quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Quão pequenos somos!


Por cá, na nossa Terrinha, um ponto no espaço. Mas vamos longe, ainda que nos quedemos na Terra, em prospecções telescópicas e conclusões sobre os mundos, sujeitas a aperfeiçoamentos futuros, cada vez mais amplos de pormenor, e precisão, mas definitivamente distantes e ignorantes do que vai por lá e do porquê disto que somos, por cá, no relativismo e imprecisão do nosso saber! E, todavia, quão extraordinários, e cito, como exemplo recente, a separação feita por médicos brasileiros, de dois meninos ligados pelas cabeças. Como somos enormes na nossa pequenez insaciável de conquista e saber e de generosidade autêntica de ajuda ao próximo!

O segundo texto, uma excelente Crónica de uma jovem de Ciência, Maria Teresa Parreira, desmascara a pretensão dos actuais pseudo informadores em questões científicas, que pretendem revestir levianamente de jeitos científicos, a política dos seus ideais absurdos de tosca generosidade, talvez num propósito destrutivo da sociedade do preconceito e da norma. E nisso, sim, somos ridiculamente pequenos, como a magnífica Crónica de MTP faz sentir, na sua seriedade escrupulosa.

I TEXTO: NOTÍCIA

Nova imagem do telescópio James Webb mostra misteriosa galáxia Cartwheel ao pormenor

A galáxia é descrita como sendo rara e estando envolta em poeira e mistério. A Cartwheel tem uma aparência muito parecida à imagem da roda de uma carroça.

Texto

OBSERVADOR, 02 ago 2022, 23:50  

Uma nova imagem capturada telescópio espacial James Webb foi esta terça-feira partilhada pela NASA. Desta vez, pode ver-se a galáxia Cartwheel e outras duas galáxias espirais mais pequenas.

A galáxia é descrita pela Agência Espacial Europeia como sendo rara e estando envolta em poeira e mistério. A formação da Cartwheelque tem uma aparência muito parecida à da roda de uma carroça — foi o resultado de uma colisão entre uma grande galáxia espiral e outra menor.

Localizada a cerca de 500 milhões de anos-luz de distância da Terra, na constelação Sculptor, a galáxia capturada pelo James Webb é uma visão que a Agência Espacial Europeia considera ser rara.

A Cartwheel ostenta dois anéis, um interno brilhante e um colorido circundanteOs dois expandem-se para fora do centro de colisão, como ondulações num lago depois de uma pedra ser atirada para o mesmo. Por causa destas características, os astrónomos chamam-na uma “galáxia em anel” — estrutura menos comum do que galáxias espirais como é o caso da Via Láctea.

A poeira que obscurece a visão leva a Cartwheel a estar envolta em mistério, mas através do uso da câmara para o infravermelho próximo (NIRCam, na sigla em inglês) o James Webb conseguiu revelar novos pormenores da galáxia que já tinha sido estudada por outros telescópios, incluindo o Telescópio Espacial Hubble (também da NASA).

As áreas mais brilhantes da galáxia hospedam as estrelas mais velhas. Pelo contrário, o anel exterior, que se expandiu por cerca de 440 milhões de anos, é dominado pela formação de novas estrelas e supernovas.

De acordo com o Daily Mail, à medida que este anel de expande consegue penetrar o gás circundante e desencadear a formação de estrelas. Segundo a NASA, os pontos azuis que aparecem nos remoinhos vermelhos de poeira são estrelas individuais ou bolsões de formação estelar.

ESPAÇO   CIÊNCIA

 

II  TEXTO: CRÓNICA:

 Quem guarda as chaves dos portões da Ciência?

A censura da liberdade científica é um padrão que vemos ocorrer com frequência, agora que as redes sociais permitem a qualquer sujeito com dois polegares licitar na hasta pública de juízos científicos

 MARIA TERESA PARREIRA  Mestre de Engenharia Biomédica no Instituto Superior Técnico

OBSERVADOR 03 ago 2021, 00:058

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No que se apelida de assoberbante “esquerda ideológica” da internet, canta-se a igualdade de género e orientação sexual, celebração de culturas individuais, liberdade de identidade, e um conjunto de outras posições adoptadas quase universalmente. Estes ideais liberalistas são o produto de uma geração que cresceu com melhores condições básicas de vida e, portanto, pôde ocupar-se de fraturantes temas sociais. O que é excelente, não nos iludamos: tratam-se de aspectos profundamente enraizados na experiência humana e a necessidade de abordar estas temáticas e criar aceitação é gritante.

É curioso, porém, notar a crescente onda de intolerância perante quem se atreve a questionar algumas destas ideias. Repare-se que qualquer indivíduo racional que pondere sobre ética e moral humana deverá, sem dúvida, chegar aos valores enumerados acima. Contudo, actualmente, o próprio processo de reflectir sobre o sentido destas proposições é visto como sinal de mau carácter – devemos aceitar cegamente estes ideais, sob pena de sermos isolados como párias ideológicos. Um paradoxo de inaceitação radical de quem se atreve a reflectir sobre a aceitação.

Os efeitos sociológicos desta tendência poderiam ser extensamente apresentados por alguém com melhores habilitações que eu, que apenas reflecti sobre estas questões num acesso espontâneo de existencialismo. Foquemo-nos, portanto, numa dimensão apenas, mas cujas implicações merecem ponderação: a Ciência.

A Ciência é, por natureza, apolítica. A procura pela Verdade deveria viver um vácuo ideológico, aplicando métodos objectivos para investigar todas as hipóteses que se aparentem promissoras. Infelizmente, esta é uma perspectiva utópica do mundo científico: quem aplica a Ciência são os humanos; os humanos são falíveis; logo, a Ciência é falível. Outros interesses acabam por se entrelaçar com a motivação para chegar a novo conhecimento, necessidades financeiras, contextualização histórica e cultural, o próprio instinto de auto-preservação de um cientista que não deseja desaparecer misteriosamente porque as suas conclusões questionam o regime político em vigor. Portanto, a Ciência é apolítica, mas não se pratica apoliticamente.

Nos dias de hoje, inundados de correcção política sob pena de exclusão social, a Ciência verga-se mais e mais a ideias que o público geral denomina “confortáveis”. Não faltam relatos de investigadores que foram afastados dos holofotes da divulgação científica devido a ideias que contrariam a percepção pública do que deve ser explorado. A censura da liberdade científica não é um padrão novo, mas é um padrão que vemos ocorrer com crescente frequência, agora que as redes sociais permitem a qualquer sujeito com dois polegares (ou menos que isso) licitar na hasta pública de juízos científicos.

Numa primeira vista parecerá arrogância, presunção destes indivíduos, desde o Zé da Esquina até ao mais proeminente intelectual da Academia, por se considerarem aptos para assumir a posição de guardiões dos portões da Ciência. Porém, a verdade é que este efeito social está embebido numa fragilidade sistémica: o facto de existirem assuntos tabu na Ciência, hipóteses cuja exploração – cuja própria formulação – é proibida para qualquer investigador que deseje manter a sua carreira, revela nada mais que uma profunda falta de fé na robustez do nosso método científico; e uma curiosa mas talvez fundamentada desconfiança na maturidade intelectual das massas.

O método científico que aplicamos actualmente está nos alicerces de todo o nosso conhecimento e tecnologia. Rege a evolução do saber humano segundo princípios que, a seu tempo, tratam de descartar todas as teorias falsas, falácias e vieses. Neste processo de poda das conjecturas mais frágeis, a árvore da Ciência só poderá crescer na vertical, no caminho para a Verdade científica. Cremos nisso, porque também o método científico sofreu uma evolução até produzir resultados confiáveis – outrora, a Ciência era baseada na descoberta de correlações aleatórias e uma dose substancial de imaginação (frequentemente atribuindo a deuses tudo aquilo que não era imediatamente explicável).

A robustez tantas vezes comprovada do nosso método de chegar a novo conhecimento deveria ser a motivação primária para não fechar portas a quem pretende explorar ideias pouco ortodoxas, ou politicamente incorrectas. A nossa realidade é altamente susceptível à contemporaneidade dos conceitos, é certo: basta-nos recordar eugenia nazista que marcou a acção política de Hitler. Mas o simples facto de, hoje em dia, podermos olhar para estas conclusões e determiná-las infundamentadas e declaradamente falsas significa, exactamente, que os filtros da boa Ciência continuam a funcionar a todo o gás; apenas levam o seu tempo.

Se esta premissa apoia o argumento de que a Ciência não devia, sob nenhuma circunstância, ver-se subordinada a crenças contemporâneas, o argumento contrário jaz, exactamente, no tempo que os filtros levam a actuar. Esse intervalo entre uma conclusão errónea de um estudo e o desacreditar da mesma pode ter consequências devastadoras. Como exemplo, um artigo de Andrew Wakefield que ligava vacina tripla contra o sarampo, a papeira e rubéola a casos de autismo em crianças foi publicado em 1998 mas retirado pela revista em 2004, quando foi comprovada a sua falsidade. Apesar disso, em pleno 2021, grupos antivacina continuam a sustentar essa crença. A própria menção do nome de Hitler neste texto evoca de forma adequada a magnitude dos danos que podem provir das acções humanas motivadas por crenças falsas, mas convenientemente adquiridas.

E não só – informações transmitidas a um grande público, especialmente se forem de alguma forma disruptoras, serão processadas sob o que em Sociologia se denomina o efeito de contágio, ou psicologia das multidões, particularmente agravado na era das redes sociais em que o mundo desenvolvido se comporta como uma só colossal entidade de ideias e valores. Esta “consciência global” adopta facilmente ideias indevidamente justificadas, e é altamente susceptível a comportamentos irracionais motivados por uma espiral de pânico (não preciso de recordar o lendário açambarcar de papel higiénico que marcou o início da pandemia no Ocidente). É por essa razão que a gestão de uma crise de grandes dimensões está sempre intrinsecamente ligada à comunicação dessa crise à população geral, com potenciais consequências que podem invalidar por completo os esforços de resolução da mesma.

Assim, porque a Ciência se faz, ou deveria fazer, no espaço público (uma consequência da transparência exigida para a possibilidade de verificação das conclusões), entramos numa área cinzenta – não devem existir ideias inexploráveis, mas existem certamente ideias muito perigosas.

Onde é que isto nos deixa? No mesmo limbo onde começámos. Se é certo que existem temas cuja exploração pode implicar graves consequências sociais, também o efeito de castração da curiosidade científica pode desviar-nos do caminho da boa Ciência. Mas se, por outro lado, criarmos uma partição entre “ideias indicadas” e “ideias desaconselhadas”, uma nova questão trata de se impor: quem ficará responsável por traçar a linha moral que distingue ambas?

CIÊNCIA   DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA   INOVAÇÃO   TECNOLOGIA

COMENTÁRIOS:

Zé da Esquina 06/08/2021: Excelente artigo!

Liberal de Plantão 03/08/2021: Nem uma palavra sobre o Estado metido até às orelhas na "ciência"... Opiniões sobre Ciência há muitas e de todas as formas e feitios, mas o Estado não é opinião.

 

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