicas, sobretudo a partir do Liberalismo e do século XIX: o julgamento da acção de Pombal, que ainda hoje decorre e que divide até campos ideológicos opostos; os escritos de Herculano sobre a Igreja e a Inquisição; a revisão histórica pessimista do constitucionalismo liberal, feita por Oliveira Martins no Portugal Contemporâneo.

Não será, assim, de estranhar que o século XX e a História do século XX continuem pródigos em polémicas versões oficiaisO Estado Novo, chegado pela via militar, tal como o Liberalismo e a República, incorporou o espírito do tempo – o nacionalismo autoritário e anticomunista. O nacionalismo revolucionário fascista já tinha, em Itália, pactuado com as forças conservadoras; e num país agrário da periferia europeia, com o peso da Igreja e das classes médias tradicionais, a balança pendeu claramente para o nacional-conservadorismo e não para o fascismo. Através da solução do problema financeiroa dívida pública externa que tornava o país refém dos credores estrangeirosSalazar venceria a competição pelo investimento militar na chefia civil. E seria também o teorizador político e institucional do novo regime, que era um híbrido, em termos de política institucional.

O Estado Novo fez a crónica do regime anterior, acentuando a fragmentação partidária da Primeira República, a hegemonia dos Democráticos apoiados nos “activistas” de rua, a desordem, os constantes pronunciamentos, a “balbúrdia sanguinolenta”. Tal garantiu-lhe trinta anos de relativa hegemonia nos espíritos e nas ruas. Em 1958, a candidatura de Humberto Delgado marcou a mudança, pelo menos entre as classes médias urbanas de Lisboa e Porto. O peso do tempo ideológico euroamericano e o fim da era dos Impérios fariam o resto.

De Abril a Novembro

O 25 de Abril foi uma revolução corporativa, na origem e no desenrolar das suas fases mais agudas, com incipientes clientes políticos lutando pelo favor dos pretorianos, também sempre condicionados e limitados pela conjuntura exterior, que era a Guerra Fria.

Quem conheceu e viveu a resistência ao PREC não pode deixar de ler a maioria dos relatos oficiais desse período, entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, como uma fábula interessada, composta para uso e consagração dos príncipes. E sobre o 25 de Novembro, a narrativa maniqueísta é ainda dominante: desloca protagonismos e chefias, minimiza o pessoal no terreno – as companhias de Comandos convocados – e exalta grandes chefes e cérebros estratégicos. E é sobretudo omissa quanto ao papel das forças sistémicas, internas e externas, no controlo do que poderia ter sido uma viragem na revolução portuguesa, caso tivesse sido politicamente explorada.

Assim, foi um Thermidor em que, em nome da pacificação e da moderação, se congelou o PREC e o seu contrário, iniciando-se a consolidação do regime sob uma ideologia de esquerda antifascista, com uma classe política de centro-esquerda – o Centrão PS-PSD – e uma marginalização das direitas, sempre carregando as culpas do anterior regime.

Quarenta e seis anos depois, é fazendo as contas ao estado deste país adiado que se deve olhar, lembrar e julgar o 25 de Novembro, o esforço e sacrifício dos seus combatentes e o modo como os derradeiros vencedores contaram e contam a História.

25 DE NOVEMBRO   PAÍS

COMENTÁRIOS:

Alberto Pires: 46 anos após o "golpe" do 25 de Novembro, é perfeitamente patético que ainda não se tenha percebido que foi um golpe da esquerda para simular (e substituir) o verdadeiro golpe que estava na calha e que os "abrilistas" recearam lhes fizesse perder totalmente o controlo. Até um historiador com nível, como JNP, alinha nas interpretações do "golpe", assumindo a versão que convém à esquerda, de que foi um golpe da "direita" (só que não se sabe de quem!!!!). O grupo dos 9 que assumiu o controlo, com o inenarrável Melro Antunes à cabeça (foi aí que ele teve de dar a cara, às claras), cozinhou um "golpe perfeito" onde até houve "derrotados", no caso o Otelo e a sua extrema esquerda "operária", para  convencer os incautos. Era um tipo muito incómodo e aproveitaram para o "queimar"...Foi a altura em que a esquerdalha percebeu que ou mudava de velocidade, aparentando que metia uma marcha atrás, ou saía de cena. Na altura usaram, bem usado, o Cor. Jaime Neves, que nada sabia da tramóia e quando ele disse; - agora vão os comunistas...Alto e para o baile, interveio o Melro a dizer que o PC era importante para a "democracia". E os comandos recolheram ao quartel e para evitar repetições, os Comandos foram pouco depois desactivados.  A base ideológica continuou a ser a mesma, a velocidade passou a ser a "conveniente". Só não vê quem não quer.  Os espanhóis tentaram o mesmo no "23 F", mas o Tejero Molina deu-lhes a volta          Américo Silva >Alberto Pires: Com os meus cumprimentos, não andará longe da verdade. Falta abordar o papel de Carlucci, e as ordens vindas de Moscovo para que o PCP cedesse.            Ping PongYang: Belíssima crónica sobre o 21 de Novembro de 2013. O meu amigo Mendes até costuma dizer que para a próxima vez em que seja preciso interpor corpo e prestígio pessoal para evitar "males maiores" que se arranjem com outros gajos quaisquer. Ele está à beira da reforma. (Se ele soubesse o que sabe hoje...)               Fernando E: Deitou-se fora o bébé com a água do banho. Foi o que sucedeu depois do 25 de Abril. Estava tudo mal para a esquerda. E destruiu- se muito do que estava bem. Ainda hoje muita gente tem vergonha de se assumir de direita, e a esquerda considera quem vota na direita democrática e centro direita são pessoas incultas e/ou beneficiários de privilégios. E gostam de dizer que a direita não apoia a cultura. Por exemplo , quando há governos da “ direita” exigem 1% para a cultura , mas não reclamam a mesma percentagem do OE quando há governos do PS  e da geringonça - que nunca atribuíram esse montante. Sempre a narrativa da esquerda…

Antes pelo contrário: Hoje, não podemos falar contra o "politicamente correcto", nem contra a esquerda, nem contra as teorias de "género", nem contra as alterações climáticas, nem ser a favor do petróleo - que feitas as contas ainda é a energia mais limpa - ou a do capitalismo, da lei e da ordem, ou da defesa das nossas fronteiras, etc. Não podemos fazer transferências bancárias de mais de 2.500 euros sem justificar porquê, somos fiscalizados pelo fisco, pela EMEL, temos de dar o NIF em todo o lado, mais uma quantidade de números, não apenas no Estado, mas nas empresas privadas, e somos controlados em todos os nossos passos. No caso do 25 de Novembro, a teoria desmorona-se, os vencidos conseguiram impor a sua narrativa, ou, pelo menos, calar a narrativa dos vencedores. Mais, o vencedor passou-se de armas e bagagens para o lado dos vencidos e colabora activamente no silenciamento da verdade. No entanto, ainda estamos vivos e sabemos a verdade, sabemos que sem Soares, mas também sem Eanes, e mesmo sem  os brutamontes do Jaime, teríamos suportado uns meses ou uns anos de férrea ortodoxia cunhalista, que nada ficaria a dever a Fidel ou a Lukachenko. Essa é a verdade e ainda não passaram séculos para que se possa distorcer. Por mais que jornais e televisões tenham passado pela data como cão por vinha vindimada .....

maldekstre estas kaptilo: Nas mãos da Esquerda, qualquer país está condenado a ser eternamente adiado.

advoga diabo: Já cá faltava a lágrima no canto do olho de um qualquer saudosista amargurado pelo 25 de Novembro nunca ter passado de nota de rodapé na irreversibilidade  desse dia inteiro inicial e limpo que foi o 25 de Abril!           josé maria : O 25/11 repôs o 25/4, é verdade, mas não repôs o 24. Custa a aceitar a democracia pluralista, JNP ? A ausência do Tarrafal e de outras indignidades salazaristas ?                José Miranda > josé maria: Sem vergonha, Zézinho Maria...          João Floriano > josé maria: O José Maria leu o mesmo que eu li? A minha visão do texto não coincide com a sua. Se o PCP tiver tempo e poder, não sei se não veremos nascer um gulag ali nas Berlengas. O que basicamente JNP nos está a demonstrar sobre um facto histórico é que as «verdades» dependem do ponto de vista de cada um dos historiadores. Tão simples quanto isso!         Lino Oliveira: JNP é um erudito comentador político difícil de acompanhar. O 25 de Novembro travou a paranóia do PREC, mas não conseguiu impedir o caminho obrigatório para o socialismo na constituição, imposto pela força militar aos partidos, e esse é o resultado do "estado a que isto chegou". Estarei correcto na interpretação do seu pensamento?          Nuno Fonseca: O escriba deste artigo pergunte a qualquer lavrador idoso o que acha dos tempos do antigamente e ele falará da fome, da doença, da miséria. O escriba não tem essas referências. Devia ter.          Lino Oliveira > Nuno Fonseca: Sem dúvida, mas antes era pior. Quando Salazar  foi a votos depois de morto , ganhou a todos, mesmo sem fazer campanha. Porque terá sido?          Vitor Batista > Nuno Fonseca: Já fiz essa pergunta centenas de vezes, e aqueles agricultores que conheciam um pouco da realidade, diziam que era assim por toda a Europa, e não tinham redes sociais e existia a censura, agora existe censura  existem redes sociais e uma grande maioria ainda vive igual ou pior que no tempo do António, e não vai melhorar.         Nuno Fonseca > Vitor Batista: Obrigado pelos comentários. Na Europa dos anos 60 os agricultores não eram paupérrimos como por aqui.   bento guerra: Ganhou o Eanes e o Vasco Lourenço, com Soares como mentor. Assoem-se        Jorge Carvalho: Obrigado, JNP. A Portugal cabe o privilégio de ter no marquês de Pombal um dos primeiros estadistas no mundo a dar-se conta do valor da propaganda, fazendo publicitar por toda a Europa os seus feitos, de tal modo que mesmo descobrindo a crueldade do seu despotismo, continuou a ser apreciado e elogiado, ao revés do que realmente sucedeu no reinado de D. José. Geralmente a propaganda resiste à verdade histórica, e é até ampliada.          Vitor Batista: 25 de Novembro sempre! Abaixo os abrileiros comuna-fascistas -xuxalistas!                Eliberto Sá > Vitor Batista: 25 de Novembro graças aos militares que também estiveram no 25 de Abril, Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pedro de Pezarat Correia, Manuel Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves, Vítor Crespo e ainda Jaime Neves e Ramalho Eanes. E a participação de políticos, como Mário Soares e Sá Carneiro...              Vitor Batista > Eliberto Sá: Camarada! eu só condeno os fascistas que se aproveitaram da deriva ideológica do nosso querido Cunhal, para instalar uma ditadura do proletariado que iria prestar vassalagem aos Bolcheviques, entendeu? pode não concordar comigo mas ao menos tenha a hombridade de reconhecer o que esteve prestes a acontecer.  O 25 de Abril hoje, só representa os mesmos de sempre, aqueles que o aproveitaram para uso pessoal.  Viva o 25 de Novembro sempre!!!      Vitor Batista: 25 de Novembro sempre! Abaixo os abrileiros comuna-fascistas -xuxalistas!              Conta calada: Apenas um ensaio, de um derrotado de Abril.

 NOTAS DA INTERNET

 Crise de 25 de Novembro de 1975

A Crise de 25 de Novembro de 1975 foi uma movimentação militar conduzida por partes das Forças Armadas Portuguesas, cujo resultado levou ao fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC) e a um processo de estabilização da democracia representativa em Portugal.

 

Local

Portugal, principalmente em Lisboa

Desfecho

Derrota dos sublevados e vitória dos moderados

Fim do Processo Revolucionário em Curso

Detenção de dezenas de oficiais

Dissolução do Comando Operacional do Continente (COPCON)

Início do processo de estabilização de uma democracia representativa

Beligerantes

Comandantes

Baixas

3 mortos durante um ataque à sede da Polícia Militar

 

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