Sobre o que por cá se passa de debates
intelectuais, sentindo quanto seria bom para o público português se, em vez de
só programas de diversão ou de afectos ou de martírios a que o próprio público
se presta, joguete das suas ânsias de exposição sentimental, as televisões
portuguesas trouxessem ao conhecimento público debates intelectuais como já o
fizeram e que nunca mais surgiram, a não ser os shows sobre política, onde
perpassa, de resto, o carisma ideológico que mal permite o debate objectivo e
sereno, em imagem pouco “ecológica”, socialmente falando.
Direito
Natural e Democracia Liberal
A equívoca tentação de entender a
modernidade em ruptura com a tradição do Direito Natural — herdada de Atenas,
Roma e Jerusalém — abriu caminho aos totalitarismos do século XX.
JOÃO CARLOS ESPADA
OBSERVADOR, 15 nov
2021
1Decorreu
na passada quinta-feira, no Instituto
de Estudos Políticos da Universidade Católica (IEP-UCP), um muito estimulante debate, de
dia inteiro, sobre “Direito
Natural e Ecologia Humana”, sob a
direcção científica de Manuel Braga
da Cruz. Contando com
a participação de vários oradores nacionais e internacionais, a iniciativa teve
a generosa colaboração
da Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém, da Associação dos Juristas Católicos,
da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e da Sociedade
Científica da Universidade Católica.
2O
evento permitiu recordar a importância
crucial do Direito Natural na tradição europeia e ocidental, greco-romana e judaico-cristã, fundada na conversação pluralista entre Atenas, Roma e
Jerusalém. Este tema,
entretanto quase esquecido, ocupou um lugar central no debate intelectual e
político do século XX, sobretudo face à tragédia dos totalitarismos comunista,
fascista e nazi.
Vários
autores — Leo Strauss
em Natural Right and History (1953) e
o seu aluno Allan Bloom em The
Closing of the American Mind (1987)
vêm de imediato à memória, entre muitos outros. Eles alertaram contra a
equívoca tentação de entender a modernidade e a democracia em ruptura com a
tradição do Direito Natural.
E
esse alerta foi lançado em defesa — não contra —a modernidade e a democracia
liberal. Isto será certamente difícil de entender pelos tribalismos rivais que
hoje condenam a democracia liberal, uns a partir da esquerda radical, outros a
partir da direita radical.
3Em
termos políticos, para resumir um longo argumento filosófico que não caberia
neste espaço, a questão central reside em recordar
as tremendas consequências políticas que o abandono intelectual da tradição do
Direito Natural produziu no século XX: fundamentalmente, os totalitarismos
comunista, fascista e nazi.
Todos os grandes falsos profetas
idolatrados por modas intelectuais auto-designadas como “revolucionárias” no
século XX — de Rousseau e Marx a Nietzsche, de Lenine a Staline, de Mussolini a
Hitler — procuraram
ridicularizar a ideia de Direito
Natural enquanto
padrão objectivo de distinção entre o Bem e o Mal; por outras palavras,
enquanto limite objectivo ao capricho da vontade arbitrária, designadamente
enquanto limite ao capricho da vontade revolucionária de poder arbitrário e
ilimitado do chamado Estado Total.
4As actuais
modas relativistas das chamadas patrulhas “woke” — que, em nome de uma alegada liberdade radical,
pretendem abolir o diálogo sobre as distinções objectivas entre o que é e o que
deve ser — essas modas relativistas “woke” acreditam representar uma liberdade
radical. Mas simplesmente ignoram que esse mesmo entendimento radical de que
tudo é simplesmente produto do capricho da vontade levou no passado à asfixia
da liberdade pelos mais terríveis totalitarismos.
Não
certamente por acaso intelectual, essas mesmas patrulhas “woke” tentam
actualmente promover a asfixia da liberdade nas democracias liberais, sobretudo
nas Universidades.
É
por isso também importante recordar que os totalitarismos rivais do século
XX atacaram as democracias liberais com argumentos simétricos, fundamentalmente
idênticos (e em boa parte semelhantes aos argumentos das actuais doutrinas
“woke”): as democracias pluralistas não obedeciam às doutrinas monistas
decretadas pelos Estados Totais — comunistas ou fascistas.
5E é também particularmente importante
recordar que a resistência das democracias liberais contra os totalitarismos
assentou sempre no debate livre e na conversação — não na contraposição de uma
doutrina monista única contra a monista doutrina única dos tribalismos rivais,
comunista e fascista.
6Este
contraste entre pluralismo liberal e monismo autoritário tribal ficou
particularmente patente no contraste
entre dois conceitos de Universidade. Nos
regimes totalitários, as universidades transformaram-se em agências de
propaganda das doutrinas monistas respectivas. Nas democracias liberais
do Ocidente, pelo contrário, elas mantiveram a sua ancestral natureza
pluralista — enquanto lugares de uma conversação gentil e tranquila entre
várias vozes, na busca comum da Verdade, do Bem e do Belo.
Vale
a pena revisitar a este propósito a ancestral Ideia de Universidade tão
sublimemente recordada por (Cardeal)
John Henry Newman:
“Uma Universidade é um lugar onde o
inquérito é promovido, e as descobertas verificadas e aperfeiçoadas, e a rudeza
é tornada inócua, e o erro exposto, através da conversação de mente com mente,
e de conhecimento com conhecimento.” (1854)Seguir
COMENTÁRIOS:
Jo NoMar: Ninguém
consegue escrever textos sobre temas interessantes de forma tão enfadonha como
o doutor Espada. Elvis Wayne: Resta admitir que o Direito Natural tem precedência
sobre as arbitrariedades da nossa Constituição pós-PREC. Antonio Castro: Excelente artigo! josé maria: Não
existe essa coisa chamada " Direito Natural", todo o direito é um
constructo social. Alecrom
Morcela: E é isso que se passa nas nossas (EUA,
Europa… - “Ocidente”) universidades? Não
me parece. João: Artigo interessante!
bento guerra: Direito
Natural não é coisa antiga, anterior ao direito constitucional? Andrade QB: No final do dia até os extremistas fundamentam as suas
posições no direito natural, pelo que a discussão se prenderá a que direitos em
concreto são defendidos como resultantes da natureza humana. Até a noção de justiça associada ao
reconhecimento da natureza humana é algo fluido e não se pode dizer que é
questionada quando se discute a própria natureza humana. Quando o
radicalismo woke nega as leis da física, até ao absurdo de negar as regras
matemáticas, não deixa de apelar a um qualquer direito natural subjacente a
essa negação. O problema do radicalismo, podendo ser filosófico, tem uma
razão muito concreta, que é a do oportunismo e cobardia de quem, a começar nas
Universidades, não lhe faz frente para preservar o seu doce modo de
viver. manuel santos: [Comentário em
moderação] Perspectiva >
manuel santos: Parece-me um comentário infeliz, ao qualificar de burro
o Dr. João Carlos Espada, até porque as pessoas inteligentes fazem valer os
seus argumentos por si próprios, não precisando de denegrir o opositor com
qualificações deste tipo. Mas,
olhando, com um pouco mais de atenção para o seu comentário, até vejo alguma
utilidade interessante nesta sua atitude que, inclusivamente, me permitirá
responder aos argumentos de fundo do seu comentário. A grande utilidade do seu comentário é que admite que a
burrice existe. Com certeza que concorda que a burrice, além de derivar da
ignorância, também poderá derivar da falta de inteligência, ou seja, de um
pobre uso da racionalidade. Assim, admite que a razão existe e que é própria do
ser humano. Ora, é exactamente por este facto que o Direito Natural existe, e
que os seus valores existem por si próprios enquanto inerentes ao ser humano,
enquanto ser racional. E, por isso, não há que fazer nenhuma tentativa para
estabelecer os valores do Direito Natural. Simplificando, com um exemplo: porque é o
valor da Vida o mais importante no Direito Natural? Porque se todos os seres
humanos estiverem mortos, deixa de haver Direito (Natural). Porque é o valor da
Vida mais importante do que o da Liberdade. Porque quem está morto não pode
exercer qualquer tipo de liberdade. O Direito
Natural assenta na Razão Natural, que por sua vez assenta no ser humano (que é
um ser racional). É algo que assenta na Realidade. Não há necessidade de
estabelecer o que quer que seja. manuel santos > Perspectiva: O que o seu comentário revela é que a visão do mundo
está no olho de quem o vê. V. Exa. assumiu que eu estava a reportar-me a um
Conceito Essencial de Burrice quando disse, com toda a propriedade, que o dr.
Espada é um burro. Mas não. Estava apenas a dar uma opinião. Uma opinião que
não carece de um conceito a priori de Burrice, mas que pode simplesmente
exprimir aquela que é a minha ideia, de entre muitas ideias possíveis, de
burrice. O
problema de acreditar numa Verdade Fundamental das Cousas é muitas vezes esse,
que V.Exa. tão bem exemplificou: o mais das vezes, quem acredita no direito
natural só consegue ver as coisas pelo seu próprio canudo. Apesar do meu comentário ter sido apagado, não posso
deixar de exprimir novamente o meu espanto por uma pessoa que diz as mesmas
banalidades todas as semanas (a democracia é boa, devíamos ser mais como o
Churchill e os britânicos, gosto muito de Karl Popper) continuar a ser paga
anos a fio. Quem é que lê este pateta? S Belo > manuel santos: "Quem lê este pateta" e lhe responde
parece-me ser, entre outros, o Sr Manuel Santos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário