terça-feira, 16 de novembro de 2021

Informação preciosa

 

Sobre o que por cá se passa de debates intelectuais, sentindo quanto seria bom para o público português se, em vez de só programas de diversão ou de afectos ou de martírios a que o próprio público se presta, joguete das suas ânsias de exposição sentimental, as televisões portuguesas trouxessem ao conhecimento público debates intelectuais como já o fizeram e que nunca mais surgiram, a não ser os shows sobre política, onde perpassa, de resto, o carisma ideológico que mal permite o debate objectivo e sereno, em imagem pouco “ecológica”, socialmente falando.

 

Direito Natural e Democracia Liberal

A equívoca tentação de entender a modernidade em ruptura com a tradição do Direito Natural — herdada de Atenas, Roma e Jerusalém — abriu caminho aos totalitarismos do século XX.

JOÃO CARLOS ESPADA

OBSERVADOR, 15 nov 2021

1Decorreu na passada quinta-feira, no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (IEP-UCP), um muito estimulante debate, de dia inteiro, sobre “Direito Natural e Ecologia Humana”, sob a direcção científica de Manuel Braga da Cruz. Contando com a participação de vários oradores nacionais e internacionais, a iniciativa teve a generosa colaboração da Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém, da Associação dos Juristas Católicos, da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e da Sociedade Científica da Universidade Católica.

2O evento permitiu recordar a importância crucial do Direito Natural na tradição europeia e ocidental, greco-romana e judaico-cristã, fundada na conversação pluralista entre Atenas, Roma e Jerusalém. Este tema, entretanto quase esquecido, ocupou um lugar central no debate intelectual e político do século XX, sobretudo face à tragédia dos totalitarismos comunista, fascista e nazi.

Vários autores — Leo Strauss em Natural Right and History (1953) e o seu aluno Allan Bloom em The Closing of the American Mind (1987) vêm de imediato à memória, entre muitos outros. Eles alertaram contra a equívoca tentação de entender a modernidade e a democracia em ruptura com a tradição do Direito Natural.

E esse alerta foi lançado em defesa — não contra —a modernidade e a democracia liberal. Isto será certamente difícil de entender pelos tribalismos rivais que hoje condenam a democracia liberal, uns a partir da esquerda radical, outros a partir da direita radical.

3Em termos políticos, para resumir um longo argumento filosófico que não caberia neste espaço, a questão central reside em recordar as tremendas consequências políticas que o abandono intelectual da tradição do Direito Natural produziu no século XX: fundamentalmente, os totalitarismos comunista, fascista e nazi.

Todos os grandes falsos profetas idolatrados por modas intelectuais auto-designadas como “revolucionárias” no século XX — de Rousseau e Marx a Nietzsche, de Lenine a Staline, de Mussolini a Hitlerprocuraram ridicularizar a ideia de Direito Natural enquanto padrão objectivo de distinção entre o Bem e o Mal; por outras palavras, enquanto limite objectivo ao capricho da vontade arbitrária, designadamente enquanto limite ao capricho da vontade revolucionária de poder arbitrário e ilimitado do chamado Estado Total.

4As actuais modas relativistas das chamadas patrulhas “woke” — que, em nome de uma alegada liberdade radical, pretendem abolir o diálogo sobre as distinções objectivas entre o que é e o que deve ser — essas modas relativistas “woke” acreditam representar uma liberdade radical. Mas simplesmente ignoram que esse mesmo entendimento radical de que tudo é simplesmente produto do capricho da vontade levou no passado à asfixia da liberdade pelos mais terríveis totalitarismos.

Não certamente por acaso intelectual, essas mesmas patrulhas “woke” tentam actualmente promover a asfixia da liberdade nas democracias liberais, sobretudo nas Universidades.

É por isso também importante recordar que os totalitarismos rivais do século XX atacaram as democracias liberais com argumentos simétricos, fundamentalmente idênticos (e em boa parte semelhantes aos argumentos das actuais doutrinas “woke”): as democracias pluralistas não obedeciam às doutrinas monistas decretadas pelos Estados Totais — comunistas ou fascistas.

5E é também particularmente importante recordar que a resistência das democracias liberais contra os totalitarismos assentou sempre no debate livre e na conversação — não na contraposição de uma doutrina monista única contra a monista doutrina única dos tribalismos rivais, comunista e fascista.

6Este contraste entre pluralismo liberal e monismo autoritário tribal ficou particularmente patente no contraste entre dois conceitos de Universidade. Nos regimes totalitários, as universidades transformaram-se em agências de propaganda das doutrinas monistas respectivas. Nas democracias liberais do Ocidente, pelo contrário, elas mantiveram a sua ancestral natureza pluralista — enquanto lugares  de uma conversação gentil e tranquila entre várias vozes, na busca comum da Verdade, do Bem e do Belo.

Vale a pena revisitar a este propósito a ancestral Ideia de Universidade tão sublimemente recordada por (Cardeal) John Henry Newman:

“Uma Universidade é um lugar onde o inquérito é promovido, e as descobertas verificadas e aperfeiçoadas, e a rudeza é tornada inócua, e o erro exposto, através da conversação de mente com mente, e de conhecimento com conhecimento.” (1854)Seguir

FILOSOFIA POLÍTICA 

COMENTÁRIOS:

Jo NoMar: Ninguém consegue escrever textos sobre temas interessantes de forma tão enfadonha como o doutor Espada.       Elvis Wayne: Resta admitir que o Direito Natural tem precedência sobre as arbitrariedades da nossa Constituição pós-PREC.        Antonio Castro: Excelente artigo!            josé maria: Não existe essa coisa chamada " Direito Natural", todo o direito é um constructo social.          Alecrom Morcela: E é isso que se passa nas nossas (EUA, Europa… - “Ocidente”) universidades? Não me parece.      João: Artigo interessante!  bento guerra: Direito Natural não é coisa antiga, anterior ao direito constitucional?             Andrade QB: No final do dia até os extremistas fundamentam as suas posições no direito natural, pelo que a discussão se prenderá a que direitos em concreto são defendidos como resultantes da natureza humana. Até a noção de justiça associada ao reconhecimento da natureza humana é algo fluido e não se pode dizer que é questionada quando se discute a própria natureza humana. Quando o radicalismo woke nega as leis da física, até ao absurdo de negar as regras matemáticas, não deixa de apelar a um qualquer direito natural subjacente a essa negação. O problema do radicalismo, podendo ser filosófico, tem uma razão muito concreta, que é a do oportunismo e cobardia de quem, a começar nas Universidades, não lhe faz frente para preservar o seu doce modo de viver.   manuel santos:  [Comentário em moderação]     Perspectiva > manuel santos: Parece-me um comentário infeliz, ao qualificar de burro o Dr. João Carlos Espada, até porque as pessoas inteligentes fazem valer os seus argumentos por si próprios, não precisando de denegrir o opositor com qualificações deste tipo. Mas, olhando, com um pouco mais de atenção para o seu comentário, até vejo alguma utilidade interessante nesta sua atitude que, inclusivamente, me permitirá responder aos argumentos de fundo do seu comentário. A grande utilidade do seu comentário é que admite que a burrice existe. Com certeza que concorda que a burrice, além de derivar da ignorância, também poderá derivar da falta de inteligência, ou seja, de um pobre uso da racionalidade. Assim, admite que a razão existe e que é própria do ser humano. Ora, é exactamente por este facto que o Direito Natural existe, e que os seus valores existem por si próprios enquanto inerentes ao ser humano, enquanto ser racional. E, por isso, não há que fazer nenhuma tentativa para estabelecer os valores do Direito Natural. Simplificando, com um exemplo: porque é o valor da Vida o mais importante no Direito Natural? Porque se todos os seres humanos estiverem mortos, deixa de haver Direito (Natural). Porque é o valor da Vida mais importante do que o da Liberdade. Porque quem está morto não pode exercer qualquer tipo de liberdade. O Direito Natural assenta na Razão Natural, que por sua vez assenta no ser humano (que é um ser racional). É algo que assenta na Realidade. Não há necessidade de estabelecer o que quer que seja.           manuel santos > Perspectiva: O que o seu comentário revela é que a visão do mundo está no olho de quem o vê. V. Exa. assumiu que eu estava a reportar-me a um Conceito Essencial de Burrice quando disse, com toda a propriedade, que o dr. Espada é um burro. Mas não. Estava apenas a dar uma opinião. Uma opinião que não carece de um conceito a priori de Burrice, mas que pode simplesmente exprimir aquela que é a minha ideia, de entre muitas ideias possíveis, de burrice. O problema de acreditar numa Verdade Fundamental das Cousas é muitas vezes esse, que V.Exa. tão bem exemplificou: o mais das vezes, quem acredita no direito natural só consegue ver as coisas pelo seu próprio canudo. Apesar do meu comentário ter sido apagado, não posso deixar de exprimir novamente o meu espanto por uma pessoa que diz as mesmas banalidades todas as semanas (a democracia é boa, devíamos ser mais como o Churchill e os britânicos, gosto muito de Karl Popper) continuar a ser paga anos a fio. Quem é que lê este pateta?           S Belo > manuel santos: "Quem lê este pateta"  e lhe responde parece-me ser, entre outros, o Sr Manuel Santos.

Nenhum comentário: