Os
gestos que aquecem a alma. Por cá, seriam beijos e abraços e a curvatura
dorsal habitual, na confrontação - excluídos os Dâmasos Salcedes da indignação na
distância… Grande gesto, grande rei, grande Espanha!
Do “¿por qué no te callas?” à guilhotina
O “¿por qué no te callas?” marcou um
tempo em que as democracias liberais não viviam amedrontadas nem se sentiam
ameaçadas pelo cancelamento digital nem pelas revoluções de iPhone na mão.
GONÇALO DOROTEA
CEVADA
OBSERVADOR, 11
ago 2022, 00:1010
Corria
o ano de 2007 e Michelle
Bachelet, na altura Presidente do Chile, serviu de anfitriã à XVII Cimeira
Ibero-Americana. Ninguém
faltou à chamada. Lula da Silva, Néstor Kirchner, Cavaco Silva, José
Sócrates, Hugo Chávez, Rafael Correa, Evo Morales, Zapatero, Juan Carlos I.
Apesar
de já ninguém se lembrar de nada do que foi acordado nessa cimeira de 2007 –
como aliás de nenhuma destas reuniões – é difícil esquecer o mítico “¿por
qué no te callas?” de Juan Carlos I a Hugo Chávez. (Em
retrospectiva: enquanto Zapatero, na altura Presidente do Governo
Espanhol, falava, Hugo Chávez apelidou José María Aznar de “fascista”. Zapatero
pediu respeito e Hugo Chávez, qual surdo político, voltou a interromper.
Segue-se o ponto de ordem do “¿por qué no te callas?” de Juan Carlos I).
Ora, o “¿por qué no te callas?”,
qual grito de decência perante a grosseira falta de respeito de Hugo Chávez –
afinal, o Presidente da Venezuela tinha acabado de acusar um ex-Presidente do
Governo Espanhol democraticamente eleito e re-eleito de “fascista” – marcou um
tempo em que as democracias liberais não viviam amedrontadas nem se sentiam
ameaçadas pelo cancelamento digital nem pelas revoluções de iPhone na
mão.
Volvidos 15 anos, surgiu uma nova
polémica – como alguns querem fazer querer – entre o Chefe de Estado Espanhol,
o Rei Felipe VI, e um outro país latino-americano. A Colômbia.
No
passado Domingo, dia da bandeira colombiana, tomou posse o novo Presidente do
país, Gustavo Petro. O
primeiro de esquerda desde a Constituição de 1991. Durante as cerimónias
assistiu-se a um momento caricato e fora do guião protocolar previamente
distribuído aos convidados presentes: quatro homens da guarda
presidencial atravessaram o palco com a espada de Simón Bolívar, “El Libertador”. Nesse momento, e perante a multidão que gritava “alerta,
alerta, alerta que camina la espada de Bolívar por América Latina” todos os
convidados se apressaram a levantar. Todos, excepto
um: o Rei Felipe VI.
A história da espada é longa, e
inclui o roubo da mesma (1974) pela guerrilha urbana “M-19”, da qual fez parte
o actual Presidente, Gustavo Petro.
Assim, e como notou o Editorial do El Mundo, “Hizo
bien Felipe VI al no honrar un
símbolo que causa profunda división entre los colombianos (…) El Rey (…) actuó
con la prudencia de quien tiene interiorizado el carácter institucional de su
presencia como representante del Estado español, obligado – por tanto – a
expresarse en gestos y palabras con la más cuidada neutralidad. Su decisión de permanecer sentado ante el
sable de Simón Bolívar evidencia su profundo conocimiento de la Historia de los
distintos procesos de descolonización de los países de América Latina, con sus
luces y sus sombras. Su actitud ejemplifica la prevalencia de la
institucionalidad del acto frente al
espectáculo populista y segregador
pretendido por Petro y devenido, en cierta medida, en un homenaje a la
guerrilla en la que militó”.
Apesar
do eco em Espanha, o gesto do Chefe de Estado Espanhol não teve qualquer espaço
no El Tiempo, no El Espectador nem noutros títulos da imprensa
colombiana e/ou latino-americana. Criou no entanto mais uma polémica e
um atrito entre o PSOE e o Podemos, com os
primeiros a desvalorizarem a atitude de Felipe VI, e os últimos a pedirem “orden” e “una buena guillotina”
para o Rei. Surpreendente de facto. Até esta semana, estava
convencido que o Podemos era um partido anti-establishment, e que o
protocolo de Estado não era mais do que uma manifestação da caduca ordem
burguesa (e, no caso de Espanha, também, ordem monárquica). Estava obviamente
enganado, e admito que o poder tenha domesticado alguns dos tiques
revolucionários do partido fundado por Pablo Iglesias. Ora, o problema da tese do Podemos, é que o
desfile da espada do Libertador não passou de um capricho populista
(e de última hora) de Gustavo Petro, não sendo sequer um símbolo oficial da
Colômbia, como a bandeira, o hino ou o escudo. Daí que não se perceba o
afrontamento dos morados. Afinal, o Rei seguiu à risca o protocolo de
Estado.
Devo
portanto concluir que estamos perante um fait divers de Agosto criado
pelo Podemos para entreter jornalistas e comentadores que não estão de férias.
Mas, como a bondade nunca vem só, não faltaram as acusações de ressentimento e
de neo-colonialismo tardio por parte do Rei Felipe VI. Nada de novo portanto.
Contextualizado
o episódio, impõem-se as perguntas: o que aconteceu para em 15 anos
passarmos do “¿por qué no te callas?” à guilhotina de 1738? Que suposto
progressismo é este que nos faz recuar 300 anos?
As
explicações são várias. No entanto, há duas coisas que sabemos: há 15 anos o
Podemos ainda não existia e as redes sociais estavam longe de ter a cobertura
de users que têm hoje. No caso do Podemos, importa destacar a
frescura que trouxe à política espanhola, e que varia entre o ressentimento, o
tribalismo, a híper sensibilidade, a infantilidade do discurso, e depois uns
quantos bonecos mediáticos que têm uma atenção inversamente proporcional à sua
representação democrática. Já no caso das redes sociais, são apenas o ecoponto
amplificado das mensagens simples e simplificadas dos agentes políticos do
Podemos (e do Vox, mas isso deixo para outra crónica).
Em 15 anos passámos da razão à infantilização da política. Da civilização à tribalização da vida democrática.
Há uns meses, o Jorge Marrão e o Joaquim Aguiar convidaram o Paulo Portas para
abrir o Conversas Visíveis do Negócios. Nessa conversa, Paulo
Portas questiona se a transición espanhola de 1975, e que colocou do
mesmo lado Adolfo Suárez, Felipe González, Santiago Carillo, entre outros,
teria sido possível, sem uma nova guerra civil, no actual ambiente digital.
Paulo Portas admite que não. Temo que tenha razão.
Os
tempos são outros, e não estão para os radicais moderados. Infelizmente.
Resta saber se as democracias liberais do pós-guerra terão capacidade e
resiliência – como se diz hoje em dia – para sobreviver às novas realidades.
COMENTÁRIOS:
João Ramos: Não estou de maneira nenhuma de acordo com o articulista quando diz que o
Podemos terá trazido frescura à democracia espanhola, o que ele sim trouce foi
tensões e desestabilização a Espanha, como mais uma vez se prova com esta sua
atitude! Alberto
Mendes: O homem que no
último linhas direitas não tinha notado nada de anormal no comportamento do
Trudeu do Canadá está admirado por um esquerdista da Colômbia ser um Coronel
Tapioca. Tá bem Abelha
Joaquim Almeida: E tudo sob o manto de silêncio dos média esquerdistas,
não é? A cumplicidade costumeira... bento guerra: Tenho outra versão, O Podemos
recebeu bastante dinheiro da Venezuela e a Colômbia, tenha entrado, ou não, também
tem o culto bolivariano. Fez muito bem o rei em não se ter levantado para a
palhaçada populista (certamente já avisado por alguma esmeralda perdida) José Carvalho: Não entendi a "guilhotina
de 1738". É certo que nessa época já existiam instrumentos de execução
semelhantes à guilhotina da revolução francesa, mas a que evento de 1738 se
refere o autor? Ark
NabuL > José Carvalho: É o ano em que se inventou a
guilhotina.
José Carvalho > Ark NabuL: A máquina de cortar cabeças
usada à saciedade durante o "Terror" de 1792/93 por sugestão do
médico Guillotin, com o intuito de reduzir o sofrimento, já tinha sido
inventada há muitos séculos, talvez até milénios se acreditarmos num quadro que
reproduz o instrumento na Roma Antiga. Ark NabuL > José Carvalho: A guilhotina romana não cortava
as cabeças, esmagava-as.
vitor carvalho: Ecoponto é bem aplicado. Henrique Frazão: Os reis, pai e filho, a
monarquia tem consciência que reina numa Espanha muito republicana, estas
atitudes servem muito bem para consumo interno, exalta o patriotismo, o
saudosismo. É sabida a importância da figura do Rei de Espanha para a união dos
seus países e culturas diversas, o PSOE, partido no poder e assumidamente
republicano tem bem consciência desta realidade e usa o Rei para fins da união
dos reinos. Faz sentido, porém os escândalos do rei emérito têm colocado em
questão este equilíbrio. Pessoalmente gostaria que este regime continue a
trazer paz e prosperidade a todos os espanhóis e suas diversas línguas e
culturas.
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