Mas conhecimento político também. De André Abrantes Amaral e Comentadores, neste caso específico da China e o resto do mundo. De toda a maneira, são avisos para os que se vão dando conta, devagarinho, com adaptações e resmungos… O pior são os “de repentes”, nos inesperados da História...
Os desafios, perante um possível colapso chinês
Quando a economia chinesa entrar em
crise, vamos ouvir que a culpa é dos mercados, não do governo chinês que
incentivou a dívida e a desconformidade entre o que se produz e o que se
precisa.
ANDRÉ ABRANTES AMARAL
OBSERVADOR, 28 nov 2021
Não
há volta a dar: economias dirigidas pelo poder político originam dívida
e economias endividadas geram pobreza e caos. Independentemente disso, os governos precisam de
crescimento para se manterem no poder e insuflam a economia com
incentivos na busca de resultados rápidos. Nas
democracias, os governos fazem-no para vencer eleições; em algumas ditaduras,
para os regimes se manterem de pé. Nas democracias, e apesar
dos incentivos contrários como a actual política monetária do BCE e da FED, as
correcções ainda se fazem mesmo que a conta-gotas. Traduzem-se em pequenas
recessões, ligeiras crises que procuram adiar uma outra maior e mais grave. Nas ditaduras, essas correcções são impossíveis porque a fuga
para a frente (que quando não resulta numa guerra se pode traduzir num
crescimento económico ímpar e imparável) não
pode ser posta em causa. Nas
ditaduras só resta
uma decisão e essa é continuar a andar mesmo que à beira do abismo.
A China é um país imenso, muito maior
que os EUA, que a própria UE ou a Rússia. Por
essa razão tem aguentado a política dirigista de Pequim. Os líderes comunistas
descobriram que com um incremento da actividade económica evitariam o destino
dos dirigentes da URSS. Desconheciam que o desenvolvimento económico (o poder comprar-se um bem de primeira necessidade
depois de já se ter outro, o querer um melhor emprego que o anterior, o aventurar-se
num negócio por conta própria e vê-lo crescer, em suma, o simples facto de se
querer viver melhor que no passado) é
um vício. As
pessoas gostam de melhorar. Faz parte da
nossa natureza e pouco há a fazer contra ela. Foi essa mesma natureza humana
que forçou os oligarcas comunistas de Pequim a expandirem para o resto da China
as políticas inicialmente previstas para as regiões especiais. Também
desconheciam que quando se planeia ao milímetro a vida de milhares de milhões
de pessoas, o plano não corre bem. As reacções são impossíveis de prever e as
consequências desastrosas.
Cidades
vazias, bancos públicos endividados a par de empresas de construção e do sector
imobiliário na mesmíssima condição, dados estatísticos enganosos, corrupção ao
mais alto nível, mas também nos meios intermédios e mais pequenos, obras
públicas monstruosas, ineficientes e com um impacto ambiental capaz de fazer
corar os ocidentais mais cépticos das alterações climáticas, declínio
demográfico e uma população desejosa de mais e de melhor, a China não está
preparada para uma crise económica como a que teria de atravessar para corrigir
tantos erros. As
notícias sobre a Evergrande, a segunda maior empresa imobiliária na China, são
apenas mais um sinal
negativo que a
reacção de Pequim nos pode levar a pensar o pior.
Em Abril
passado a China Huarong
Asset Management, uma
empresa estatal de gestão de activos criada para fazer face à crise financeira
que atingiu a Ásia em 1997, foi intervencionada e salva pelo poder político
chinês. Ora, esta não foi a decisão que Pequim tomou relativamente
à Evergrande. Há quem entenda que não estamos perante uma mudança sobre
o entendimento de como o Estado deve intervir nestas situações, mas que, ao
contrário do que sucede com o sector bancário e financeiro, o imobiliário não é
considerado estratégico e, por essa razão, os governantes em Pequim decidiram
que é da responsabilidade dos poderes e empresas locais resolver problemas como
o da
Evergrande. Mas há
uma outra leitura que também podemos fazer e que se resume num ponto: a China tem demasiadas Evergrande. O governo central não tem condições para as salvar a
todas e daí procura circunscrever os fogos que vão surgindo na esperança que
estes não se propaguem. Pelo menos
ao mesmo tempo. Foi nesse sentido que o Banco
Popular da China já veio garantir
que a Evergrande é um caso isolado e que as
restantes empresas imobiliárias chinesas são sólidas.
Mas nesta crónica não quero apenas
fazer uma leitura económica sobre o que se passa na China. É minha intenção
deixar também um alerta sobre o modo como nos deslumbramos com o sucesso
alheio, mesmo que aparente e sem base de sustentação. O Ocidente também vacilou nos anos 50 quando houve
quem duvidasse se o modelo soviético não seria melhor que a economia de
mercado. A URSS conseguiu a bomba de hidrogénio pouco depois
dos norte-americanos, lançou com sucesso o primeiro míssil balístico,
adiantou-se na corrida espacial com o Sputnik 1 e 2 e, finalmente em 1961, ao
enviar o primeiro homem para o espaço. À semelhança do sucede agora com a China,
na época os EUA (e o
Ocidente) estavam
preocupados, seriamente preocupados com o avanço tecnológico soviético que era acompanhado de alguns sucessos económicos, naturais se tivermos em conta a guerra que terminara
há poucos anos. Mas isso é
fácil de dizer agora porque sabemos, como é fácil avaliar as
decisões de Churchill na Segunda Guerra, agora que temos a
certeza que deram certo. O problema é quando se desconhece o fim da história. É nessa altura que é preciso acreditar nas vantagens do que
temos: que
a liberdade é um valor natural do ser humano e, como natural que é, produz
melhores resultados a longo prazo. Não só uma comunidade mais rica, mas também
mais saudável e sustentável onde apraz viver.
A
China tem sido apontada como um gigante (que é) que vai mudar o mundo e pôr
termo ao domínio ocidental (o que muito provavelmente é verdade). Mas a China
não é governada por seres superiores capazes de antecipar todas as crises e de
planear um país próspero e isento de problemas. Por muito
grande que a China seja, por muita aptidão que os chineses tenham, não é
possível que uns iluminados governem de forma satisfatória a vida de milhares
de milhões de pessoas. Essa
tentativa já foi feita e viu-se o que aconteceu. A própria
China aplica esta receita há séculos e os resultados não foram os melhores. Não
há milagres; apenas seres humanos que vivem as suas vidas.
É
assim que um dos
desafios que a China nos coloca não é tanto o da sua supremacia, mas o do seu
possível colapso ou, quanto mais não seja, o de uma grave crise económica. A acontecer, esta alastrar-se-á às economias
ocidentais, gerará convulsões sociais na China e, provavelmente, alguma
instabilidade política em Pequim. Dificilmente
um país com uma população em declínio entra em guerra. Historicamente, a
China foi mais invadida que tentou tomar posse de territórios estrangeiros
(as intervenções contra a Índia nos anos 60 terminaram logo que a China
controlou o que queria, apesar de poder ir mais longe) o que nos leva a crer
que dificilmente invadirá países terceiros. No
entanto, uma correcção económica ao nível de um gigante como a China pode ter
resultados inesperados. Além do económico, a instabilidade política pode ser o
outro desafio que a China nos pode colocar nas próximas décadas.
COMENTÁRIOS
Maria Ribeiro: O crescimento
do PIB em 2021: 10,5% na Rússia, 7,1% nos USA, 7,9 na China, 4,3 na UE (mais ou
menos o crescimento português). O BCE emitirá títulos de dívida (NGEU), de 5 a
30 anos, de 1.800 mil milhões, e comprará dívida (PEPP) de 1.850 mil milhões.
Em Portugal temos 277,5 mil milhões de dívida pública (e outro tanto de dívida
privada).Continuamos com um sindicalismo das 1ª e 2ª revolução industrial, vamos
entrar na 5ª revolução industrial, entraremos na computação quântica, as máquinas
induzirão o aumento da sua própria produtividade aumentando a sua eficácia.
Até 2030 o negócio da robótica atingirá 260 mil milhões/ano. Será um processo
que englobará pessoas, máquinas e sistemas. As pessoas terão a visão
estratégica e dotarão a inteligência artificial de dados. A maior
parte do emprego será lúdico. A internet dá coisas, as Big Data, a
Machine Learning com algoritmos, a Deep Learning, a computação em nuvem,
juntamente com a energia renovável, os veículos autônomos, a robótica, o
controlo individual pelo Big Brother, moldarão o futuro próximo. A Suécia
avança para os 4 dias de trabalho (descanso às 5ªs feiras) no futuro a
produtividade não terá nada a ver com a quantidade de trabalho humano.
Trabalharemos até mais tarde deixando tarefas rotineiras. Pedromi:
Não me admiraria que o modelo chinês começasse a colapsar...um modelo
que não olha a meios (económicos, políticos, ambientais, qualitativos, etc,
etc...) para atingir fins, sempre assente na destabilização do ocidente (sim, é
o nosso modelo), não me merece a mínima consideração/admiração. Claudia Mealha > Maria Ribeiro: Que
visão de futuro terrível - com a perda total da nossa privacidade e propósito
de vida. A moeda digital emitida pelos bancos centrais é o objectivo último dos
certificados digitais covid- um pretexto sanitário movido a pânico e medo para
abrir o caminho para o Admirável Mundo Novo. Desgraçado futuro de escravos “felizes”. Antonio Mendes: O problema não é tanto da China mas do PCC. Tipicamente
os partidos comunistas evoluem de uma suposta ditadura do proletariado para uma
ditadura do partido depois para o seu secretário geral seguido da família do
líder até uma monarquia. Com a perpetuação de Xin o PCC está na
penúltima fase. Antes de
terem adoptado o capitalismo este percurso era facilitado pela pobreza do país mas
agora tal já não é fácil. Por isso o PCC precisa de recorrer ao imperialismo e
esse é o verdadeiro perigo. Porém os
novos-ricos Chineses sabem que isso seria o seu fim e poderão provocar uma
revolução como na Rússia de Gorbachev. Esperemos que sim, mas para isso é
necessário manter a supremacia militar do Ocidente. João Ramos: A
China para disfarçar os seus problemas internos e o descontentamento que daí
advém, poderá ter como objectivo criar situações que tendam a unir o seu
povo mas que nada têm que ver com a resolução dos seus
problemas, daí o possível conflito com Taiwan, por isso o Ocidente (EUA) deverá
ser muito firme nesta questão e em outras, e caso o consiga isso poderá ter
influência numa favorável evolução política na própria China… Fernando
Fernandes: Curioso artigo. Com algumas coisas não
concordo: A China é menor que a Rússia e EUA e, mais de metade do seu
território, é deserto. Tem
falta de alimentos e, em matéria ambiental, esqueceu que todas as ilhas do
que dizem ser seu mar territorial, foram feitas em atóis de coral, ou seja, um
crime ambiental de que poucos falam. Por
fim um aspecto não referido: A China só entrará verdadeiramente em
dificuldades quando o Mundo se unir e deixar de comprar "made in
RPC". Mas
como os interesses instalados, o lucro a qualquer custo e Estados endividados,
irão continuar a despejar lixo em nossa casas... Manuel Paleta Do Carmo > Fernando Fernandes:
Exacto FranciscoTavares
de Almeida: Concordo com a
possibilidade de uma crise económica na China, e que esta - que poderá nem ser
crise no sentido corrente mas apenas uma forte diminuição do crescimento
económico - pode afectar a superestrutura política. Onde me situo no pólo oposto ao
autor é que, no caso de verificar que a crise não pode ser evitada, Xi-Jinping
que não parou de acumular poder, como tantos autocratas na história, pode optar
por provocar um conflito externo. Dizia magistralmente Isaac Asimov que a violência é o
último refúgio dos incompetentes. Atrevo-me a dizer que também o é dos
poderosos que se sentem ameaçados por forças que não conseguem controlar.
A China para
disfarçar os seus problemas internos e o descontentamento que daí advém, poderá
ter como objectivo criar situações que tendam a unir o seu povo mas que nada
têm que ver com a resolução dos seus problemas, daí o possível conflito com
Taiwan, por isso o Ocidente (EUA) deverá ser muito firme nesta questão e em
outras, e caso o consiga isso poderá ter influência numa favorável evolução
política na própria China. maldekstre
estas kaptilo > Fernando Fernandes: Hum... na realidade a China é
maior (embora marginalmente) do que os EUA. E se retirarmos o Alasca (o Havai é
residual) a diferença já é mais significativa. Quanto a área desértica, ela é
comum em quase todos os grandes países, Rússia, China, EUA, Austrália, etc. De resto, tem toda a razão. Fernando Fernandes > maldekstre estas kaptilo: Tem alguma verdade. Mas os
desertos na China são tremendamente grandes Gobi - 1.295.000 em km² e o
deserto de Taklamakan é o segundo
maior deserto arenoso do mundo que tem 370.000 km2 , confinando
os 1300kk de habitantes a uma zona restrita (circulo) perto do pacífico.
A China invadiu o Tibete e tem
vindo a querer o ocupar partes do norte da India, na esperança de trazer água
em abundância para esses desertos (a norte e oeste). João Diogo: Excelente análise. bento guerra: A China não entra em crise, porque
controla a maioria dos parâmetros, excepto qualquer desastre imprevisivel. Taiwan
virá por um qualquer esquema de "bullying" em que os chineses são
fortes e pacientes Nuno
Filipe > bento guerra: E Taiwan tb são fortes e pacientes. José Santos: Vai ser um desafio e peras. A população chinesa, ao
contrário do que nos dizem, não despreza o seu governo nem se vê como oprimida,
mas em troca da sua lealdade, o PCC dá-lhes crescimento económico. Por outro
lado, muita gente no partido não vê com bons olhos a condição vitalícia da
liderança de Xi. Temo que perante o colapso a única solução da liderança para
manter o poder seja criar união da forma mais fácil. Se eu vivesse em Taiwan,
não estava descansado. E olhando para o estado dos EUA, não vejo como vão
dissuadir uma guerra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário