quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Somos gente boa e todavia


Por aqui não há gulags, como os filmados, que a RTP2 mostrou hoje, de horrores longo tempo vividos, por prisioneiros políticos, ou outros “castigados”, numa dureza perfeitamente denunciadora de uma crueldade sem limites, das opressoras gentes do poder russo. Gente enérgica, todavia, esses que viveram esses horrores e os souberam contar. Não posso deixar de rever as imagens, através dos dados que o Segundo Canal hoje mostrou, citando parte do texto – sem imagens, todavia - que a Internet transmite, e sem os espaços gelados a perder de vista das gentes que lá trabalharam e padeceram com requinte.

Texto da Internet:

«História

O sistema funcionou de 25 de abril de 1930 até 1960. Foram aprisionadas milhões de pessoas, muitas delas vítimas das perseguições de Stalin, as consideradas "pessoas infames", para a chamada "Pátria Mãe" (a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), e que deveriam passar por "trabalhos forçados educacionais" e merecerem viver na chamada "Pátria Mãe".

O Gulag tornou-se um símbolo da repressão da ditadura de Stalin. Na verdade, as condições de trabalho nos campos eram bastante penosas e incluíam fome, frio, trabalho intensivo de características próprias da escravatura (por exemplo, horário de trabalho excessivo) e guardiões desumanos. Floresceram durante o regime chamado pelos historiadores de stalinista da URSS, estendendo-se a regiões como a Sibéria e a Ucrânia, por exemplo, e destinavam-se, na verdade, a silenciar e torturar opositores ao regime, incluindo entre eles anarquistastrotskistas e outros marxistas.

Coreia do Norte, considerada um dos últimos Estados comunistas, ainda mantém disfarçados "campos de trabalhos forçados" muito semelhantes no sentido de tratamento "educacional" e "adoecimento" (pela loucura), muitas vezes chamados também de gulags. Norte-coreanos como Shin Dong-hyuk, único prisioneiro nascido num campo de trabalhos forçados do país que conseguiu fugir, tem denunciado violações aos direitos humanos ali praticados. »

 Somos gente boa, nós, que não castiga assim, os prevaricadores ou outros – salvo os dos delitos ocasionais - gente que canta o fado e dança o vira e tem um clima ameno, propício à moleza de carácter. Gente bem descrita por Maria João Avillez, que conta dos seus e nossos espantos perpétuos, ante os feitos de governação e disputas partidárias, reveladores, estes, da tal moleza castigadora, mas não moleza na arte dos malabarismos mais ou menos retóricos, de ambição vazia de interesse pela mãe-pátria, mas plena de interesse auto-promotor, como se tem visto, e cego e surdo e mudo a uma reflexão de valores menos primários.  

Desta vez é ainda mais sério (em política há sempre pior)

Que dizer do execrável arremesso do insulto e da agressiva menorização como argumentos políticos contra uma parte do país, enquanto permanentemente a outra se auto-glorifica?

MARIA JOÃO AVILLEZ

OBSERVADOR, 11 nov 2021

1Não são favas contadas. Nem se sabe se os deuses deixarão a mudança escrita nos astros. Não o digo pelas sondagens habitualmente e persistentemente hostis para o “open air” à direita do sempre por elas mimado PS, com os resultados que se sabem. Digo-o usando apenas o instrumento político da racionalidade. Havia por isso que dispensar certos empolgamentos nalguns círculos da direita quanto a um regresso ao poder, mas eu gostaria mais de ouvir dizer um regresso ao “país”. Ao cuidar do país. Ao que é preciso fazer dele e para ele. Para não sermos submersos por uma espécie de lava como a do vulcão das Canárias e então, mão estendida para nova humilhação nacional e internacional. Já aqui o escrevi e se volto a dizê-lo agora é porque qualquer dia, aqui d’el rei… Há poucos países hoje na “Europa” com futuro mais incerto e chão menos seguro debaixo dos pés. Não por estarmos quase em último lugar na tabela de vinte e sete pátrias, mas por se manterem quietamente irresolvidas as razões “disso”: aquelas, estruturais, que nos atiram inabalavelmente para tão vexatório lugar.

2Não estou certa do êxito da indesejada trapalhada em que estamos. Às vezes chamo-lhe mesmo desastre que é o que na verdade a trapalhada pode vir a ser. Houve quem festejasse com jubilo o ter-se chegado aqui, com datas e prazos engolidos pelos partidos e uma dissolução parlamentar aceite pela maioria do Conselho Estado: o que se conseguiu de melhor para andar para a frente deixando o Chefe do Estado de fora do enredo da trapalhada. E é assim que, após termos assistido a sobressaltados episódios públicos que deixaram o PSD ferido de asa; visto os dois doentios bandos do CDS a digladiarem-se na montra do país; percepcionado o calvário eleitoral que se anuncia na extrema esquerda ou testemunhado um António Costa, manso e humilde de coração, vamos ter uma grande estreia: árvores de Natal coabitando com cartazes, luzes e enfeites com faixas partidárias. Festejos de fim ano (para quem ache que o estado do mundo e das coisas convoca o festejo) envoltos em debates, entrevistas, programas eleitorais, ruído, mensagens, elogios, insultos, ilusões, e tutti quanti que apressadamente entrarão de novo em cena, tão pouco tempo depois de terem saído: 26 de Setembro foi ontem. (Não, não sou obviamente contra eleições, o que me parece é que não era bem, como dizer?, o tempo delas, fazem lembrar a fruta quando se prova ainda verde.)

3De modo que o nosso pequenino rectângulo vai estar fastidioso. Paciência, está feito. O Presidente da República auto-excluiu-se do turbilhão da trapalhada – apesar de não se esquecer que foi porém ele a primeira pessoa no país a pronunciar o substantivo “eleições”. Fê-lo por bem, explicaram os “seus”. Era indispensável domesticar o ímpeto do veto da extrema-esquerda radical no Orçamento de Estado através do medo de algo pior: se não votam, há urnas. Não surtiu efeito – haverá eleições — do mesmo modo que esta chamada eleitoral pode igualmente não vir a ter o efeito que o PR ansiaria.

Gostava de estar redondamente enganada e não só por ele.

4O chão político está assim semeado ao centro e à direita por dúvidas que formulo sob a forma de perguntas ainda sem destinatário certo. Habituada a encarar a política como uma grande fornecedora de surpresa não aposto no nome do futuro líder social-democrata. Uma coisa é concluir — de fora - que A é mais adequado ou mais preparado que B; outra, o sentimento intimo de um militante impelido a escolher entre quem já está ou quem quer vir a estar. Mais difícil dizê-lo do que fazê-lo.

E no entanto… pôr uma cruz na sigla de um partido é apenas o primeiro acto do que pode vir a ser uma grande história, em caso de vitória: o segundo acto será sério e a sério.

Por exemplo: percebem o centro e a direita a dimensão dos flagelos de diferente natureza que desta vez afligem o país? Desta vez – que não se parece com 2011 – as dificuldades estão para além da saúde económica do país porque desta vez é preciso cuidar de um país que perdeu parte da sua alma, alguns dos seus valores, bastante da sua energia e muito sua capacidade de resposta a um corrosivo estado de coisas, social, político, moral, civilizacional. Vai ser preciso ainda maior resiliência para decidir, fazer, escolher, substituir, avançar, melhorar. Porque desta vez vai ser preciso MUDAR. Com maiúsculas.

Mudar a pátria sim – e não forçosamente apenas por causa da inflação, baixos salários, espantalho de crise económica internacional e não seria pouco –, mas porque ela está doente. Exemplos eloquentes: condicionamentos como lei e para todas as ocasiões: desde a obrigação de pensar segundo uma importada cartilha social e politicamente correcta à imposição da vergonha pelo nosso passado, passando pela revisão da história segundos os cânones do momento e do “cancelamento”; pelo Estado usurpar a liberdade de educação dos pais aos filhos até limites inimagináveis; pulverização da família enquanto peça estrutural da civilização que nos foi berço e formação; pela orientação sexual usada na lapela como um trunfo, pela morte que já se pode encomendar. Para não evocar a intromissão nas já poucas instituições e organismos independentes do poder político, as nomeações de boys impreparados para lugares destinados à salvaguarda dos desprotegidos – estou a pensar por exemplo no que se passa com grande eficácia na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; ou dessa distorção herdada de um Abril de 74 mal interpretado que é o sistemático passar ao lado dos deveres, trocando-os pela sempre abusiva prática dos direitos. Tudo isto e mais ainda o persistentemente execrável arremesso do insulto e da agressiva menorização como argumentos políticos usados contra uma parte do país, enquanto permanentemente a outra se auto-glorifica.

5E as narrativas? As sulfúricas narrativas com que as esquerdas insistem em rever e rescrever o que ocorreu entre 2011/2015 em Portugal (omitindo prudentemente que foram os “maus” que ganharam de novo as eleições quatro anos depois, não sendo evidentemente senão por causa disso que ainda (!) os denigrem a toda a hora).

Ou seja: estarão militantes, simpatizantes, eleitores, conscientes que têm de se “armar” para as mentiras que aí vêm remetidas com a sobranceria do costume? A chuva de falsas narrativas e falaciosas “certezas” que desabará sobre o centro e a direita? Dos números e gráficos, intencionalmente manipulados que serão brandidos em ruas e écrans para desfeitear metade do país com inverdades? Exagero? Nem um bocadinho, foi o que vi e ouvi durante os anos da defunta geringonça mas que agora será devidamente repisado – e ampliado! – na sua falsificação.

Não, não exagero. Antecipo. E por isso previno.

POLÍTICA   ELEIÇÕES

 

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