Palavras de moderação com que já algumas cabeças
pensantes vão tentando rebater a palhaçada extremista dos radicalismos de
esquerda e de direita, que se implantou até mesmo nos países de língua inglesa,
segundo nos conta o cronista João Carlos Espada e frisamos o que transmite o
articulista Matthew
Continetti que aquele cita, a
difundir uma esperança - que por aqui, todavia, não nos parece plausível, na
irracionalidade ruidosa dos nossos demagógicos endireitadores dos “tortos” = agravos, na terminologia mediévica:
«Num
vigoroso apelo contra o tribalismo das duas contraculturas, o autor conclui sublinhando que “a
prioridade deve ser a promoção vigorosa e não-sectária do que em tempos eram
chamados ‘os valores da classe média’
— moderação, civilidade, empirismo, prudência, humildade, reserva e reverência
pela lei — e das famílias que transmitem
estes valores à geração seguinte”.»
Duas contraculturas hostis às pessoas comuns
Costumava haver na América uma
contracultura (a da esquerda radical). Agora há duas (a outra vindo da direita
radical). Resta saber quem assumirá a defesa dos “valores da classe média”.
OBSERVADOR, 08 nov
2021
1Já
tudo será dito e redito sobre a chamada crise
política portuguesa — a qual,
francamente, não me parece muito grave, uma vez que eleições democráticas foram
pacificamente convocadas pelo Presidente da República democraticamente eleito.
Não creio, francamente, que eu possa acrescentar algo relevante —sobretudo
porque raramente vejo televisão e não frequento as redes sociais. Mas talvez
não fosse pior, apesar de tudo, alargar um pouco o horizonte da conversação.
2Gostaria
de introduzir o tema das eleições estaduais americanas, designadamente a surpreendente vitória republicana
na Virginia — que Joe
Biden tinha
ganho folgadamente apenas há um ano. O
tema está associado aos péssimos resultados nas sondagens do Presidente Biden:
tendo sido eleito com mais votos do que qualquer um dos anteriores presidentes
americanos, Biden tem hoje níveis de aprovação nas sondagens extremamente
baixos — apenas Donald Trump terá conseguido níveis de aprovação mais
baixos durante a sua presidência.
A
revista The
Economist, vincadamente
centrista, é peremptória sobre as razões. desses resultados. O Presidente
Biden, tendo
sido eleito como alternativa moderada ao radical Trump, está a ficar refém da
ala esquerdista do partido democrata. Deve ser recordado, a propósito, que esta
patética ala esquerdista, simbolizada pelo patético sr. Bernie Sanders,
teve de aceitar Biden como candidato capaz de ganhar o centro contra o patético
sr. Trump — o qual, recordo, nunca abotoava o casaco e gesticulava e gritava
como um vulgar carroceiro (com as devidas desculpas aos muito honrosos
profissionais carroceiros).
3Por outras palavras, o esquerdismo
revolucionário da ala radical do partido democrata alimenta o direitismo
revolucionário da ala radical do partido republicano. Esta bipolarização
entre extremos rivais — que
acontece também em algumas democracias europeias — tende a ser aceite pelos
analistas e comentadores políticos como “natural”, ou inevitável, ou como
definidora do actual panorama político. A verdade
dos factos, todavia, é que essa dicotomia entre radicalismos rivais é alheia à
tradição política americana, bem como à tradição política reformista dos povos
de língua inglesa.
4Um
artigo recente de Matthew
Continetti, Fellow do American Enterprise Institute em Washington, identifica exemplarmente a dicotomia artificial que
está a ser criada entre duas contraculturas, da esquerda radical e da direita
radical — ambas contra a tranquila disposição liberal não revolucionária das
pessoas comuns e das famílias.
Em
“The two countercultures: Who will speak
for ordinary Americans?”, Continetti
recorda que “costumava haver uma contracultura [a da esquerda radical].
Agora há duas [a outra vindo da direita radical]”. E o autor pergunta “quem irá falar pelas pessoas normais, os Americanos
que amam o seu país, que apenas desejam liberdade ordeira e oportunidade para
melhorar a sua condição e criar as suas famílias em ambientes estáveis?” Num vigoroso apelo contra o tribalismo das duas contraculturas, o autor conclui sublinhando que “a
prioridade deve ser a promoção vigorosa e não-sectária do que em tempos eram
chamados ‘os valores da classe média’
— moderação, civilidade, empirismo, prudência, humildade, reserva e reverência
pela lei — e das famílias que transmitem
estes valores à geração seguinte”.
5A
propósito da tranquila recusa de radicalismos revolucionários entre os povos
marítimos de língua inglesa,
acabo de ler no Telegraph de Londres que Barbados
decidiu democraticamente fundar uma República — e, por essa via, deixar de ter
a Rainha Isabel II como chefe do estado. [Isabel II, a propósito, é chefe de estado de 15
países, incluindo a Austrália e a Nova Zelândia]. Na mesma notícia, sou informado de que o Príncipe de Gales estará presente na cerimónia de consagração da nova
República em Barbados.
É
previsível que as duas contraculturas rivais — a revolucionária e a
contra-revolucionária — condenem o Príncipe de Gales. Uns porque perpetua
o que designam por “velho colonialismo” britânico; outros porque abandona esse
mesmo alegado “velho colonialismo”.
Mas
talvez o Príncipe de Gales exprima simplesmente a disposição de equilíbrio e
moderação que Edmund Burke — defensor da relutante revolução americana de 1776
e crítico da ardente revolução francesa de 1789 — tinha definido como
distintivo das democracias liberais: a disposição das pessoas comuns em favor
do equilíbrio e da moderação. A expressão de Burke foi aliás muito marítima :
“to preserve the equipoise of the vessel in which he sails”.
6Uma pergunta inteiramente legítima deve
no entanto ocorrer: se a cultura política americana pertence à tradição
moderada dos países marítimos de língua inglesa, como explicar o radicalismo
actual entre as suas duas “contraculturas”? Confiando na tolerância e amizade
dos meus amigos americanos, basicamente centristas, peço que não me levem a mal
se citar o nosso amigo comum, Winston Churchill: “Americans will always do the
right thing, after exhausting all the alternatives”.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO
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