Por cá, na nossa Terrinha, um ponto no
espaço. Mas vamos longe, ainda que nos quedemos na Terra, em prospecções
telescópicas e conclusões sobre os mundos, sujeitas a aperfeiçoamentos futuros,
cada vez mais amplos de pormenor, e precisão, mas definitivamente distantes e
ignorantes do que vai por lá e do porquê disto que somos, por cá, no
relativismo e imprecisão do nosso saber! E, todavia, quão extraordinários, e
cito, como exemplo recente, a separação feita por médicos brasileiros, de dois
meninos ligados pelas cabeças. Como somos enormes na nossa pequenez insaciável
de conquista e saber e de generosidade autêntica de ajuda ao próximo!
O segundo texto, uma excelente Crónica
de uma jovem de Ciência, Maria Teresa Parreira, desmascara a pretensão dos actuais
pseudo informadores em questões científicas, que pretendem revestir levianamente
de jeitos científicos, a política dos seus ideais absurdos de tosca generosidade,
talvez num propósito destrutivo da sociedade do preconceito e da norma. E nisso,
sim, somos ridiculamente pequenos, como a magnífica Crónica de MTP faz sentir, na sua seriedade escrupulosa.
I TEXTO: NOTÍCIA
Nova
imagem do telescópio James Webb mostra misteriosa galáxia Cartwheel
ao pormenor
A galáxia é
descrita como sendo rara e estando envolta em poeira e mistério. A Cartwheel
tem uma aparência muito parecida à imagem da roda de uma carroça.
OBSERVADOR, 02 ago
2022, 23:50
Uma
nova imagem capturada telescópio espacial James Webb foi esta
terça-feira partilhada pela NASA. Desta vez, pode ver-se a galáxia Cartwheel e outras duas galáxias espirais mais pequenas.
A
galáxia é descrita pela Agência Espacial
Europeia como
sendo rara e estando envolta em poeira e mistério. A formação da Cartwheel —
que tem uma aparência muito parecida à da roda de uma carroça — foi o
resultado de uma colisão entre uma grande galáxia espiral e outra menor.
Localizada
a cerca de 500 milhões de anos-luz de distância da Terra, na constelação
Sculptor, a galáxia capturada pelo James Webb é uma visão que a Agência
Espacial Europeia considera ser rara.
A
Cartwheel ostenta dois anéis, um interno brilhante e um colorido circundante. Os dois expandem-se para fora do
centro de colisão, como ondulações num lago depois de uma pedra ser atirada
para o mesmo. Por causa
destas características, os astrónomos chamam-na uma “galáxia em anel” —
estrutura menos comum do que galáxias espirais como é o caso da Via Láctea.
A
poeira que obscurece a visão leva a Cartwheel a estar envolta em mistério, mas
através do uso da câmara para o infravermelho próximo (NIRCam, na sigla em
inglês) o James Webb conseguiu revelar novos pormenores da galáxia que já tinha
sido estudada por outros telescópios, incluindo o Telescópio Espacial Hubble
(também da NASA).
As
áreas mais brilhantes da galáxia hospedam as estrelas mais velhas. Pelo
contrário, o anel exterior, que se expandiu por cerca de 440 milhões de anos, é
dominado pela formação de novas estrelas e supernovas.
De acordo com o Daily
Mail, à
medida que este anel de expande consegue penetrar o gás circundante e
desencadear a formação de estrelas. Segundo a NASA, os pontos azuis que
aparecem nos remoinhos vermelhos de poeira são estrelas individuais ou bolsões
de formação estelar.
II TEXTO:
CRÓNICA:
Quem guarda as chaves dos portões
da Ciência?
A censura da liberdade científica
é um padrão que vemos ocorrer com frequência, agora que as redes sociais
permitem a qualquer sujeito com dois polegares licitar na hasta pública de
juízos científicos
MARIA TERESA PARREIRA Mestre de Engenharia Biomédica no Instituto
Superior Técnico
OBSERVADOR 03 ago
2021, 00:058
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No que se apelida de assoberbante “esquerda
ideológica” da internet, canta-se a igualdade de género e orientação sexual,
celebração de culturas individuais, liberdade de identidade, e um conjunto de
outras posições adoptadas quase universalmente. Estes
ideais liberalistas são o produto de uma geração que cresceu com melhores
condições básicas de vida e, portanto, pôde ocupar-se de fraturantes temas
sociais. O que é excelente, não nos
iludamos: tratam-se de aspectos profundamente enraizados na experiência humana
e a necessidade de abordar estas temáticas e criar aceitação é gritante.
É curioso, porém, notar a crescente
onda de intolerância perante quem se atreve a questionar algumas destas ideias. Repare-se que qualquer indivíduo racional que
pondere sobre ética e moral humana deverá, sem dúvida, chegar aos valores
enumerados acima. Contudo, actualmente, o próprio processo de reflectir
sobre o sentido destas proposições é visto como sinal de mau carácter – devemos
aceitar cegamente estes ideais, sob pena de sermos isolados como párias
ideológicos. Um paradoxo de inaceitação radical de quem se atreve a reflectir
sobre a aceitação.
Os
efeitos sociológicos desta tendência poderiam ser extensamente apresentados por
alguém com melhores habilitações que eu, que apenas reflecti sobre estas
questões num acesso espontâneo de existencialismo. Foquemo-nos, portanto, numa dimensão apenas, mas
cujas implicações merecem ponderação: a Ciência.
A
Ciência é, por natureza, apolítica. A procura pela Verdade deveria viver um
vácuo ideológico, aplicando métodos objectivos para investigar todas as
hipóteses que se aparentem promissoras. Infelizmente, esta é uma perspectiva
utópica do mundo científico: quem aplica a Ciência são os humanos; os humanos são falíveis; logo, a
Ciência é falível. Outros
interesses acabam por se
entrelaçar com a motivação para chegar a novo conhecimento, necessidades
financeiras, contextualização histórica e cultural, o próprio instinto de
auto-preservação de um cientista que não deseja desaparecer misteriosamente
porque as suas conclusões questionam o regime político em vigor. Portanto, a Ciência
é apolítica, mas não se pratica apoliticamente.
Nos dias de hoje, inundados de correcção política sob pena de
exclusão social, a Ciência verga-se mais e mais a ideias que o público geral
denomina “confortáveis”. Não faltam relatos
de investigadores que foram afastados dos holofotes da divulgação científica
devido a ideias que contrariam a percepção pública do que deve ser explorado. A
censura da liberdade científica não é um padrão novo, mas é um padrão que vemos
ocorrer com crescente frequência, agora que as redes sociais permitem a
qualquer sujeito com dois polegares (ou menos que isso) licitar na hasta
pública de juízos científicos.
Numa
primeira vista parecerá arrogância, presunção destes indivíduos, desde o Zé da
Esquina até ao mais proeminente intelectual da Academia, por se considerarem
aptos para assumir a posição de guardiões dos portões da Ciência. Porém, a verdade é que este efeito social está
embebido numa fragilidade sistémica: o facto de existirem assuntos tabu na
Ciência, hipóteses cuja exploração – cuja própria formulação – é proibida para
qualquer investigador que deseje manter a sua carreira, revela nada mais que
uma profunda falta de fé na robustez do nosso método científico; e uma curiosa
mas talvez fundamentada desconfiança na maturidade intelectual das massas.
O método
científico que
aplicamos actualmente está nos alicerces de todo o nosso conhecimento e
tecnologia. Rege a evolução do saber humano segundo princípios que, a seu
tempo, tratam de descartar todas as teorias falsas, falácias e vieses. Neste
processo de poda das conjecturas mais frágeis, a árvore da Ciência só poderá
crescer na vertical, no caminho para a Verdade científica. Cremos nisso, porque também o método científico
sofreu uma evolução até produzir resultados confiáveis – outrora, a Ciência era
baseada na descoberta de correlações aleatórias e uma dose substancial de
imaginação (frequentemente atribuindo a deuses tudo aquilo que não era
imediatamente explicável).
A
robustez tantas vezes comprovada do nosso método de chegar a novo conhecimento
deveria ser a motivação primária para não fechar portas a quem pretende
explorar ideias pouco ortodoxas, ou politicamente incorrectas. A nossa realidade é altamente susceptível à
contemporaneidade dos conceitos, é certo: basta-nos recordar a eugenia nazista que marcou a acção política de Hitler. Mas o simples facto de, hoje em dia, podermos olhar
para estas conclusões e determiná-las infundamentadas e declaradamente falsas
significa, exactamente, que os filtros da boa Ciência continuam a funcionar a
todo o gás; apenas levam o seu tempo.
Se
esta premissa apoia o argumento de que a Ciência não devia, sob nenhuma
circunstância, ver-se subordinada a crenças contemporâneas, o argumento
contrário jaz, exactamente, no tempo que os filtros levam a actuar. Esse intervalo entre uma conclusão errónea de um
estudo e o desacreditar da mesma pode ter consequências devastadoras. Como exemplo,
um artigo de Andrew Wakefield que ligava vacina tripla contra o sarampo, a
papeira e rubéola a casos de autismo em crianças foi publicado em 1998 mas
retirado pela revista em 2004, quando foi comprovada a sua falsidade.
Apesar disso, em pleno 2021, grupos antivacina continuam a sustentar essa crença.
A própria menção do nome de Hitler neste texto evoca de forma adequada a
magnitude dos danos que podem provir das acções humanas motivadas por crenças
falsas, mas convenientemente adquiridas.
E
não só – informações transmitidas a um grande público, especialmente se forem
de alguma forma disruptoras, serão processadas sob o que em Sociologia se
denomina o efeito de contágio, ou psicologia das multidões, particularmente agravado na era das redes sociais
em que o mundo desenvolvido se comporta como uma só colossal entidade de ideias
e valores. Esta “consciência global” adopta facilmente ideias indevidamente
justificadas, e é altamente susceptível a comportamentos irracionais
motivados por uma espiral de pânico (não preciso de recordar o lendário
açambarcar de papel higiénico que marcou o início da pandemia no Ocidente).
É por essa razão que a gestão de uma crise de grandes
dimensões está sempre intrinsecamente ligada à comunicação dessa crise à
população geral, com potenciais consequências que podem invalidar por completo
os esforços de resolução da mesma.
Assim,
porque a Ciência se faz, ou deveria fazer, no espaço público (uma consequência
da transparência exigida para a possibilidade de verificação das conclusões),
entramos numa área cinzenta – não devem existir ideias inexploráveis, mas
existem certamente ideias muito perigosas.
Onde
é que isto nos deixa? No mesmo limbo onde começámos. Se é certo que existem
temas cuja exploração pode implicar graves consequências sociais, também o
efeito de castração da curiosidade científica pode desviar-nos do caminho da
boa Ciência. Mas se, por outro lado,
criarmos uma partição entre “ideias indicadas” e “ideias desaconselhadas”, uma
nova questão trata de se impor: quem
ficará responsável por traçar a linha moral que distingue ambas?
CIÊNCIA
DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA INOVAÇÃO TECNOLOGIA
COMENTÁRIOS:
Zé da Esquina 06/08/2021: Excelente artigo!
Liberal de Plantão 03/08/2021: Nem uma palavra
sobre o Estado metido até às orelhas na "ciência"... Opiniões sobre
Ciência há muitas e de todas as formas e feitios, mas o Estado não é opinião.
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