Boa síntese, não há dúvida, esta de MJA. Nunca poderemos dizer: ”O que passou, passou!” Porque os seus
reflexos são inúmeros sobre o que se virá a passar, como barreira de arame
farpado, posta em círculo, em obstáculo educativo inamovível, em redor de gentes
sem outras fronteiras que o seu próprio ego. E cada vez será pior, é certo.
Porque entretanto, o ensino e a educação foram regredindo, e nunca os que hoje querem
ser dirigentes, dos tais partidos de centro-direita em que nos revíamos, quando
tudo começou, esmagados que fôramos pelas forças que se despromoveram e despromoveram
a história do seu país, revelarão uma consciência como a desses virtuosos
iniciais. É vê-los hoje, esses do centro-direita, perfeitamente envolvidos em questiúnculas
pessoais, e jamais pensando na recuperação de um país decididamente afundado e
de mão estendida… Exactamente como os que se aplicaram e continuam no poder
hoje, remexidamente, como o tal lagarto descrito por Álvaro de Campos...
Desta vez é ainda mais sério (em política há
sempre pior)
Que dizer do execrável arremesso do insulto e da
agressiva menorização como argumentos políticos contra uma parte do país,
enquanto permanentemente a outra se auto-glorifica?
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 11
nov 2021
1Não
são favas contadas. Nem se sabe se os deuses deixarão a mudança escrita nos
astros. Não o digo pelas sondagens habitualmente e persistentemente hostis para
o “open air” à direita do sempre por elas mimado PS, com os resultados que se
sabem. Digo-o usando apenas o instrumento político da racionalidade. Havia por
isso que dispensar certos empolgamentos nalguns círculos da direita quanto a um
regresso ao poder, mas eu gostaria mais de ouvir dizer um regresso ao “país”. Ao cuidar do país. Ao que é preciso fazer dele e
para ele. Para não sermos submersos por uma espécie de lava como a do vulcão
das Canárias e então, mão estendida para nova humilhação nacional e
internacional. Já aqui o escrevi e se volto a dizê-lo agora é porque
qualquer dia, aqui d’el rei… Há poucos países hoje na “Europa” com
futuro mais incerto e chão menos seguro debaixo dos pés. Não por estarmos quase
em último lugar na tabela de vinte e sete pátrias, mas por se manterem
quietamente irresolvidas as razões “disso”: aquelas, estruturais, que nos
atiram inabalavelmente para tão vexatório lugar.
2Não
estou certa do êxito da indesejada trapalhada em que estamos. Às vezes chamo-lhe mesmo desastre que
é o que na verdade a trapalhada pode vir a ser. Houve quem festejasse com
jubilo o ter-se chegado aqui, com datas e prazos engolidos pelos partidos e uma
dissolução parlamentar aceite pela maioria do Conselho Estado: o que se
conseguiu de melhor para andar para a frente deixando o Chefe do Estado de fora
do enredo da trapalhada. E é assim que, após termos assistido a
sobressaltados episódios públicos que deixaram o PSD ferido de asa; visto os
dois doentios bandos do CDS a digladiarem-se na montra do país; percepcionado o
calvário eleitoral que se anuncia na extrema esquerda ou testemunhado um António
Costa, manso e humilde de coração, vamos ter uma grande estreia: árvores de
Natal coabitando com cartazes, luzes e enfeites com faixas partidárias. Festejos
de fim ano (para quem ache que o estado do mundo e das coisas convoca o
festejo) envoltos em debates, entrevistas, programas eleitorais, ruído,
mensagens, elogios, insultos, ilusões, e tutti quanti que apressadamente
entrarão de novo em cena, tão pouco tempo depois de terem saído: 26 de Setembro
foi ontem. (Não, não sou obviamente contra eleições, o que me parece é que não
era bem, como dizer?, o tempo delas, fazem lembrar a fruta quando se prova
ainda verde.)
3De
modo que o nosso pequenino rectângulo vai estar fastidioso.
Paciência, está feito. O Presidente da República auto excluiu-se do turbilhão
da trapalhada – apesar de não se esquecer que foi porém ele a primeira
pessoa no país a pronunciar o substantivo “eleições”. Fê-lo por bem, explicaram
os “seus”. Era indispensável domesticar o ímpeto do veto da extrema-esquerda
radical no Orçamento de Estado através do medo de algo pior: se não votam, há
urnas. Não surtiu efeito – haverá eleições — do mesmo modo que esta chamada
eleitoral pode igualmente não vir a ter o efeito que o PR ansiaria.
Gostava
de estar redondamente enganada e não só por ele.
4O
chão político está assim semeado ao centro e à direita por dúvidas que formulo
sob a forma de perguntas ainda sem destinatário certo. Habituada a encarar a
política como uma grande fornecedora de surpresa não aposto no nome do futuro
líder social-democrata. Uma coisa é concluir — de fora - que A é mais
adequado ou mais preparado que B; outra, o sentimento intimo de um militante
impelido a escolher entre quem já está ou quem quer vir a estar. Mais difícil
dizê-lo do que fazê-lo.
E
no entanto… pôr uma cruz na sigla de um partido é apenas o primeiro acto
do que pode vir a ser uma grande história, em caso de vitória: o segundo
acto será sério e a sério.
Por
exemplo: percebem o centro e a direita a dimensão dos flagelos de diferente
natureza que desta vez afligem o país? Desta vez – que não se parece com 2011 –
as dificuldades estão para além da saúde económica do país porque desta vez é
preciso cuidar de um país que perdeu parte da sua alma, alguns dos seus
valores, bastante da sua energia e muito sua capacidade de resposta a um
corrosivo estado de coisas, social, político, moral, civilizacional. Vai ser
preciso ainda maior resiliência para decidir, fazer, escolher, substituir,
avançar, melhorar. Porque desta vez vai ser preciso MUDAR. Com maiúsculas.
Mudar
a pátria sim – e não
forçosamente apenas por causa da inflação, baixos salários, espantalho de crise
económica internacional e não seria pouco – mas porque ela está doente.
Exemplos eloquentes: condicionamentos como lei e para todas as ocasiões: desde a obrigação de pensar segundo uma importada cartilha
social e politicamente correcta à imposição da vergonha pelo nosso
passado, passando pela revisão da história segundos os cânones do momento e do
“cancelamento”; pelo Estado usurpar a liberdade de educação dos pais aos filhos
até limites inimagináveis; pulverização da família enquanto peça estrutural da
civilização que nos foi berço e formação; pela orientação sexual usada na
lapela como um trunfo, pela morte que já se pode encomendar. Para não evocar a
intromissão nas já poucas instituições e organismos independentes do poder
político, as nomeações de boys impreparados para lugares destinados à
salvaguarda dos desprotegidos – estou a pensar por exemplo e no que se passa
com grande eficácia na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; ou dessa distorção
herdada de um Abril de 74 mal interpretado que é o sistemático passar ao lado
dos deveres, trocando-os pela sempre abusiva prática dos direitos. Tudo isto e
mais ainda o persistentemente execrável arremesso do insulto e da agressiva
menorização como argumentos políticos usados contra uma parte do país, enquanto
permanentemente a outra se auto glorifica.
5E as narrativas? As sulfúricas narrativas com que as esquerdas
insistem em rever e reescrever o que ocorreu entre 2011/2015 em Portugal
(omitindo prudentemente que foram os “maus” que ganharam de novo as eleições
quatro anos depois, não sendo evidentemente senão por causa disso que ainda (!)
os denigram a toda a hora).
Ou seja: estarão militantes,
simpatizantes, eleitores, conscientes que têm de se “armar” para as mentiras
que aí vêm remetidas com a sobranceria do costume? A chuva de falsas narrativas e falaciosas “certezas”
que desabará sobre o centro e a direita? Dos números e gráficos,
intencionalmente manipulados que serão brandidos em ruas e écrans para
desfeitear metade do país com inverdades? Exagero? Nem um bocadinho, foi o que
vi e ouvi durante os anos da defunta geringonça mas que agora será devidamente
repisado – e ampliado! – na sua falsificação.
Não,
não exagero. Antecipo. E por isso previno.
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