HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A
BEM DA NAÇÃO, 01.11.21
Invocar
todos os Santos duma só vez, exige por certo um grande poder de síntese fazendo
incluir todos numa só prece.
Não
partilhando de opções colectivistas nem de preces à molhada, fico-me pelo meu
onomástico, Santo Henrique.
E qual não foi o meu espanto quando, há anos, procurei saber de quem se tratava
e… em vez de um, encontrei dois Santos com o meu nome.
De memória, cito que um deles se
distinguiu pelo bem que praticou e o outro, pasme-se, pelo mal que fez a gente
de bem.
Então,
terá sido mais ou menos assim:
O primeiro do nome foi
«Imperador» na Alemanha e
ter-se-á distinguido pela boa governança, pela boa justiça que administrou,
pela protecção dos desvalidos;
O segundo, também alemão,
foi cruzado e, embarcando
no norte da Alemanha, rumou a Sul até que, passando pelo Porto, se
integrou na frota que zarpava para a conquista de Lisboa aos mouros que,
afinal, eram maioritariamente cristãos moçárabes e que ele ajudou a chacinar
até que alguém o trespassou. Jaz algures no cemitério dos teutões sob a igreja
de S. Vicente de Fora.
A propósito, como seria culturalmente interessante estudar a exegese
e os ritos moçárabes, os quais eram herdeiros dos homólogos visigóticos.
Com
ironia, pergunto-me se nas veias deste Santo Henrique ainda correria sangue de
algum seu antepassado visigodo. Mas a história deve então ter sido contada de
outro modo e ele foi mesmo canonizado. E os que ele matou?
Amanhã, Dia de Finados,
vou lembrar-me dos cristãos martirizados na conquista de Lisboa, moçárabes.
Lisboa,
1 de Novembro de 2021
NOTAS DA INTERNET:
I -Os moçárabes
Os moçárabes eram os cristãos que permaneceram com os árabes
continuando com a sua administração e governo, vivendo em bairros separados. A sua condição legal foi agravada a partir dos reinos
da taifa e ainda mais com os Almorávidas,
sendo objecto de perseguições por parte de
Abderramão II. Os Almóadas foram ainda mais intolerantes com estas comunidades, demolindo
igrejas cristãs e expulsando os moçárabes, sobretudo os de Marrocos,
que se refugiaram em Castela. À medida que as conquistas cristãs
avançavam, a vida dos moçárabes nos territórios muçulmanos tornava-se mais
difícil, levando-os a refugiarem-se em praças cristãs.
O Norte e o Sul da Península Ibérica,
separados pela Meseta Central, para além de um relacionamento natural mútuo,
mantêm contactos com zonas afins, numa corrente migratória constante que acabou
por acentuar dependências étnicas e civilizacionais. Enquanto que o Norte, desde muito cedo, se liga
à Galiza, o Sul prolonga-se para a África do
Norte e, de uma maneira geral, para as rotas do mar interior. A partir do século IV d. C., as estruturas políticas
do Império Romano começam a desvanecer-se
e as funções urbanas são completamente reorganizadas por mercadores de origem
oriental, criando novos polos de atração, em detrimento da antiga cidade do
poder romano. Esta nova
reorganização traz uma nova dinâmica
social e económica a Lisboa e Coimbra e esvazia as
antigas cidades de Scalabis e Conímbriga. Começam a esboçar-se os mecanismos de uma autarcia urbana, cuja
tradição se perde no Mediterrâneo e que irá atingir o seu apogeu na época islâmica.
São estas comunidades urbanas,
islamizadas desde muito cedo, que irão introduzir a nova religião muçulmana,
que afinal é a que melhor se molda aos seus interesses internacionais e aos
circuitos de mercados.
A
grande massa humana que enche as ruas das cidades é formada, na sua maioria,
por uma diversidade de mercadores, artesãos e antigos camponeses que passaram a
hortelãos-jardineiros, vindos dos locais mais diversos e de diferentes etnias.
As ruas e bairros encontravam-se organizados em comunidades, sendo estas as
responsáveis pelo carácter único da cidade mediterrânica. São cristãos
moçárabes, são cristãos de culto oriental, são judeus ortodoxos ou já
convertidos, são sírios, alexandrinos, sicilianos ou malteses de culto
muçulmano que participam com regularidade nos ritos e festividades da sua
paróquia. No decorrer
do século VIII, quando surgem os primeiros sintomas de arabização no
Garb-al-Andaluz, em quase toda a Península Ibérica falava-se o latim.
No entanto, o crescente prestígio
árabe e o simultâneo enfraquecimento das autoridades eclesiásticas levam a uma
imposição gradual no mundo urbano da nova língua. Até há bem pouco tempo, considerava-se que a ocupação em massa da Península Ibérica pelos exércitos
árabes, iemenitas, sírios e berberes tinha contribuído para uma rápida
imposição da lei de Maomé, através de massacres ou empurrando
para Norte os cristãos. Hoje, pelo contrário, dá-se pouca importância à
contribuição das forças militares na islamização do Andaluz, salientando-se
o contributo dos caminhos e rotas do comércio oriental no estabelecimento da
religião muçulmana, que foi, no entanto, de progressão lenta e gradual. Só nos
finais do século X os muçulmanos terão ultrapassado mais de metade de toda a
população andaluza. Se até
meados do século X a maioria da população andaluza era não muçulmana, e a
comunidade judaica não excedia as 10 mil pessoas, é fácil concluir da
importância e da extensão do fenómeno moçárabe na história andaluza. Do
ponto de vista religioso, interessa destacar duas facetas principais: a ortodoxia urbana, exacerbada no choque ideológico
com o adversário, e, por outro lado, uma proliferação de cultos regionais,
arreigados num meio rural ainda mal cristianizado e votado ao abandono pela
Igreja, que perdera o poder secular. Nas
grandes extensões interurbanas, onde se tinham enraizado os dialetos moçárabes,
permaneceu também uma pesada tradição cristã, na sua vertente mais profunda,
isto é, o culto dos mortos. Existiam
cultos regionais em que era notória a sacralização cristã dos sítios e locais
anteriormente habitados por outros deuses. Existiam pequenos mosteiros
instalados em antigas villae romanas afastadas dos grandes centros
urbanos. A velha Igreja visigótica, adaptando-se à nova
ordem, dispersa-se por alguns poderosos bispados que, durante séculos, vão ser
os mediadores das comunidades moçárabes no diálogo com os alcaides e
autoridades muçulmanas. Contestando
um justificado isolamento perante as outras igrejas cristãs e o papado, em 924
o Papa João
X enviou um representante à Espanha muçulmana,
que reconheceu a ortodoxia e a legitimidade cristã da liturgia visigótica
preservada pelos moçárabes. Num
outro sentido, existem notícias de outro
tipo de simbioses e integração no mundo muçulmano. O monge João de Gorze, embaixador em Córdova de
Otão, o Grande, em meados do século X, constata que os cristãos do al-Andaluz
não comiam carne de porco. Tudo indica que no Garb-al-Andaluz, a proporção de
moçárabes no seio das populações urbanas era bastante elevada, à imagem do que
se passava no al-Andaluz. E em Coimbra a sua presença era largamente
maioritária, embora o seu culto em nada se assemelhasse àquele que os bispos do
Norte impuseram depois de ocupar a cidade, em 1064. Nesta altura, durante os confrontos e as negociações
para entregar a cidade, os
moçárabes foram apelidados de traidores por se terem posto ao lado dos
muçulmanos. Os confrontos serão ainda mais exacerbados quando o
Concílio de Burgos, em 1080, abule o rito moçárabe. Os conflitos irão reacender-se ciclicamente até se
tornarem nas revoltas generalizadas de 1111. As
comunidades moçárabes eram também bastante poderosas nas cidades do Algarve,
que eram geridas por famílias locais. A capital da região é referida no século
XI como "Santa Maria",
denominação que evidencia a presença poderosa de uma comunidade cristã. No extremo da terra, sobre o promontório sagrado
dos antigos, encontrava-se a igreja do Corvo (Vila do Bispo), citada pelos cronistas árabes como símbolo do moçarabismo ocidental. O Islão,
última grande civilização mediterrânica, com todos os seus saberes milenares e
culturais, foi não só o transmissor do
mundo clássico para os tempos modernos, mas também o agente activo de uma
síntese artística e estética inovadora, ainda hoje dominante nos países
muçulmanos, e marcou durante vários séculos a produção artística do Ocidente em
geral e da Península Ibérica em particular. Os
melhores exemplos desta produção artística podem, ainda hoje, ser admirados no
Sul de Espanha.
II - Cerco de Lisboa (1147)
O Cerco
de Lisboa teve início a 1 de julho de 1147
e durou até 21 de outubro,
integrou a Reconquista cristã da Península Ibérica,
culminando na conquista desta cidade
aos mouros pelas forças de D. Afonso Henriques (1112
- 1185) com o auxílio dos Cruzados que se
dirigiam para o Médio Oriente,
mais propriamente para a Terra Santa. Foi o único sucesso da Segunda Cruzada.
Após a queda
de Edessa,
em 1144, o Papa Eugénio III convocou
uma nova cruzada para 1145 e 1146. O Papa ainda autorizou uma cruzada para a Península
Ibérica, embora esta fosse uma guerra desgastante de já vários séculos, desde
a derrota dos Mouros em Covadonga,
em 718.
Nos primeiros meses da Primeira Cruzada em 1095, já o Papa Urbano
II teria pedido
aos cruzados ibéricos (futuros Portugueses, Castelhanos, Leoneses,
Aragoneses, etc.) que permanecessem na sua terra, já que a sua própria guerra
era considerada tão valente como a dos Cruzados em direcção a Jerusalém. Eugénio
reiterou a decisão, autorizando Marselha, Pisa, Génova e outras grandes cidades
mediterrânicas a participar na guerra da
Reconquista.
A 19 de maio zarparam
os primeiros contingentes de Cruzados de Dartmouth, Inglaterra,
constituídos por flamengos, normandos, ingleses, escoceses e alguns cruzados germanos. Segundo Odo de Deuil,
perfaziam no total 164 navios — valor este provavelmente aumentado progressivamente
até à chegada a Portugal. Durante esta parte da cruzada, não foram comandados
por nenhum príncipe ou rei; a Inglaterra estava em pleno período d'A Anarquia. Assim, a frota era dirigida
por Arnold III de Aerschot (sobrinho
de Godofredo de Louvaina), Christian de Ghistelles, Henry Glanville (condestável de Suffolk), Simon de Dover, Andrew de Londres, e Saher de Archelle.
A armada chegou à cidade do Porto a 16 de junho, sendo convencidos pelo bispo do
Porto, Pedro II Pitões, a tomarem parte nessa operação militar. Após a
conquista de Santarém (1147), sabendo da disponibilidade dos Cruzados em ajudar, as
forças de D. Afonso Henriques
prosseguiram para o Sul, sobre Lisboa.
As forças portuguesas avançaram por
terra, as dos cruzados por mar, penetrando na foz do rio Tejo; em junho desse mesmo ano, ambas
as forças estavam reunidas, ferindo-se as primeiras escaramuças nos arrabaldes
a Oeste da colina sobre a qual se erguia a cidade de então, hoje a chamada Baixa. Após violentos combates, tanto esse arrabalde, como o
a Leste, foram dominados pelos cristãos, impondo-se dessa forma o cerco à
opulenta cidade mercantil.
Bem
defendidos, os muros da cidade mostraram-se inexpugnáveis. As semanas se
passavam em surtidas dos sitiados, enquanto as máquinas de guerra dos sitiantes
lançavam toda a sorte de projéteis sobre os defensores, o número de mortos e
feridos aumentando de parte a parte.
No início de outubro, os trabalhos de
sapa sob o alicerce da muralha tiveram sucesso em fazer cair um troço dela,
abrindo uma brecha por onde os sitiantes se lançaram, denodadamente defendida
pelos defensores. Por essa altura, uma torre de madeira construída pelos
sitiantes foi aproximada da muralha, permitindo o acesso ao adarve. Diante
dessa situação, na iminência de um assalto cristão em duas frentes, os
muçulmanos, enfraquecidos pelas escaramuças, pela fome e pelas doenças,
capitularam a 20 de outubro.
Entretanto,
somente no dia seguinte, o soberano e suas forças entrariam na cidade, sendo
saqueada pelos cruzados.
Decorrente
deste cerco surgem os episódios
lendários de Martim Moniz, que teria perecido pela vitória dos cristãos, e da
ainda mais lendária batalha de Sacavém.
Alguns
dos cruzados estabeleceram-se na cidade, de entre os quais se destaca Gilbert de Hastings,
eleito bispo de Lisboa.
Após
a rendição, uma epidemia de peste assolou a região fazendo milhares de vitimas
entre a população.
Lisboa tornar-se-ia a capital
de Portugal em 1255.
Os cruzados na conquista de Lisboa (1147)
“ |
Ora
como tivéssemos chegado ao Porto, o bispo com seus clérigos veio ao nosso
encontro. O rei achava-se então ausente com o seu exército, lutando contra os
mouros. Feitas a todos as saudações conforme o costume da sua gente,
disse-nos o bispo que já sabia que nós havíamos de chegar, e na véspera
recebera do rei uma carta, em que se dizia isto: «Afonso,
rei de Portugal, a Pedro, bispo do Porto, saúde. Se porventura arribarem aí
os navios dos Francos, recebei-os diligentemente com toda a benignidade e
doçura e, conforme o pacto que com eles fizerdes de ficarem comigo, vós e
quantos o quiserem fazer, como garantia da combinação feita, vinde em sua
companhia a ter comigo, junto de Lisboa. Adeus !» Carta do cruzado inglês Osberno (séc. XII) |
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