Sobre um hoje sem esperança. De
Maria João Avillez.
Os empatas
Votar atrai hoje menos, constatação mais perigosa do
que parece. Não votar afasta, amolece, desresponsabiliza. Desenraíza o cidadão
do imperativo da cidadania. Votar dá-nos a legitimidade da exigência.
MARIA JOÃO AVILLEZ OBSERVADOR, 27 nov 2021
1Não
arrisco: apesar de faltarem poucas horas para que os votos escrevam o nome do
próximo presidente do PSD, sou incapaz de um prognóstico. Prognósticos só no
fim do jogo como dizia o outro (qual? já não lembro) além de que aprendi com o
dr. Soares que até ao lavar dos cestos é vindima, o que em política é
absolutamente verdade e o que não faltam são exemplos disso mesmo e recentes.
Passou de resto a haver como que uma “instalação” no sofá das sondagens como
instrumento único da percepção política. Transmitir uma sondagem passou
definitivamente a ser tomado pelo receptador como o selo de garantia sobre um
resultado, em detrimento seja do que for. Como por exemplo sobre essa
prosaica coisa que é a observação: da vida, do factor humano, dos
comportamentos, atitudes, gestos, vozes e de como tudo isso desaguará depois na
decisão política. Espanto-me sempre com o pouco caso que se faz daquilo que
está à nossa frente, se justamente bem observado.
Todo
este arrazoado um bocadinho enfastiante para dizer que não sendo de todo
indiferente quem venha a ganhar o PSD, há porém algo ainda menos indiferente.
Algo como uma cláusula definitiva posta num contrato e chama-se Portugal: o
país agradeceria libertar-se da prisão da cepa torta onde vegeta, embora o
actual poder político continuamente glorifique a cepa torta e a veja como um
triunfo com assinatura socialista. E
ou se percebe bem a importância fulcral da cláusula ou é quase indiferente quem
venha a presidir ao maior partido da oposição. Tem de haver algo de maior –
e alguém maior – do que as monocórdicas boas intenções e os vazios clichés
eleitorais. Alguém que em vez de abrir leques de promessas a eito, se decida e
dê a vida por um ou dois indispensáveis grandes propósitos. Reformar
o Estado, à cabeça. Uma façanha. Torná-lo menos voraz no seu apetite pelo nosso
dinheiro. Outra façanha. Um Estado que interfira menos e nos respeite mais,
terceira façanha. Aí, sim, já
teria valido a pena o voto no autor-concretizador das façanhas, fosse ele qual
fosse. Criar riqueza. Não se pode apenas correr só atrás da pobreza, é
imperioso atender ao pulmão da economia. Criar riqueza sim. E
também podia ser a Educação, a Justiça, tratadas como enteadas do poder vigente
mas uma e outra, temas quase lancinantes pelos quais valeria muito a pena que
houvesse quem soubesse como se bater.
2Nem
se pode subestimar que o voto atrai hoje menos eleitorado. Ou que em 2021 pouca juventude fora das fronteiras
partidárias avança alegre e convicta para uma secção de voto (constatação
mais perigosa do que parece). Não votar
afasta, amolece, desresponsabiliza. Desenraíza o
cidadão do imperativo da cidadania.
Votar confere a legitimidade da exigência. Não se pode continuar a confundir
anúncios de 20 ou 100 medidas supostas salvar a pátria, promessas genéricas de
benesses sociais falsamente sustentáveis com as tais duas ou três cruciais
escolhas que há que fazer – e há mesmo, repito –, sem as quais o
prometido não pode ser devido. Portugal
tem conhecido políticos lesivos – habilidade,
calculo e presunção em vez de visão,
destemor político e reformismo
– e líderes com o entendimento da boa
liderança. Só esses servem os países. Não há? Parece que não. Mas é como as
marés que sobem e descem, um dia voltará a haver, é da natureza das coisas.
3Uma
vez ocorreu-me que faria Sá Carneiro “disto”. Com a enorme independência de
espírito que me confere o não ser saudosista nem praticar o sebastianismo
(coitado do sebastianismo), às vezes dou comigo a pensar: e Sá
Carneiro, hoje? Mesmo dando
de barato que as circunstâncias do seu tempo e do nosso não autorizam nenhuma
espécie de comparação e desaconselham extrapolações pouco sérias, que faria
ele? Como agiria o fundador do PSD neste marasmo feito de empatas?
Alguma coisa faria. Talvez rompesse com o que está, talvez desinfectasse o ar
político do país de alguns dos seus nefastos vírus, talvez ateasse o fogo da
polémica quando separasse o trigo do joio. Talvez começasse por haver o
choro e ranger de dentes dos empatas. Uma coisa é certa: unia o centro e a direita e tomava conta deles. De todos, sim. E depois saberia bem por onde ir e
o que isso (lhe) custaria. E então também talvez pudesse começar de facto – e
de vez – outra história política. A única que valeria mesmo a pena que
começasse (estou a repetir-me: é de propósito).
4E mesmo que nada fique igual, após Janeiro de 2022, que surja uma variação menos assustadora do “mais do mesmo” que vigorou durante seis ou sete anos, os actores-decisores serão hélas, previsivelmente os mesmos empatas. Os que têm fechado o oxigénio do país, sonegado as vitaminas do seu crescimento, impossibilitado ambições e vetando futuros. E os que têm pactuado com isso ou têm escolhido não desagradar ao poder (são tantos, santo Deus).
É isso: que fariam hoje os líderes políticos que o país respeitou
e em quem confiou?
Nenhum comentário:
Postar um comentário