terça-feira, 2 de novembro de 2021

Terra nostra


Em honra do cruzado Henrique que se integrou na frota que ajudou na conquista de Lisboa, ao que nos conta o Dr. Salles, que também é Henrique, como foi o nosso primeiro rei (o es puro patronímico, pois que filho do conde Henrique), também o foi o Infante iniciador da gesta marítima, tudo gente ilustre, mais um que foi rei e cardeal, coitado, tio-avô dum tal Sebastião para sempre desejado, com a extinção daqueles antecessores de nome germânico que puseram pé nesta terra, tão pouco batalhadora, hoje, pelo menos na ambição da conquista pessoal, exigente de esforço por mérito próprio.

Mas o texto do Dr. Salles fez lembrar velhos conhecimentos aligeirados, e mais uma vez recorri à Internet, que os traduz com inúmeros dados adicionais que gostei de recolher – hoje, dia dos “Fiéis Defuntos”, a seguir ao de “Todos os Santos” da sua busca, como sempre despertadora de curiosidades.

NO DIA DE TODOS OS SANTOS

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  01.11.21

Invocar todos os Santos duma só vez, exige por certo um grande poder de síntese fazendo incluir todos numa só prece.

Não partilhando de opções colectivistas nem de preces à molhada, fico-me pelo meu onomástico, Santo Henrique. E qual não foi o meu espanto quando, há anos, procurei saber de quem se tratava e… em vez de um, encontrei dois Santos com o meu nome.

De memória, cito que um deles se distinguiu pelo bem que praticou e o outro, pasme-se, pelo mal que fez a gente de bem.

Então, terá sido mais ou menos assim:

O primeiro do nome foi «Imperador» na Alemanha e ter-se-á distinguido pela boa governança, pela boa justiça que administrou, pela protecção dos desvalidos;

O segundo, também alemão, foi cruzado e, embarcando no norte da Alemanha, rumou a Sul até que, passando pelo Porto, se integrou na frota que zarpava para a conquista de Lisboa aos mouros que, afinal, eram maioritariamente cristãos moçárabes e que ele ajudou a chacinar até que alguém o trespassou. Jaz algures no cemitério dos teutões sob a igreja de S. Vicente de Fora.

A propósito, como seria culturalmente interessante estudar a exegese e os ritos moçárabes, os quais eram herdeiros dos homólogos visigóticos.

Com ironia, pergunto-me se nas veias deste Santo Henrique ainda correria sangue de algum seu antepassado visigodo. Mas a história deve então ter sido contada de outro modo e ele foi mesmo canonizado. E os que ele matou?

Amanhã, Dia de Finados, vou lembrar-me dos cristãos martirizados na conquista de Lisboa, moçárabes.

Lisboa, 1 de Novembro de 2021

NOTAS DA INTERNET:

I -Os moçárabes

Os moçárabes eram os cristãos que permaneceram com os árabes continuando com a sua administração e governo, vivendo em bairros separados. A sua condição legal foi agravada a partir dos reinos da taifa e ainda mais com os Almorávidas, sendo objecto de perseguições por parte de Abderramão II. Os Almóadas foram ainda mais intolerantes com estas comunidades, demolindo igrejas cristãs e expulsando os moçárabes, sobretudo os de Marrocos, que se refugiaram em Castela. À medida que as conquistas cristãs avançavam, a vida dos moçárabes nos territórios muçulmanos tornava-se mais difícil, levando-os a refugiarem-se em praças cristãs.

O Norte e o Sul da Península Ibérica, separados pela Meseta Central, para além de um relacionamento natural mútuo, mantêm contactos com zonas afins, numa corrente migratória constante que acabou por acentuar dependências étnicas e civilizacionais. Enquanto que o Norte, desde muito cedo, se liga à Galiza, o Sul prolonga-se para a África do Norte e, de uma maneira geral, para as rotas do mar interior. A partir do século IV d. C., as estruturas políticas do Império Romano começam a desvanecer-se e as funções urbanas são completamente reorganizadas por mercadores de origem oriental, criando novos polos de atração, em detrimento da antiga cidade do poder romano. Esta nova reorganização traz uma nova dinâmica social e económica a Lisboa e Coimbra e esvazia as antigas cidades de Scalabis e Conímbriga. Começam a esboçar-se os mecanismos de uma autarcia urbana, cuja tradição se perde no Mediterrâneo e que irá atingir o seu apogeu na época islâmica. São estas comunidades urbanas, islamizadas desde muito cedo, que irão introduzir a nova religião muçulmana, que afinal é a que melhor se molda aos seus interesses internacionais e aos circuitos de mercados.

A grande massa humana que enche as ruas das cidades é formada, na sua maioria, por uma diversidade de mercadores, artesãos e antigos camponeses que passaram a hortelãos-jardineiros, vindos dos locais mais diversos e de diferentes etnias. As ruas e bairros encontravam-se organizados em comunidades, sendo estas as responsáveis pelo carácter único da cidade mediterrânica. São cristãos moçárabes, são cristãos de culto oriental, são judeus ortodoxos ou já convertidos, são sírios, alexandrinos, sicilianos ou malteses de culto muçulmano que participam com regularidade nos ritos e festividades da sua paróquia. No decorrer do século VIII, quando surgem os primeiros sintomas de arabização no Garb-al-Andaluz, em quase toda a Península Ibérica falava-se o latim. No entanto, o crescente prestígio árabe e o simultâneo enfraquecimento das autoridades eclesiásticas levam a uma imposição gradual no mundo urbano da nova língua. Até há bem pouco tempo, considerava-se que a ocupação em massa da Península Ibérica pelos exércitos árabes, iemenitas, sírios e berberes tinha contribuído para uma rápida imposição da lei de Maomé, através de massacres ou empurrando para Norte os cristãos. Hoje, pelo contrário, dá-se pouca importância à contribuição das forças militares na islamização do Andaluz, salientando-se o contributo dos caminhos e rotas do comércio oriental no estabelecimento da religião muçulmana, que foi, no entanto, de progressão lenta e gradual. Só nos finais do século X os muçulmanos terão ultrapassado mais de metade de toda a população andaluza. Se até meados do século X a maioria da população andaluza era não muçulmana, e a comunidade judaica não excedia as 10 mil pessoas, é fácil concluir da importância e da extensão do fenómeno moçárabe na história andaluza. Do ponto de vista religioso, interessa destacar duas facetas principais: a ortodoxia urbana, exacerbada no choque ideológico com o adversário, e, por outro lado, uma proliferação de cultos regionais, arreigados num meio rural ainda mal cristianizado e votado ao abandono pela Igreja, que perdera o poder secular. Nas grandes extensões interurbanas, onde se tinham enraizado os dialetos moçárabes, permaneceu também uma pesada tradição cristã, na sua vertente mais profunda, isto é, o culto dos mortos. Existiam cultos regionais em que era notória a sacralização cristã dos sítios e locais anteriormente habitados por outros deuses. Existiam pequenos mosteiros instalados em antigas villae romanas afastadas dos grandes centros urbanos. A velha Igreja visigótica, adaptando-se à nova ordem, dispersa-se por alguns poderosos bispados que, durante séculos, vão ser os mediadores das comunidades moçárabes no diálogo com os alcaides e autoridades muçulmanas. Contestando um justificado isolamento perante as outras igrejas cristãs e o papado, em 924 o Papa João X enviou um representante à Espanha muçulmana, que reconheceu a ortodoxia e a legitimidade cristã da liturgia visigótica preservada pelos moçárabes. Num outro sentido, existem notícias de outro tipo de simbioses e integração no mundo muçulmano. O monge João de Gorze, embaixador em Córdova de Otão, o Grande, em meados do século X, constata que os cristãos do al-Andaluz não comiam carne de porco. Tudo indica que no Garb-al-Andaluz, a proporção de moçárabes no seio das populações urbanas era bastante elevada, à imagem do que se passava no al-Andaluz. E em Coimbra a sua presença era largamente maioritária, embora o seu culto em nada se assemelhasse àquele que os bispos do Norte impuseram depois de ocupar a cidade, em 1064. Nesta altura, durante os confrontos e as negociações para entregar a cidade, os moçárabes foram apelidados de traidores por se terem posto ao lado dos muçulmanos. Os confrontos serão ainda mais exacerbados quando o Concílio de Burgos, em 1080, abule o rito moçárabe. Os conflitos irão reacender-se ciclicamente até se tornarem nas revoltas generalizadas de 1111. As comunidades moçárabes eram também bastante poderosas nas cidades do Algarve, que eram geridas por famílias locais. A capital da região é referida no século XI como "Santa Maria", denominação que evidencia a presença poderosa de uma comunidade cristã. No extremo da terra, sobre o promontório sagrado dos antigos, encontrava-se a igreja do Corvo (Vila do Bispo), citada pelos cronistas árabes como símbolo do moçarabismo ocidental. O Islão, última grande civilização mediterrânica, com todos os seus saberes milenares e culturais, foi não só o transmissor do mundo clássico para os tempos modernos, mas também o agente activo de uma síntese artística e estética inovadora, ainda hoje dominante nos países muçulmanos, e marcou durante vários séculos a produção artística do Ocidente em geral e da Península Ibérica em particular. Os melhores exemplos desta produção artística podem, ainda hoje, ser admirados no Sul de Espanha.

 

II - Cerco de Lisboa (1147)

O  Cerco de Lisboa  teve início a  1 de julho de 1147 e durou até  21 de outubro, integrou a Reconquista cristã da Península Ibérica, culminando na conquista desta cidade aos mouros pelas forças de D. Afonso Henriques (1112 - 1185) com o auxílio dos Cruzados que se dirigiam para o Médio Oriente, mais propriamente para a Terra Santa. Foi o único sucesso da Segunda Cruzada.

Após a queda de Edessa, em 1144,Papa Eugénio III convocou uma nova cruzada para 1145 e 1146. O Papa ainda autorizou uma cruzada para a Península Ibérica, embora esta fosse uma guerra desgastante de já vários séculos, desde a derrota dos Mouros em Covadonga, em 718. Nos primeiros meses da Primeira Cruzada em 1095, já o Papa Urbano II teria pedido aos cruzados ibéricos (futuros Portugueses, Castelhanos, Leoneses, Aragoneses, etc.) que permanecessem na sua terra, já que a sua própria guerra era considerada tão valente como a dos Cruzados em direcção a Jerusalém. Eugénio reiterou a decisão, autorizando MarselhaPisaGénova e outras grandes cidades mediterrânicas a participar na guerra da Reconquista.

19 de maio zarparam os primeiros contingentes de Cruzados de DartmouthInglaterra, constituídos por flamengosnormandosinglesesescoceses e alguns cruzados germanos. Segundo Odo de Deuil, perfaziam no total 164 navios — valor este provavelmente aumentado progressivamente até à chegada a Portugal. Durante esta parte da cruzada, não foram comandados por nenhum príncipe ou rei; a Inglaterra estava em pleno período d'A Anarquia. Assim, a frota era dirigida por Arnold III de Aerschot (sobrinho de Godofredo de Louvaina), Christian de GhistellesHenry Glanville  (condestável de Suffolk), Simon de DoverAndrew de Londres, e Saher de Archelle.

A armada chegou à cidade do Porto a 16 de junho, sendo convencidos pelo bispo do PortoPedro II Pitões, a tomarem parte nessa operação militar. Após a conquista de Santarém (1147), sabendo da disponibilidade dos Cruzados em ajudar, as forças de D. Afonso Henriques prosseguiram para o Sul, sobre Lisboa.

As forças portuguesas avançaram por terra, as dos cruzados por mar, penetrando na foz do rio Tejo; em junho desse mesmo ano, ambas as forças estavam reunidas, ferindo-se as primeiras escaramuças nos arrabaldes a Oeste da colina sobre a qual se erguia a cidade de então, hoje a chamada Baixa. Após violentos combates, tanto esse arrabalde, como o a Leste, foram dominados pelos cristãos, impondo-se dessa forma o cerco à opulenta cidade mercantil.

Bem defendidos, os muros da cidade mostraram-se inexpugnáveis. As semanas se passavam em surtidas dos sitiados, enquanto as máquinas de guerra dos sitiantes lançavam toda a sorte de projéteis sobre os defensores, o número de mortos e feridos aumentando de parte a parte.

No início de outubro, os trabalhos de sapa sob o alicerce da muralha tiveram sucesso em fazer cair um troço dela, abrindo uma brecha por onde os sitiantes se lançaram, denodadamente defendida pelos defensores. Por essa altura, uma torre de madeira construída pelos sitiantes foi aproximada da muralha, permitindo o acesso ao adarve. Diante dessa situação, na iminência de um assalto cristão em duas frentes, os muçulmanos, enfraquecidos pelas escaramuças, pela fome e pelas doenças, capitularam a 20 de outubro.

Entretanto, somente no dia seguinte, o soberano e suas forças entrariam na cidade, sendo saqueada pelos cruzados.

Decorrente deste cerco surgem os episódios lendários de Martim Moniz, que teria perecido pela vitória dos cristãos, e da ainda mais lendária batalha de Sacavém.

Alguns dos cruzados estabeleceram-se na cidade, de entre os quais se destaca Gilbert de Hastings, eleito bispo de Lisboa.

Após a rendição, uma epidemia de peste assolou a região fazendo milhares de vitimas entre a população.

Lisboa tornar-se-ia a capital de Portugal em 1255.

Os cruzados na conquista de Lisboa (1147)

Ora como tivéssemos chegado ao Porto, o bispo com seus clérigos veio ao nosso encontro. O rei achava-se então ausente com o seu exército, lutando contra os mouros. Feitas a todos as saudações conforme o costume da sua gente, disse-nos o bispo que já sabia que nós havíamos de chegar, e na véspera recebera do rei uma carta, em que se dizia isto:

«Afonso, rei de Portugal, a Pedro, bispo do Porto, saúde. Se porventura arribarem aí os navios dos Francos, recebei-os diligentemente com toda a benignidade e doçura e, conforme o pacto que com eles fizerdes de ficarem comigo, vós e quantos o quiserem fazer, como garantia da combinação feita, vinde em sua companhia a ter comigo, junto de Lisboa. Adeus !»

Carta do cruzado inglês Osberno (séc. XII)

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