Mais um texto de Carlos Carranca que a Rosinha publica no Facebook, texto revelador de um pensamento sóbrio e justo, que bem contrasta com a palhaçada gritante de uma sociedade toda aberta ao seguidismo das modas, na tal aldeia global em que nos tornámos, essencialmente votada a imitação, de urgência pedante e nula nos seus valores culturais e educacionais – como bem demonstra Carlos Carranca.
Carlos
Carranca - Memórias - Monte Estoril, 1. XI.2018
– À
medida que o tempo vai passando, vamos sendo colonizados culturalmente pelo
mundo anglófono. Um dos casos paradigmáticos é o HALOWEEN, na véspera do Dia de Todos os Santos. Nas escolas,
as crianças acompanhadas dos seus professores, mascaram-se de bruxas, de
fantasmas, promovendo o espectáculo, a magia e retirando ao dia que se segue, o
1 de Novembro, a sua dimensão sagrada, religiosa, de homenagem à memória, onde
numa tradição bem portuguesa as crianças de porta em porta pediam "pão por
Deus". O que faziam elas depois com o que lhes era dado, resultava em
grande parte da sua educação, do valor que os pais davam ao acto de saber
pedir.
A
dimensão religiosa da existência humana era nesse dia uma realidade
intergeracional , onde o valor da solidariedade atingia o seu pico no dia
seguinte , o dos Fieis Defuntos. Afirmava Guerra Junqueiro que uma das
características mais surpreendentes do povo português estava no fervor com que
respeitava e promovia o culto das Almas do Purgatório. E porquê? Porque era a forma
que os vivos encontravam para serem solidários com os mortos, rezando por eles,
pedindo por eles, para que conseguissem atingir o Céu. Acreditemos nós ou
não nesta forma de convivência transcendente, o que não podemos nem devemos é
banalizar tudo retirando ao Dia de Todos os Santos o valor religioso e cultural
que contém, antecipando-o com um carnaval fora de horas, americanizado, logo bom para fazer negócio à custa
das criancinhas e com os professores a ajudarem à festa. E assim tudo quanto represente valores autóctones, religiosos
ou não, é substituído por produtos comercialmente globalizáveis como o Pai
Natal produzido no final do século XIX pela "Coca Cola". Só ele pode
andar carregado de prendas para encher a casa de objectos inúteis de plástico
que as crianças dois dias depois logo esquecem. E é porque não serve esse
consumismo desenfreado que o Menino Jesus, que é tão nosso, tão arreigado à
nossa cultura, foi perdendo importância. Como seria possível um bebé nascido
num estábulo encher de presentes os meninos das cidades de hoje na noite de
Natal ? Só acreditando na sua beleza, no valor da dignidade
humana, nesse milagre de congregar junto de si reis e pastores, gente de todos
os lugares para lhe prestar culto, acreditando num novo mundo de fraternidade
universal que Ele prometia, onde todos seriam iguais perante Deus e onde quase
todos os brinquedos fossem dispensáveis.
Mas para que tal fosse possível hoje, seria necessário que ao invés de nos
entrar em casa por todos os meios , desde as redes sociais à programação
televisiva, o lixo que estupidifica quem o consome,
infantilizando toda uma sociedade, com mais e mais consumo, houvesse a coragem
de dar a conhecer aos mais novos o valor da vida que se aprende devagar, com
simplicidade e humildade, na procura do conhecimento do nosso passado, das
nossas tradições culturais e familiares, do que temos de singularmente nosso.
Eu
que não sou católico vou hoje comemorar com os meus netos O Dia de Todos os
Santos como acto de resistência à invasão dos novos bárbaros. E no dia seguinte falar-lhes-ei dos bisavós que eles
não chegaram a beijar, a abraçar, e de outros familiares e amigos que
permanecem connosco e que nos compete, a nós, não deixar morrer no esquecimento
das gerações vindouras.
Carlos
Carranca@
Nenhum comentário:
Postar um comentário