Para se apoiar nos seus stresses. Putin não
precisa. Tem os homens do seu redor.
Vladimir Putin e o poder da ambiguidade
Quem é e o que quer Vladimir Putin? A
Rússia tudo fará para que a pergunta não tenha uma resposta, mas está atenta a
todas as respostas que lhe forem dadas. Este jogo é uma hábil táctica de poder.
LUÍS CAEIRO Professor
Associado da Católica Lisbon School of Business & Economics
OBSERVADOR,26 ago
2022, 00:151
A
personalidade do presidente russo tem sido objecto de numerosas
investigações de académicos, de jornalistas e dos serviços de informação
ocidentais, para inferir tendências de comportamento e desenhar o seu perfil
psicológico. O objectivo é compreender a lógica das suas
decisões políticas e torná-las mais previsíveis. Este conhecimento é importante na
condução das relações diplomáticas, nos processos de negociação e nas tomadas
de decisão, sobretudo em contextos de crise. Quais
as verdadeiras motivações do presidente russo? Como toma as decisões? As suas
ameaças devem ser levadas a sério? Pode-se confiar nas garantias que oferece?
As suas ambições expansionistas são a expressão duma personalidade narcísica?
As respostas têm sido tão diversas quanto contraditórias. Qual é a
verdadeira identidade de Putin, que aparece na propaganda oficial a pilotar um
jacto militar, a banhar-se num lago gelado, a observar aves, a praticar judo, a
montar a cavalo em tronco nu, a mergulhar no Mar Negro, a dar aulas a crianças,
a cantar numa discoteca… Estas
mensagens dirigem-se a todos os públicos mostrando facetas paradoxais da sua
pessoa: Putin duro e sensível, caçador e conservacionista,
formal e descontraído, próximo e distante.
A
guerra na Ucrânia é a mais recente ilustração duma comunicação ambígua,
aplicada às relações externas. Nos muitos comentários de jornalistas,
especialistas militares, universitários, e diplomatas, abundam as tentativas
para compreender os objectivos políticos e militares do presidente russo e
antecipar as suas ações. Quer controlar toda a Ucrânia ou anexar apenas a área
russófona? Pode fechar o abastecimento de matérias-primas à Europa? Quem é
Vladimir Putin? Os dados ambíguos e desconexos postos a circular pelos
porta-vozes do Kremlin, as palavras e os silêncios do presidente, as decisões
contraditórias e o incumprimento de compromissos alimentam todas as hipóteses.
Esta amálgama de paradoxos,
não pode deixar de ser intencional.
O objectivo é responder a expectativas muito diversas e possibilitar a
atribuição de múltiplas identidades. Putin desconstrói a sua identidade para
levar os outros a atribuir-lhe a identidade que preferem ou que receiam.
A longa carreira de Putin nos serviços de inteligência, as informações
inconsistentes sobre a sua pessoa e a imprevisibilidade na acção sugerem que
esta ambiguidade, mais que intencional, é uma táctica de poder. O objetivo é transmitir mensagens paradoxais, para
que não seja possível formular juízos claros e partilhados sobre a realidade.
Os estímulos ambíguos permitem muitas interpretações fazendo com que todos
encontrem no líder uma dimensão apelativa ou um elemento de identificação. Ao mesmo tempo, funcionam como “testes projectivos”.
Cada observador interpreta-os de acordo com as suas crenças, motivações e
expectativas, revelando-se a si próprio na forma como dá sentido à ambiguidade.
As interpretações revelam mais acerca do intérprete, que do interpretado.
Esta
táctica é aplicada por Putin na comunicação interna. A ambiguidade ajuda a
captar múltiplos públicos e reforça a unidade social à sua volta. É uma
forma de actuação que faz todo o sentido quando é aplicada por lideranças
carismáticas de tipo autoritário. Enquanto nas democracias
liberais a competição entre partidos e correntes de opinião leva à
especificação das mensagens e à individuação dos candidatos, na Rússia, a
ausência de verdadeira competição eleitoral torna esta abordagem inadequada. O objectivo é o consenso social à volta do líder e,
para isso, interessa veicular uma imagem multifacetada que agregue os diversos
sectores da sociedade. A unidade no apoio à liderança é a principal fonte de
poder.
Do ponto de vista externo, a táctica da ambiguidade é igualmente
eficaz. Torna as decisões do Kremlin menos
previsíveis, aumenta os níveis de ansiedade e o medo de decisões radicais, e
dificulta uma reacção pronta às ameaças. A táctica
da ambiguidade reforça o poder de quem a controla, porque aumenta a incerteza
dos oponentes e reduz a sua capacidade de resposta.
Esta táctica também favorece a recolha de informação e o
conhecimento das motivações e fragilidades da parte oposta. A forma como as ambiguidades são elaboradas e
interpretadas funciona como uma projecção da personalidade dos intérpretes.
Se analisarmos as declarações dos altos responsáveis do mundo ocidental e os
comentários da comunicação social sobre a situação na Ucrânia ficamos mais
informados sobre quem são, o que pensam, o que querem e o que receiam os
protagonistas do Ocidente, do que sobre as verdadeiras intenções da liderança
russa. As hipóteses e conjecturas feitas pelo Ocidente são
usadas pela Rússia para conhecer os quadros objectivo e subjectivo em que o
Ocidente se move e, com base neles, planear novas acções, aumentando a
capacidade de surpreender ou de ajustar rapidamente os planos em curso. A táctica da ambiguidade funciona como um
laboratório em que os observados são actores numa sala de visão num só sentido:
são observados mas não conhecem os observadores.
Putin
não quer simplesmente escamotear a sua identidade atrás de muitas identidades
possíveis. Quer ser o líder que os seus seguidores esperam e conhecer melhor
tanto aqueles que o apoiam como os seus adversários, pela forma como lhe
devolvem a sua identidade construída. É um jogo
que ele alimenta e do qual retira vantagens políticas e militares, para
reforçar a popularidade interna e a unidade em volta da sua liderança. Ao mesmo
tempo, fica a conhecer as motivações dos adversários, mantém-nos confundidos e
retira-lhes a iniciativa.
Quem é e o que quer Vladimir Putin? A Rússia tudo fará para que a
pergunta não tenha uma resposta, mas está particularmente atenta a todas as
respostas que lhe forem dadas. Este jogo é uma hábil táctica de poder, que
Putin e a informação russa têm conseguido executar com perícia.
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COMENTÁRIOS:
Vitor Batista: Não o trate
pelo presidente mas sim pelo ditador sanguinário, violento estalinista da era
soviética.
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