Sobre um procedimento ambíguo de um ambicioso à deriva,
que encontrou a sua corte, hélas!
A política sem conflito
O que é o “centro”? Na ausência de
qualquer caracterização política digna desse nome, só há uma definição
possível: é ele. É ele o “centro”, a existência da sua própria pessoa, que
englobaria a do PSD
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 25 nov 2021
Procuro, em geral, não me repetir.
Variar de assunto. Falar de coisas diferentes. Não me armar em especialista. Sobretudo em matérias
nas quais o meu conhecimento não difere em sofisticação do cidadão comum, que
são quase todas. E, em política, não afectar paixões excessivas, sejam ódios ou
amores, como quem usa as palavras para excitar em si, entusiasmado, convicções
à prova de bala. Mas a verdade é que, com estas precauções todas, às vezes –
poucas, graças a Deus -, deixo-me apanhar por um assunto ou outro. Desta vez é Rui Rio.
Confesso
que não o percebo, por mais que
tente o velho truque de me pôr, num exercício de simpatia, no lugar do outro.
“Não o percebo” quer aqui dizer: não percebo o lugar em que ele se
coloca. Tento, mas, por mais que a
imaginação se empenhe, sinto-me no vazio. Como se a sua identidade não
fosse capturável através da descrição de um ponto de vista sobre a sociedade
portuguesa, mas apenas por meio da afirmação pura e simples da sua identidade
pessoal, invariavelmente apresentada como magnífica e excelsa. Fora disso,
não consigo encontrar nada: uma visão, um projecto, uma identidade que não seja
apenas uma afirmação do Eu, mas algo corporizado num sistema de ideias, boas ou más, que iluminem um
bocadinho o mundo através do lugar onde está.
Esse
lugar, ele define-o orgulhosamente como o “centro”. E no outro dia, na Madeira, lá voltou a expô-lo pela
milésima vez. O PSD, disse ele, é “um partido de centro”. Não disse,
notem, um partido “moderado”, que significaria, com propriedade, uma recusa
de extremismos, de que se podem dar variados exemplos: disse “centro”. O
que é o “centro”? Na ausência de qualquer caracterização política digna desse
nome, só há uma definição possível: é ele. É ele o “centro”. Recusando, aparentemente, qualquer necessidade
de oferecer um conteúdo político substantivo a esse lugar, define-o
apenas e unicamente pela existência da sua própria pessoa, que englobaria a do
PSD. Ficamos, assim, apenas a saber que o centro, de acordo com a sua
identidade inabalável, é virtuoso.
A
partir desse lugar, um significado político vazio, disparou na Madeira contra
os seus adversários políticos internos, presumivelmente descentrados, isto é,
diversos dele. O que não deixa de ser curioso para quem declarou altaneiramente
que se absteria de participar no debate interno com Rangel para se dedicar
unicamente ao combate a António Costa.
Não vou comentar o que, mesmo aos olhos mais desprevenidos, foi esse combate
nos últimos anos: com a maior das boas vontades, foi o mais invisível
que imaginar se possa. Em
contrapartida, vale a pena reparar que, na frente interna, onde sente a sua
identidade pessoal ameaçada, cultiva o conflito permanente, e mais ainda, se
possível, desde que se declarou indisposto a conceder-lhe qualquer atenção.
Os
descentrados, vistos por ele, só sabem “dizer mal” de Costa. Esta expressão é significativa. Criticar é, para
Rui Rio, “dizer mal”. Esta redução da crítica à maledicência – curiosamente
reminiscente de José Sócrates – é esclarecedora. A maledicência dirige-se às pessoas,
não às ideias e às políticas. No fundo, é o Eu de novo a falar, o Eu que se
sente atacado. Por interposta figura de Costa, é dele que “dizem mal”. E, com
efeito, a partir de um lugar vazio, despido de visão e projecto, que pode ser
atacado senão o Eu? O
psicodrama substitui em permanência o conflito político, essencialmente
desordeiro, e, portanto, a seus olhos aberrante. Costa, é claro, agradece, até porque, do fundo do seu
próprio vazio de ideias, é a política, concebida como puro exercício de conquista
e manutenção do poder, a única coisa que lhe interessa. Um líder da oposição que vive num psicodrama permanente
dá-lhe todo o espaço e mais algum para fazer o que quer e sabe fazer. Não admira que os costistas não lhe poupem
elogios, que Rio recebe com evidente prazer. É do PS, no fundo, que ele quer o
amor: “tenho ouvido muita gente do PS a dizer que se for eu o candidato do PSD
não vota no PS e vota no PSD”. Que doce ilusão!
A
recusa da política como conflito de ideias e projectos, que o lugar vazio do
“centro” epitomiza, não é algo de próprio a Rio. É qualquer coisa que vem de muito atrás, de tempos
prévios à fundação da democracia e que, é verdade, teve sempre no PSD inúmeros
representantes, ainda hoje expondo a sua sabedoria na televisão, o mais das
vezes mansos e submissos. O conflito aterra-os, até porque risca abalá-los, e
essa recusa untuosa e vegetal integra a sua visão do mundo. Como diz
Dâmaso Salcede, numa cena memorável d’Os Maias: “Eu não quero problemas! Eu não
quero problemas!”. O suave acordo, quaisquer que sejam as circunstâncias,
é que é “chique a valer”. O que
torna Rui Rio singular, e que faz dele uma figura quase trágica, distinguindo-o
dessa gente que sobrevive a tudo, é esse desejo de acordo ser vivido
acompanhado por uma afirmação do Eu, que os outros, por receios sortidos, se
abstêm cuidadosamente de cultivar. No resto, é igual. A política, para ele, não
é conflito. A diferença é que o Eu, o detestável Eu, é. Pode ser trágico, e até
humanamente credor de compreensão. Mas politicamente é um desastre.
COMENTÁRIOS:
João Afonso : O centro político é o lugar da não existência, um
ponto infinitesimal que por ser "centro" é asséptico e desprovido de
veleidades ideológicas. A esquerda rotula todos os partidos de direita, mas
aqueles a quem permitem a subida ao poder, esses têm que se despir da ideologia
e fazer autos de fé. Rio é uma vergonha, bem como todos os que claudicam
perante a esquerda. Rio tem vergonha da direita, e
os eleitores da direita retribuem.
Joaquim Moreira: Aqui está uma reflexão que permite uma boa discussão!
Começando por dizer que é muito diferente a minha opinião. Que mais que
uma opinião é uma longa e profunda convicção. Sempre ouvi dizer que "os
políticos são todos iguais"! Mas sempre que aparece um que é diferente dos
"iguais", é contestado pela CS e pelos inteligentes em geral,
incluindo muitos intelectuais! Na verdade, Rui Rio não é um político normal,
muito menos excepcional. É um estadista, coisa rara em Portugal. Sendo
que baseio esta convicção, nesta velha afirmação, que, infelizmente, não chegou
a ser tradição: o político está sempre e só preocupado com as próximas
eleições, enquanto o estadista está preocupado com o futuro das próximas
gerações. Portanto, como simples cidadão e não filósofo social,
estou muito mais preocupado com o interesse nacional, do com a política com
arena para o conflito, mais ou menos virtual! Na verdade, muitas vezes o
conflito, é apenas a antecâmara de quem dá o dito por não dito. Mas não posso
terminar, sem opinar sobre o "centro" de que o Paulo Tunhas está a
falar. E para não me alongar, vou deixar uma pergunta para que me possa
elucidar. Qual é a diferença entre a política que Rui Rio defende para
melhorar a economia, e a que “a direita” defende, ainda que seja só na teoria? Não
sabe! Julguei que sabia!
Joaquim Almeida: Parabéns pelo esforço e sucesso de nos dar
este retrato apuradíssimo. Sem qualquer brilho, " le centre c'est moi
!" e pronto. Para fazermos a menor e mais simples ideia de
um conceito ideológico ou político alojado na cabeça de Rui Rio, que
nunca se explica, tenho de partir de pressuposições implícitas em coisa nenhuma
: essa criatura alguma vez pubicou uma entrevista ou um artigo de fundo
ideológico ?
josé maria: Agora pegou moda no Observador criticar os centristas.
Depois do insultuoso artigo de JMA, tinha que vir o Tunhas abanar a
cabeça...
Sá-Carneiro, Cavaco,Freitas do Amaral, esses malditos
centristas... Sérgio: RR em simultâneo com a nódoa
inócua das selfies foram, provavelmente, os melhores "ministros" de
chefe do gang nepotista e geringonços... Joaquim Almeida
> Sérgio: Alguma dúvida ? klaus muller: O
"centro" não será aquele lugar que leva com a fumaça da cozinha pelo
lado direito e com o cheiro do esgoto da casa de banho pelo lado esquerdo? José Miranda: Nem Rio , nem Rangel. Eu voto
Chega para pôr em cheque este Sistema , os seus próceres e os seus
beneficiários. Isto está mau de mais. pedro dragone: E o que é que é isso de
"centro", "direita", "esquerda" ??? Vale a pena
perder tempo e "queimar neurónios" a dissertar sobre conceitos
do Sec. 18, completamente obsoletos e a cheirar a mofo que apenas servem para
tribalizar a política??? Pobre Portugal. Li as primeiras linhas e parei. Porrada
no Rio tem sido o desporto favorito destas elites que vivem numa bolha,
alheados da realidade. Enfim!
Filipe Fernandes: Quase não há dia que passe sem
uma crónica anti-Rio. Os acólitos do PS devem deliciar-se. Aliados destes não
aparecem todos os dias. E depois, se estes cronistas tiverem ajudado a
eleger o Rangel, então está servido o banquete aos socialistas, porque o Costa
não vai perder a oportunidade de atacar o Rangel com o "Diz-me com quem
andas, dir-te-ei quem és".
Fernando E: Muito bem. Sempre pensei que o RR tivesse mais
qualidade, e tem-me desiludido cada vez mais. Foi à Madeira fazer campanha
interna, ao contrário do que disse antes. Rui Rio julga-se o centro do Mundo e
o depositário na terra dos valores da honestidade e da ética.Tem tiques de
autoritarismo e Deus nos livre de um dia sermos governados por este personagem.
É o estilo do quero, posso e mando. Não o vejo como homem com mundo e culto.
Tem como referência uma realidade de há 30-40 anos atrás . Será por isso
que recusou os debates com Paulo Rangel? No Porto chamava à cultura
“entretenimento”. Não se dá bem com jornalistas e a Comunicação Social. E
além de não ter feito oposição ao PS ( Cavaco Silva apontou a oposição como
“débil e sem rumo” ) e comportou-se de forma pouco recomendável quando percebeu
que o seu tempo terminou. Adeus , Rio. Já agora , sempre iremos ver como
reage à sua mais que previsível derrota no dia 27. José Manuel
Pereira: Excelente
crónica. Tristemente o Rio enganou muitos tempo demais... Albino Mulato: Tenho lido quase sempre com
prazer as suas crónicas, com excepções destas duas últimas, não por atacar
RRio, mas por revelar falta de consciência de que politicamente a frase com que
termina a actual crónica se ajusta perfeitamente a si. Continue a escrever e a
deliciar-nos com o que sabe. Antes
pelo contrário: O centro é um ponto imaginário. Algo equidistante e que não se
move. Em política, o imobilismo não tem qualquer interesse,
a não ser para quem queira viver num sistema feudal. Parece ser exactamente o que
pretende o Rui Rio. Todavia não é o que pretendem nem o Costa, nem mais
ninguém. Conclusão: Rui Rio está a mais, foi um erro de
"casting". Rangel é o contrário: é a circunferência. Quer rodar à volta do círculo,
equidistante do centro... Cisca Impllit > Antes pelo contrário:
De concêntrico -
nada me parece ter. Antes, pelo contrário, não é a visão dos outros, por mais
maldosa que tenham dele, que lhe tiram a perspicácia e o rumo. advoga diabo: E assim prossegue a agenda anti
Rio, que é como quem diz pró Rangel, desta feita via desconchavada análise
"filosófica". Se for preciso justificar o voto em Rio, é ler aqui o
vazio de razões para o fazer em Rangel!
joaquim zacarias
> advoga diabo: O teu apoio ao r.rio, só serve
para lhe retirar votos. Hipo
Tanso:
Prosa limpa, escorreita, clara como água, desenhando
um perfil humano que politicamente não serve um país. Nem tão-pouco um
partido... Ler Paulo Tunhas - um prazer. bento guerra: Política ao centro é de
"salvação". O que não nos dizem é se já estamos na fase de SOS. Eu
julgo que estamos e já há tempos. O conflito vem da realidade Cisca Impllit >
bento guerra: Sim, sim! Alemanha sem Angela
Merkel vai nos doer muito! Como sempre, os irresponsáveis de costume
gastam o que têm e o que não têm e, pronto, voltamos às vacas magras sem rumo
nem perdão. Mais vale com um psd não subserviente. Maria Nunes: Muito bem explicado PT. Rui
Rio, é para mim um enigma. Joaquim
Almeida > Maria Nunes: Pudera! Alguém conhece um
pensamento de R. R. sobre as grandes questões político-ideológicas dos nossos
dias? Carlos Quartel: Claro como água, um gosto de
ler. De facto a figura é complexa e quase incompreensível. Como foi possível
sobreviver tantos anos, mantendo-se à tona, sem denunciar o tremendo vazio do
seu pensamento. Não só há uma má formação democrática (considera uma perda
de tempo um PM dar satisfações num parlamento e os debates quinzenais uma
maçada), mas também tiques autoritários e uma tendência para o ataque
pessoal, de que acusa os outros. A sorte grande para qualquer governo, como
líder da oposição. Dos militantes do PSD depende muita coisa. Podem emendar o
erro e seguir em frente, ou podem contribuir para a eternização do PS no poder,
com o desvio previsível de, em poucos anos, governo e partido não se
distinguirem.
Uma nova União Nacional pode estar em fabricação, com
tendência a encher, quando as pessoas se aperceberem que o cartãozinho PS abre
muitas portas .... Américo
Silva: Lar, doce lar. Estava a ver que hoje não havia
homilia. Que susto. O PPD e o CDS foram esperança depois de Abril. Freitas do
Amaral revelou-se um oportunista pasta mole. Sá Carneiro desapareceu num
acidente cheio de irresponsabilidades, transformado em atentado, associado à
predação familiar. Uma desgraça. Agora atacam as novas tendências de Bruxelas:
inutilidade, burocracia, desvios vários. A esperança morreu. Joaquim Almeida > Américo Silva: "Agora atacam-nos..."
- não é ? Guerreiros
caem na Dinamarca mas lutam pela Europa.
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